Amanhã ninguém se lembrará de coisa alguma

Revista Torta
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5 min readApr 26, 2019

Casos de banalização da violência na pós-modernidade

Por João Vitor Custódio

Editado por Arthur Almeida e Giovana Silvestri

No período da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), surgiram regimes como o Nazismo e o Fascismo. Ambos eram totalitários e tinham como líderes figuras apelativas. No Nazismo, tínhamos Hitler. No Fascismo, Mussolini.

Os discursos de ódio de Hitler e de Mussolini penetraram na sociedade alemã e italiana e perpetuaram por muito tempo — prova disso foi o Holocausto, por exemplo, que tem a existência questionada até hoje.

Não havia uma reflexão a respeito das ordens dadas na época. Aqui surge o termo “banalização do mal”, da filósofa Hannah Arendt, em síntese: a não reflexão contribuiu de forma sistêmica para a continuação dos regimes.

Sem o questionamento se aquilo era certo ou errado, os cidadãos abdicaram de seus direitos de refletir, como comentado por Arendt no livro “Eichmann em Jerusalém — Um relato sobre a Banalidade do Mal”.

Eichmann, ex-funcionário nazista, cúmplice da execução de muitos judeus durante o regime, se considerava inocente, pois “só havia seguido ordens” de seus superiores e não questionava a legitimidade de seus atos.

Podemos comparar a falta de questionamento de Eichmann com o “não refletir” da sociedade pós-moderna para com os casos de violência noticiados. Abaixo, exemplos de banalização da violência:

Columbine

Há mais de 20 anos, no dia 20 de abril de 1999, o mundo parou para acompanhar a cobertura do massacre que ocorreu na Columbine High School, nos Estados Unidos.

Eric Harris, 17, e Dylan Klebold, 18, entraram na escola munidos de 4 facas, 99 explosivos caseiros e diversas armas de fogo. Ao todo, foram mais de 200 disparos que mataram 12 alunos e um professor. Outras 24 pessoas ficaram feridas. Após o tiroteio, ambos se mataram.

A ideia inicial dos garotos era causar um incêndio em outra parte da cidade, para que as autoridades se preocupassem com aquele local e eles pudessem começar o massacre sem alarde.

Após isso, explodiriam duas bombas dentro da escola, matando boa parte dos alunos e outras duas fora da escola, que mataria as pessoas que estivessem em volta. Nada deu certo.

A primeira bomba causou baixo dano e as outras quatro não explodiram. Mesmo assim, saíram pelos corredores da escola atirando nos alunos e funcionários. Se tudo tivesse saído como planejado, este massacre teria matado cerca de 500 pessoas.

Caso Eloá

Eloá Cristina Pereira Pimentel, 15, foi mantida sob cárcere privado pelo seu ex-namorado, Lindemberg Fernandes, 22. Quem ligasse a televisão durante aqueles dias e assistisse à cobertura do caso, poderia muito bem pensar que estava assistindo a alguma novela da Globo.

O sequestro, que durou mais de 4 dias, foi espetacularizado pela mídia. Diversos programas de TV ligaram para o sequestrador, perguntando como ele se sentia.

13 de Fevereiro de 2008: Eloá estava em sua casa com amigos quando Lindemberg invadiu o domicílio. Em um primeiro momento, liberou algumas pessoas, menos sua ex-namorada e Nayara Rodrigues da Silva, também com 15 anos.

14 de fevereiro de 2008: Nayara foi liberada.

15 de fevereiro de 2008: A pedido da polícia, a amiga de Eloá retornou para a casa onde estava acontecendo o crime.

17 de fevereiro de 2008: Os policiais invadiram o local alegando disparos vindos de dentro. Ao entrarem e confrontarem Lindemberd, o rapaz atirou nas duas meninas, acertando o rosto de Nayara e a cabeça e a virilha de Eloá, que morreu no hospital.

Caso Marielle Franco

14 de março de 2018: Marielle Franco foi executada com três tiros na cabeça e um no pescoço. Anderson Gomes, motorista da vereadora do PSOL, só não foi esquecido porque “seria errado esquecê-lo”, e não pelo fato de ter sido vítima da mesma execução.

Os protestos surgiram, as investigações começaram e as prisões foram feitas. Após um ano, se não fosse pelos grupos que exigem a investigação dos culpados, o caso teria virado mais uma gaveta para a mídia.

Na semana passada, Paris tomou a dor dos brasileiros e anunciou que um de seus próximos jardins levará o nome “Marielle Franco”. Contudo, mais uma vez, houve uma pequena repercussão midiática em comparação à semana em que aconteceu a execução.

Massacre em Suzano

No dia em que aconteceu — e na semana seguinte — as pessoas não tinham outro assunto, a pauta dos principais jornais brasileiros.

13 de março de 2019: A Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, foi alvo de um massacre. Guilherme Taucci, 17, e Luiz de Castro, 25, dispararam tiros e desferiram golpes de machadinha contra alunos e funcionários, deixando oito mortos e onze feridos. O mais jovem atirou no companheiro e depois se suicidou.

Um mês após o ataque, as pessoas respiram novamente e esperam o próximo caso de violência do qual poderão falar com seus vizinhos e colegas de trabalho: “Qual era mesmo o nome dos atiradores e das vítimas?”.

Massacre de Nova Zelândia

15 de março de 2019: Brenton Tarrant, australiano de 28 anos, matou 49 pessoas em duas mesquitas na cidade de Christchurch, na Nova Zelândia. Na primeira delas, havia mais de 200 pessoas, das quais 41 foram mortas. Na segunda, mais oito vítimas.

17 de março de 2019: Uma das vítimas que estava internada veio a óbito, contabilizando 50 mortos. Os dois atentados ocorreram em menos de 20 minutos e chocaram a população.

Um mês depois, a vida continua como se nada tivesse acontecido. O que mais espantou neste caso? O atirador fez uma live no Facebook, que foi assistida por muitas pessoas como se fosse um vídeo de entretenimento do YouTube.

80 tiros: alvos errados

07 de abril de 2019: Militares, alegando engano, dispararam 80 tiros contra um carro no Rio de Janeiro, matando o músico Evaldo Santos da Rosa.

“Pai de família é morto por engano”. Outra vez, a mídia usufruiu de suas inúmeras técnicas para chamar atenção dos leitores. O caso ganhou grande repercussão nas redes sociais, afinal, onde já se viu um pai de família morrer de forma tão cruel?

Embora, ainda, o caso não tenha sido esquecido, provavelmente será. Figuras, como o próprio presidente da república, estão promovendo essa ação, por justamente não realizar declarações oficiais às vítimas do incidente.

18 de abril de 2019: Uma segunda vítima, o catador de materiais recicláveis, Luciano Macedo, veio a óbito e disso pouco foi falado. O assunto já é passado, as pessoas já estão esperando o próximo.

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