A linha tênue entre o ético e o banal na mídia

Revista Torta
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5 min readApr 26, 2019

Por Isabela Almeida

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker

Foto por Vinicios Rosa

Na busca para trazer diversas abordagens e críticas sobre a banalização contemporânea da violência, caímos nos seguintes dilemas: o jornalismo tem em suas mãos o poder de retratar apenas uma parcela do que está acontecendo no mundo; a mídia, no geral, cumpre o papel de principal formadora de opiniões, controla a manutenção de estereótipos e decide entre diversas realidades qual deve ser pautada. Entretanto, será que essa mídia estabelece laços reais com seus espectadores ou apenas manipula-os de acordo com interesses velados?

Ao analisar “Tropa de Elite”, notamos uma forte crítica à mídia em si que retrata a polícia como protagonista da história e os marginalizados como vilões, tendência social muito utilizada em programas sensacionalistas. O “Brasil Urgente” é um exemplo disso, reforçando esses estereótipos ao dar voz apenas aos “heróis de farda”, por mais carrascos que pareçam (exemplo o episódio dos 80 tiros em um carro de uma família), enquanto o marginal não tem direito de defesa perante às acusações feitas na tela e acaba sendo julgado pelo próprio apresentador.

Quando falamos de sensacionalismo no jornalismo, não podemos esquecer da espetacularização, utilizada para disseminar ideologias do veículo, além de, principalmente, ter o intuito de conseguir o tão desejado alto índice de audiência. Porém, até que ponto vai a chamada disputa por IBOPE? Por mais antiético que isso soe, na prática, a regra é o primeiro lugar à qualquer custo, não importa se isso custe uma ou muitas vidas.

Eloá na janela de seu trágico cativeiro. Rivaldo Gomes/Folhapress

Um dos casos do jornalismo nacional mais famosos e um tanto quanto problemático é o do feminicídio de Eloá Cristina. A jovem de 15 anos teve um dos sequestros mais longos registrados na história do país, com duração de cerca de 100 horas.

O desfecho foi Eloá sendo morta pelo sequestrador, seu ex-namorado Lindemberg que, perante à retratação novelesca dada pela mídia, era “um jovem apaixonado e que apenas havia sequestrado a amada na tentativa de reatar com ela”, tirando assim o direito individual de escolha de Elóa e também retratando-a de uma forma machista para justificar o sequestro.

Programas como o já citado “Brasil Urgente” e, principalmente, “A Tarde é Sua”, cometeram uma série de erros éticos que comprometeram toda a operação da polícia, desde ligarem ao vivo para o sequestrador, dando visibilidade e romantizando a situação, como se fosse apenas uma briga de casal a devolverem uma outra vítima, Nayara Rodrigues, amiga de Eloá, ao cativeiro, colocando, assim, a vida de outra mulher em risco. Até hoje, os âncoras dos programas negam que tiveram uma responsabilidade social sobre a morte da jovem.

Entretanto, a espetacularização do sofrimento de uma figura tida como socialmente “indefesa” para conseguir visibilidade e reconhecimento não é apenas algo restrito ao jornalismo televisivo, mas algo que está se expandindo em diversas outras linguagens, como a fotográfica, por exemplo. Curiosamente, os casos mais famosos nesse âmbito envolvem não apenas a aura feminina, mas, sim, uma mais frágil ainda, a infantil.

Criança Refugiada encontrada morta em 2015 AFP

Há uma infinidade de fotos que se tornaram símbolos no fotojornalismo em que isso ocorre. Como por exemplo, uma criança refugiada da Síria supostamente encontrada morta na beira de uma praia turca vítima de um naufrágio em 2015 e que causa dúvidas até hoje se a criança foi posicionada de bruços para o fotográfo ter a foto exatamente da forma que queria, ou estava de fato na posição originalmente.

Um outro caso, é o do fotojornalista que preferiu tirar uma foto de uma criança desnutrida perto de um abutre, em vez de salvá-la, por mais que essa, diferentemente da primeira, tenha “sobrevivido” após a foto. O responsável pela imagem foi o renomado fotógrafo Kevin Carter, que bateu a emblemática foto em 1993, no Sudão, a qual quis passar a mensagem de que a fome matava nessa região africana. Entretanto, tal imagem lhe custou à vida.

A opinião pública caiu em cima de Carter, que não cedeu às pressões e aos questionamentos éticos envolvidos em tal situação, ocasionando o seu suicídio. Carter não conseguiu sobreviver com o peso de que poderia não ter salvado uma vida, por mais que a criança atualmente ainda esteja viva e crescida, algo que ele morreu sem saber.

Foto: Kevin Carter

O uso midiático da imagem infantil para obter reconhecimento ou para propaganda é um recurso que desde o começo do fotojornalismo é utilizado, principalmente em situações de guerra e de risco pois tal figura ilustra, e perfeitamente atinge a missão de causar comoção, sentimento esse muito valorizado pela mídia.

Um grande exemplo disso é a histórica e trágica foto mais famosa da Guerra do Vietnã, em que uma menina de 9 anos corre nua após se ferir com a explosão de um bombardeio em 1972 e grita que “Muito quente! Muito quente!” enquanto sua pele é corroída.

A fotografia foi tirado no dia 8 de junho de 1972 Foto: Nick Ut/AP

Por fim, notamos que, em todas as situações citadas, a dor e o sofrimento retratados são apenas aqueles que a mídia, de acordo com os seus valores de noticiabilidade e linha editorial, acredita que implantam ideias que vão de acordo com os seus interesses e com a sociedade na qual estamos inseridos, por mais que a ética humana diversas vezes seja deixada de lado por questões de audiência e reconhecimento.

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