Ela sente saudade e eu também

Rafael Persan
TORANJA
Published in
4 min readDec 23, 2019

Carol está com saudades da avó. E eu estava com saudades de entrevistá-la.

A nossa história começou no início da minha carreira de jornalista, quando eu procurava personagens para o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Ela foi a minha primeira entrevistada e, particularmente, o resultado foi um dos meus textos preferidos do livro sobre saudade. O motivo? Eu tenho muita dificuldade de começar as coisas. Detectei isso na terapia e, ao que tudo indica, não é de hoje que levo mais tempo teorizando do que praticando. Com o TCC foi assim: demorei muito para iniciar, mas após realizar a entrevista com ela, as coisas fluíram. E isso está acontecendo com esse projeto também: a lista de pautas já bateu os 20 assuntos, mas o primeiro texto, ainda não saiu.

Após muitos conflitos (todos internos), decidi seguir o conselho da minha terapeuta e fui revisitar alguns textos antigos. Mais do que isso: fui atrás de uma história antiga para ver em que momento ela se encontrava. Vai que isso me impulsiona a escrever novamente, né?

No texto de hoje, eu converso com a Caroline Muniz, que antes sentia saudades de pizza com a família aos sábados à noite, e hoje sente falta da avó, falecida em 2017.

A saudade de antes

Carol fez intercâmbio nos Estados Unidos entre os anos de 2011 e 2012. Por lá, ela era au pair e cuidava de duas crianças, Matt e Lexi, enquanto estudava inglês e aprendia a lidar com as coisas do coração. O aperto no peito era rotina, mas a certeza de estar fazendo a coisa certa era maior. Com o tempo e a distância, a secretária executiva passou a visitar a saudade que habitava em seu coração: todos os dias, realizava chamadas de vídeo com a mãe, a irmã e o pai. Às vezes, era possível conversar com a Dona Maria, avó corinthiana que trazia alegria nas palavras e transmitia paz no olhar.

Após um ano e meio de muitas experiências no exterior, Carol voltou ao Brasil, trazendo na mala inúmeros sonhos para viver e um punhado de abraços para distribuir. “Leva tempo para criarmos conexões com as pessoas. A minha host family não era fria, mas também não era muito do abraço. Quando eu cheguei aqui, queria ficar grudadinha na minha avó, dormir no colo dela e ficar abraçando.” Além disso, ela trouxe consigo a vontade de comer tapioca. E mais: comer tapioca juntinho da Dona Maria. “Com o intercâmbio, passei a ficar mais próxima das pessoas e a valorizar o abraço.”

Depois de todo o alvoroço do retorno, foi necessário guardar as bagagens da saudade e colocar em prática os planos de vida. Carol começou a trabalhar e a realidade pesou sobre as suas mãos: ao invés de afago, ônibus lotado, trem cheio e muito empurra-empurra. Infelizmente, a qualidade de vida na Grande São Paulo não é muito gentil e, rapidamente, ela sentiu falta da infraestrutura dos Estados Unidos.

Junto do aperto do transporte público, a saudade dos pequenos Matt e Lexi tomou conta dos seus dias. “Eu me conectei ao menino [Matt] e ele sentiu muito a minha falta. Meu coração ficava apertado ao saber que ele estava sofrendo por causa da distância.” Com o passar dos anos, o contato foi diminuindo enquanto as crianças iam crescendo. Hoje em dia, Carol troca mensagem em datas comemorativas, como aniversário e Natal. Mas, em breve, deseja visitá-los para diminuir um pouco a saudade que os anos deixaram.

Por outro lado, das amigas que ela fez durante o intercâmbio, a austríaca Karina é com quem tem mais contato. Frequentemente, as duas se falam e trocam experiências sobre a vida adulta. A relação é tão próxima que, em 2015, a moça desembarcou no Brasil para uma visita. Elas foram ao Rio de Janeiro e Karina ficou amiga de todas as amigas da Carol, com direito a passar o Natal em família. “Ano passado, minha irmã fez um musical na Inglaterra e ela foi lá ver. A Karina é realmente uma amizade para a vida toda.”

A saudade de quem não suporta mais despedida

Os anos se passaram e Carol ressignificou diversas vezes o sentido de saudade na sua vida. No trabalho, por exemplo, ela conhece muitas pessoas que ficam curtos espaços de tempo para executar projetos. Na hora de dar tchau, algumas lágrimas brotam nos olhos. “Não tenho a menor condição. Eu fiquei sensível a despedidas.”

Porém, em 2017, a saudade ganhou uma nova forma, mais dolorosa e difícil de lidar. Dona Maria faleceu e levou junto dela os tradicionais almoços em família. “Minha avó ficou muito doente e, quando ela morreu, a minha primeira sensação foi de alívio porque ela estava sofrendo demais.” Nos primeiros dias, Carol ficou anestesiada. Aos domingos, seguia levantando cedo e se arrumando para visitar a matriarca da família. “Meu pai sempre perguntava ‘onde você vai?’ Então, eu lembrava que não tinha mais almoço na casa dela.”

Conviver com a ausência da avó foi o pior tipo de saudade que a Carol já sentiu. Ela não aceitava a tristeza e não sabia como ocupar os espaços vazios. Então, assim como eu, ela foi para a terapia resolver os seus conflitos internos. “A ausência tem sido outro aprendizado.” Hoje em dia, a secretária executiva já consegue conversar sobre o assunto sem chorar. “A vida, de alguma maneira, sempre segue!”

E eu espero continuar seguindo por aqui também, Carol.

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Rafael Persan
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“Não sou de contar mentira, mas invento minhas verdades”