REPORTAGEM
“É SÓ UM MUNDO VIRTUAL, MAS EU ME SINTO MAIS VIVO AQUI DO QUE NO DE VERDADE”
A frase, dita por uma personagem do anime japonês Sword Art Online, traduz o sentimento de muitos que se deparam com a nova iniciativa que recentemente veio à tona: o metaverso.
Por Desirèe Assis
Editado por Elisa Romera e João Vitor Custódio
Um mundo virtual, onde as pessoas podem interagir entre si da forma como quiserem, trabalhar, fazer compras, encontrar amigos e se aprofundar cada vez mais no mundo da gamificação. Um mundo que tem lugar no “ciberespaço”, que propicia o surgimento de “ciberculturas” graças a sociedade de rede: a ideia do metaverso já é realidade.
Quando o Facebook anunciou o objetivo de se tornar uma “empresa de metaverso”, em outubro de 2021, o termo ficou em alta no mundo da tecnologia. No entanto, esse conceito ainda não é muito conhecido para o público geral.
Descrito pela primeira vez na década de 1990, o termo surgiu em um romance pós-moderno intitulado “Snow Crash” de Neal Stephenson. Segundo o autor, o metaverso seria, então, esse mundo físico materializado na internet. Nele, as pessoas podiam fugir da realidade distópica e caótica.
Em entrevista à Revista Torta, Gabriel Cantarin Simões, desenvolvedor de 26 anos e criador de uma rede social gamificada, explica que “metaverso” seria uma intersecção do online com o offline.
“Ele é um espaço que já existe mas de forma descaracterizada. Com o metaverso, por exemplo, não teremos países como conhecemos e possuiremos uma moeda única e global”, diz.
Essas primeiras vidas virtuais já começaram a surgir ainda na década do punk, em meados dos anos 70, com os primeiros jogos on-line que se caracterizavam por aventuras em pequenos “mundos virtuais”.
Se antes foram levantadas controvérsias sobre esse tipo de vida digital, nos tempos atuais a promessa é que o metaverso veio para ficar. Essa é a mais nova aposta dos gigantes da tecnologia e, se de fato vier a acontecer, poderá mudar os patamares que se conhece em relação à internet e à virtualidade.
VIDAS ONLINE: A POLÊMICA NO ENTRETENIMENTO
O empreendimento pioneiro desta experiência foi o “Second Life”, ambiente online e multijogador lançado para computadores em 2003. Nele, o avatar criado pelo jogador tem total liberdade para fazer o que quiser — desde que esteja dentro das regras do jogo.
Como o nome sugere, a sua “segunda vida” pode ser semelhante ou, o que era mais divertido, diferente da “primeira vida”: no mundo virtual, você tem a possibilidade de ter a aparência, personalidade, classe social e rotina que não pode ter no mundo real.
No entanto, da mesma forma que na sociedade física, a sociedade digital também tem suas chagas. Notícias da época apontam que, diante da necessidade de obter moedas virtuais, foram registrados casos de estupros e pedofilia dentro do jogo, além de terrorismo.
Um anime japonês, cujo nome traduzido para o inglês é “Sword Art Online”, também poderia explicar o metaverso. Nele, as personagens embarcam na jornada do Role Playing Game (RPG) com a realidade aumentada e colocam a vida em jogo — literalmente.
Uma vez dentro do jogo, você assume o corpo físico de “carne e osso”. Nesse sentido, o criador desse mundo virtual explica que se o jogador morrer durante as fases, ele morrerá também na vida real. Por essas e outras, o metaverso carrega consigo polêmicas e levanta dúvidas em usuários e tecnólogos.
POR QUE O METAVERSO É IMPORTANTE?
O Facebook, hoje rebatizado como Meta, já percebeu que o metaverso não é a extensão da internet, mas sim, o sucessor.
Assim como ocorreu com a mudança da logística do dia-a-dia com a pandemia, que alterou as formas de consumo e comportamento em toda a sociedade, o metaverso poderá trazer novas oportunidades para criadores, artistas e comerciantes.
Apesar de ainda estar em berço, o metaverso já é um espaço de trocas econômicas. Com isso, o interesse por moedas para composição em uma carteira de criptomoeda aumentou.
