Sem Maturidade Para Isso: uma carta de amor aos “velhos millennials”

nycolas ribeiro
TORANJA
Published in
4 min readSep 24, 2020

Apesar de nunca envelhecer e sempre se adaptar aos contextos atuais, Homer Simpson é a representação de um patriarca suburbano da geração X. Marge é a estereotipada dona de casa e mãe de três crianças. “Uma Família da Pesada” (Family Guy) e “American Dad!” seguem um formato familiar parecido. Nós conhecemos essas famílias e, muitos de nós, viemos delas. Agora, chegou a hora de acompanharmos as que nós construímos. Em “Sem Maturidade Para Isso” (Close Enough), série de animação adulta da HBO Max e distribuída no Brasil pela Netflix, somos apresentados a uma família na qual os deveres e desafios dos pais estão nas mãos de millennials que não fazem ideia de como conciliar trabalho, relacionamento, lazer e a criação de uma criança. E quem sabe?

Escrita, dirigida, produzida, animada e protagonizada por JG Quintel (mesmo criador de “Apenas um Show”), a história é ambientada na cidade de Los Angeles. Emily e Josh (voz de Quintel) formam um casal de trinta e poucos anos que tem uma filhinha de cinco, Candice. Enquanto ela trabalha como assistente em uma empresa alimentícia, ele é um frustrado desenvolvedor de jogos. A família divide um duplex com seus melhores amigos Bridgette (uma digital influencer nipo-americana) e Alex (um professor universitário), um casal recém divorciado que convive com seus próprios desafios numa relação pós-término e totalmente pós-moderna.

[Palhaço aleatório] Bridgette, Emily, Josh, Candice e Alex.

Ao nos apresentar as aventuras cotidianas das personagens, a série faz piada com toda a expectativa que existe em cima das responsabilidades dos (agora) adultos millennials, isso sem romantizar ou passar uma mensagem de culpa em cima de seus deslizes. Apesar de irresponsáveis em muitos aspectos (como esquecer de pegar Candice na escolinha), Josh e Emily não são péssimos pais. Pelo contrário! Eles são carinhosos, preocupados e empenhados com a educação da filha, esforços que são notados por nós e inclusive pela pequena Candice, que, em muitas cenas, se apresenta mais inteligente e até mais madura que os próprios adultos da animação.

Paralelamente ao núcleo familiar, acompanhamos as frustrações pessoais das personagens. Em um episódio, descobrimos que Emily gosta de visitar imóveis à venda e sonhar sobre como seria ter uma casa grande e própria. Esse é o escape de sua própria realidade: uma mulher que, mesmo sendo casada e mãe, ainda divide as despesas imobiliárias com um ex-casal de amigos. Aqui, a cultura millennial de dividir apartamentos com amigos para arcar com os gastos é mostrada com naturalidade e, principalmente, como necessidade. Todas as personagens passam por estresses financeiros e possuem empregos mal remunerados. Ter uma casa própria é um sonho tão longe para Emily assim como é para mim.

O modelo familiar também é bem diferente do comumente representado em outras animações adultas, inclusive nas mais atuais como “Big Mouth” e “Rick & Morty”. Aqui, não existem avós preocupados ou tias gêmeas fumantes para cuidar de Candice, por exemplo. Além da vizinha Pearle, uma idosa policial negra aposentada que é dona do duplex que os dois casais vivem, a responsabilidade de cuidar da hiperativa criança é, vez ou outra, dividida com Bridge e Alex. Mesmo nas loucuras das relações interpessoais (como a do casal também entendendo como viver sob o mesmo teto), todos se entendem como uma família como outra qualquer, fazendo os clichês passeios de bicicleta num final de tarde ou tirando férias juntos.

Mesmo não havendo um consenso ou regra clara, a geração Y é a primeira que pode ser dividida em duas: a mais nova, nascida até 1999, atualmente com seus 20 e poucos anos, e a mais velha, nascida nos anos 80, hoje chegando na casa dos 40. “Close Enough também faz piada com isso em dos episódios mais engraçados da temporada. Quando Josh sem querer “entrega” a sua idade ao falar para um “jovem millennial” que ele pode achá-lo no Facebook (quem ainda está lá além de pessoas “velhas”?), vemos um embate entre pessoas de uma mesma geração, separadas apenas por poucos anos. Assim, os protagonistas estão num limbo geracional: muito novos para serem da geração X, mas muito velhos para serem da Y. Isso demonstra como a percepção geracional está confusa nos dias de hoje, em que se “tornar velho” é algo muito mais rápido do que foi para nossos pais.

Logo em sua temporada de estreia, “Sem Maturidade Para Isso” se apresenta despretensiosa e extremamente divertida. Por meio de situações incrivelmente banais, a série faz uma sutil declaração de amor aos millennials que já são pais e ainda não entenderam como ser pais. Mesmo os que ainda não tem criança (ou não pretendem ter) podem se enxergar nos protagonistas. Com uma linguagem universal, é fácil se identificar com as frustrações e dilemas das personagens. Os desafios delas (falta de dinheiro, jornadas de trabalho exaustivas, relacionamentos líquidos) também são os nossos. Nada é do jeito que Emily e Josh (e nós) sonharam, but it’s Close Enough. E tá tudo bem!

--

--