Visão Feminina

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5 min readJun 13, 2018

Apesar do hip hop ter se apresentado como um movimento da contracultura, ainda assim, não há muito espaço para as mulheres. Se analisarmos as canções produzidas por pessoas de todos os gêneros, podemos perceber que as letras escritas por mulheres falam sobre suas experiências pessoais, quem são, de onde vieram, mostrando como elas se enxergam e como constroem suas identidades.

A presença da mulher em eventos de hip hop ainda é introvertida. Na maioria das vezes, elas estão acompanhando seus parceiros, o que evidência que marcadores sociais de gêneros ainda são constituintes no hip hop, como em outros espaços sociais.

Podemos refletir que esta distinção nos fornece dados sobre como as mulheres atuam em sua fala, como elas lidam com seu direito de expressão ou sobre as formas de manifestar suas próprias vivências.

Vale ressaltar que a representação da mulher está muito presente nas letras de rap, principalmente por ter visibilidade num público mais amplo, carregando diferentes significados, dos machistas aos feministas.

É sobre a participação da mulher no hip hop que Taiane Vieira nos conta, em entrevista, que “a mulher precisa participar mais, ela precisa estar presente, não deixar se intimidar por se minoria.”, uma forma de quebrar paradigmas dentro dessa manifestação cultural popular.

Entrevista

SENSA: Qual foi sua melhor experiência dentro do Hip Hop?

Taiane Vieira: Poder viajar. Ainda que não tenha sido financiada e patrocinada pelo Hip Hop. Na época, minha professora nos levou ao festival de Hip Hop em Joinville (Santa Catarina), que oferece um palco principal no Teatro onde aconteciam batalhas, além de ter palcos espalhados pela cidade, nos shoppings e nas praças. Nossa missão era a de nos apresentarmos nesses palcos, dançávamos três vezes por dia. Na primeira, me lembro que tremia tanto, não sei de que maneira consegui controlar meu psicológico para poder dançar. No último dia, quando me dei conta de que em breve estaríamos indo embora, me emocionei muito. É difícil até de descrever. Sem dúvidas poder viajar para outra cidade, levando o que eu tinha de experiência, foi maravilhoso.

S: Como você conheceu a cultura do hip hop?

T. V.: A magia começou através dos clipes que passavam na TV. Era uma febre na época. Me lembro que eu achava tudo muito interessante e sempre me perguntava se era isso o que queria para minha vida. Foi a partir daí que comecei a pesquisar sobre. Então houve esse projeto de aulas de danças na escola onde eu estudava, quando ainda estava no fundamental. Foi onde eu, inicialmente, tive contato com o hip hop enquanto dança, e mais para frente fui conhecendo melhor todo o resto.

S: Qual é a importância da mulher na representatividade do hip hop?

T. V.: Toda. A representatividade da mulher deve existir em todos os lugares, e em qualquer situação. No Hip Hop, a grande maioria é homem, é raro quando em eventos você encontra um grupo de mulheres. É importante que tenhamos voz ativa e que estejamos presentes. Não podemos nos intimidar por sermos a minoria. Me lembro de um evento em São Paulo, onde estava sendo gravado um teaser (algo que vai ser revelado posteriormente), e os organizadores ficaram chocados porque tinham mais mulheres do que homens. Infelizmente é cultural, mas precisamos nos impor até que nossa presença seja natural em qualquer lugar, até que eles percebam que essa diferença não deveria existir.

S: A internet ajudou a dar mais espaço e visibilidade para mulher nesse meio?

T. V.: Sim, a internet ajudou muito. Mas é mais importante estarmos presentes nos lugares. Por exemplo, gravar um vídeo é uma coisa, e estar presente num evento, num edital, é outra, pois dá mais visibilidade e isso é primordial.

S: Você concorda que com a entrada das mulheres no hip hop as letras se tornaram mais suavizadas, falando de amor e companheirismo deixando um pouco de lado aquela pegada de dura realidade?

T. V.: Olha, “na real”, não tenho costume de ouvir muito rap, e não ouço muito rap feminino, mas é algo que eu posso dizer que percebo escasso aqui também. Sobre as letras, a mulher é mais sensível. Não estou querendo dizer inferior, mas nós mulheres sentimos mais e, às vezes, as pessoas têm medo de expor, expor sentimentos ou pessoas com quem estiveram. É raro um homem escrever sobre isso. A mulher não, ela tem mais facilidade de colocar para fora. Eu acho que isso mudou e influenciou bastante na transformação das letras.

S: Como é ser mulher em um meio onde os homens são maioria? Você foi bem aceita ou sentiu alguma discriminação?

T. V.: Eu fui muito bem aceita. Quando comecei, no projeto do meu colégio, muitas meninas começaram também, e quando comecei a treinar no Aterro, Flamengo, no Rio de Janeiro), nunca senti que sofri discriminação, e isso é muito maneiro. Dá a maior motivação, porque nunca senti como se eu estivesse sendo deixada de lado por ser mulher. No meio da cultura Hip Hop eu já presenciei, mas nunca aconteceu comigo.

S: O que o “hip-hop que vem de dentro” significa pra você?

T. V.: Faz dez anos desde meu primeiro contato com o Hip Hop e, desses dez, seis ou sete anos estou no “Hip-hop que vem de dentro”, e desde então eu sinto que abracei mesmo o projeto. Eu quero isso para mim, para minha vida.

O projeto representa muita coisa. União, principalmente. A união é parte da essência e um dos motivos da existência do hip hop e foi algo que aprendi através dele. Conhecer as pessoas, evitar as brigas nas ruas, substituir a desavença com dança.

Se você me perguntasse se eu viveria do Hip Hop? Bem, se entrasse dinheiro e eu pudesse trabalhar com isso e ter retorno financeiro, eu com certeza viveria sorrindo. Não por conta do dinheiro, é mais sobre fazer o que você ama, sabe? Oitenta por cento da minha vida é o projeto social e o Hip Hop. Vinte por cento são as obrigações do dia-a-dia.

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A SENSA é o projeto de uma revista que visa disseminar culturas que apesar de serem populares são vistas superficialmente e, não são devidamente valorizadas.