NOTA
ANTICONCEPCIONAL MASCULINO TEM 99% DE EFICÁCIA E NENHUM EFEITO COLATERAL OBSERVÁVEL
Apesar dos resultados positivos atingidos em camundongos, mais da metade dos homens disse que não tomaria o medicamento.
Por Giovanna Adelle Polo da Silva Scarpin
Editado por Elisa Romera e João Vitor Custódio
No dia 23 de março, um grupo de cientistas da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, anunciou o desenvolvimento de uma pílula anticoncepcional masculina com 99% de eficácia em camundongos e sem efeitos colaterais. Os testes em humanos devem começar até o final do ano. Em caso de resultados positivos, o produto representará um marco na responsabilidade contraceptiva.
Apresentado em reunião da American Chemical Society (ACS), o novo medicamento funciona por meio de um método não hormonal, baseado no receptor alfa do ácido retinóico (RAR-α). Isso permite contornar efeitos colaterais decorrentes de alterações nas taxas de hormônios sexuais e aumentar a adesão.
Outros compostos que tinham como alvo o hormônio testosterona já estavam em análise, mas traziam efeitos como ganho de peso, depressão e aumento dos níveis do colesterol LDL, associado ao risco de doença cardíaca — os mesmos presentes nos contraceptivos femininos.
Como funciona o anticoncepcional masculino
A proteína visada pelo estudo é chamada de “receptor de ácido retinóico (RAR) alfa”, uma das formas processadas da vitamina A, que está ligada ao crescimento celular e à formação de espermatozoides. A interação entre esse ácido e RAR-alfa é necessária para desempenhar essas funções.
O que os cientistas fizeram foi desenvolver um composto que bloqueia a ação do RAR-alfa, conhecido como YCT529, com auxílio de um modelo computadorizado. Por sua especificidade, o bloqueador não afetaria receptores relacionados, como RAR-beta e RAR-gama, a fim de evitar possíveis efeitos colaterais ao máximo.
Os resultados do estudo mostraram uma taxa de 99% de eficácia e os camundongos recuperaram a fertilidade entre 4 e 6 semanas após a interrupção do medicamento.
Agora, os testes clínicos em humanos devem ocorrer no terceiro ou quarto trimestre deste ano e, se aprovada, a medicação seria comercializada em até 5 anos.
Métodos contraceptivos e machismo
A médica Lisa Campo-Engelstein, disse em entrevista à BBC:
“Atualmente, as mulheres suportam a maior parte da carga financeira e de saúde relacionada à contracepção”, isso porque os métodos femininos tendem a ser mais caros e exigem pelo menos uma visita ao médico, receita e repetição periódica.
O documento “Planejamento Familiar — Um Manual Global para Profissionais e Serviços de Saúde”, de 2018, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) listou 20 métodos contraceptivos existentes na atualidade. Deles, apenas o preservativo e a vasectomia são voltados para os homens, o que indica que a responsabilidade recai mais sobre as mulheres.
Além disso, métodos como a pílula anticoncepcional feminina são conhecidos por provocar aumento de peso, enxaqueca, coágulos sanguíneos, náuseas, redução da libido e alterações de humor que chegam a se transformar em depressão para 20% a 30% das mulheres que a tomam, segundo dados mencionados por Elisabeth Lloyd, na revista Archives of General Psychiatry.
Efeitos semelhantes foram observados em voluntários de testes para uma injeção contraceptiva masculina realizados em 2016. Entretanto, a pesquisa do anticoncepcional hormonal foi suspensa devido aos relatos de depressão e outros transtornos do estado de ânimo em 3% dos homens participantes.
Adesão e efeitos na sociedade
Segundo pesquisa da rede de farmácias Lloyds Pharmacy, que ouviu mil homens no Reino Unido, apenas 42% deles disseram que ficariam felizes em usar o anticoncepcional masculino. Além disso, muitas mulheres admitiram não confiar nos homens para tomar corretamente o contraceptivo.
Em entrevista para o Jornal da USP em fevereiro, o professor e diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FAMERP) comentou que “os homens não estão preocupados com a gravidez pois o efeito é na mulher” e, além disso, “há uma conotação de que fazer a anticoncepção masculina está ligada à virilidade e impotência sexual”.
Ainda segundo o especialista, o machismo cultural também atrapalha novas pesquisas na área. Para ele, do ponto de vista técnico, é difícil desenvolver anticoncepcionais masculinos por existir “muita resistência de grupos voluntários de homens” que, entre outras razões, temem possíveis efeitos colaterais dos medicamentos.
Por outro lado, pesquisadores da revista latinoamericana Sexualidad, Salud y Sociedad colocam preocupações acerca do possível crescimento de discursos que questionem o aborto como direito das pessoas com útero e uma decisão que cabe a elas”. Nesse caso, uma concepção igualitária dos direitos reprodutivos deverá observar questões como essa e suas implicações éticas e jurídicas.