Dentro do metaverso é possível negociar. Entre todas essas possibilidades, o fator que mais tem chamado a atenção dos investidores é que o dinheiro que tem valor lá dentro também tem valor aqui fora, no “mundo real”.
As moedas do metaverso são tokens que têm a função de negociação dentro desse universo. Inclusive, já existem sistemas de criptomoedas que fazem parte do metaverso e apostam no potencial de expansão desse ecossistema.
Como exemplo, temos o Enjin Coin, sistema focado no desenvolvimento de jogos e que permite que os usuários, desenvolvedores e marcas criem seus próprios NFTs — abreviação de token não fungível.
Segundo a Warren Magazine, “o NFT assegura a autenticidade daquele item, que é único. Ou seja, o ativo garante a posse de um bem exclusivo, que nenhuma outra pessoa tem”. Ainda segundo o site, os NFTs são negociados em criptomoedas. Isto é, para comprar esse tipo de ativo, é preciso antes adquirir uma moeda digital.
A moeda Enjin Coin valorizou 150% entre outubro e dezembro de 2021, é negociada por cerca de 56 corretoras e foi escolhida pela Microsoft como “criptoativo do metaverso, parceira para desenvolvimento”.
DESCONECTAR OU CONECTAR PESSOAS?
A tecnologia do metaverso pode não só transformar a economia como, também, as relações sociais. Basta um clique para amigos se encontrarem nesse ambiente. Além disso, aumenta a possibilidade de ir a festas, shows, exposições em um lugar quase sem barreiras, onde as fronteiras são constituídas de borrões.
Porém, essa percepção pode estar em “xeque”. Assim como traz o Canal Tech em uma reportagem, o criador de conteúdo Ryan Trahan decidiu fazer um experimento curioso: registrar o que acontece com quem passa 100 dias dentro do jogo VRChat.
Todas as relações de Ryan ocorreram única e exclusivamente no digital: refeições, escovar os dentes, usar o banheiro e dormir estão entre as necessidades de rotina transpassadas ao ambiente virtual. Ryan aproveitou para registrar o cotidiano no mundo imersivo, com jogos online, exploração de ambientes e interação com desconhecidos.
No início, tudo terminava em festa. Porém, ao final, a experiência o fez refletir e concluir que o ser humano não se basta no mundo real. Nesse sentido, as interações sociais, para Ryan, são tão importantes quanto respirar. O digital não bastou.
A REAL REALIDADE
A pandemia de Covid-19 mostrou o quanto o Brasil necessita de investimento na sua digitalização. Ainda que pesquisas demonstrem que 82% da população já tenha acesso a internet, a qualidade dessa conexão nem sempre é o suficiente para tarefas básicas como a educação à distância.
Experiências imersivas digitais demandam uma conexão estável. A internet chegou ao Brasil em 1988, mas o acesso ainda não foi difundido para toda a população. Para essas pessoas, muitas das quais não têm acesso nem a saneamento básico, a internet estável e, consequentemente, o metaverso estão a uma distância descomunal.
Caso recente é de Lucas Rangel, youtuber que possui mais de 60 milhões de seguidores nas redes sociais. Com seu novo personagem virtual, apelidado de Luks, o influencer busca criar uma nova identificação com seu público “sem a criação de rótulos”, segundo um comunicado. Para isso, o artista desembolsou R$ 240 mil.
A intenção, segundo Rangel, é que o viés empreendedor do personagem possa colaborar para a sua participação em campanhas publicitárias. “Acredito que o mercado está sendo pouco explorado por influenciadores com a criação de seus personagens dentro do universo virtual”, reflete. “O mundo desde sempre evolui e o metaverso oferece a oportunidade de experimentarmos o futuro”, conclui.
Porém, se os usuários vão aderir ou não a ideia de pertencer a um universo digital e físico — ao mesmo tempo — como o metaverso, Gabriel Cantarin comenta que é incerto. Isso porque a popularidade desta nova tecnologia ainda é para poucos nichos.
“Apesar de estar restrita e estarmos começando a falar sobre o metaverso somente agora, sabemos que a massa vem na inércia quando o produto traciona. Vai acontecer, as pessoas vão fazer parte do metaverso sabendo ou não. E é bom falar que ‘muita gente’ vai ganhar dinheiro com isso”, salienta.