Bolsonaro e as Sociais Aplicadas: uma problemática

Jornalismo, Direito, Psicologia e as suas contribuições por meio da UNESP e USP.

Revista Torta
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9 min readJun 28, 2019

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Por Arthur Almeida e Rafael Junker

Editado por Arthur Almeida e Giovana Silvestri

Jornalismo

Desde o período eleitoral, Bolsonaro e sua rede de apoiadores se mostraram avessos ao trabalho da imprensa, em particular da mídia tradicional e, ainda mais em particular, aos jornalistas da Folha de São Paulo. E como este texto pretende tratar de alguns cursos da área de Ciências Sociais Aplicadas — o Jornalismo incluso -, falar dos ataques aos jornalistas é fundamental para entender a importância da boa formação que esses profissionais devem receber.

Recentemente, em uma coletiva de imprensa realizada no dia 16 de maio em Dallas, Texas (EUA) — um dia depois das primeiras manifestações em prol da educação em várias cidades do Brasil — ao ser perguntado sobre se o corte do orçamento das Universidades não dificultaria a melhora na qualidade de ensino, Bolsonaro responde a uma jornalista:

“Primeiro, você, da Folha de São Paulo, tem que entrar de novo numa faculdade que presta e fazer um bom jornalismo. É isso que a Folha tem que fazer e não contratar qualquer uma ou qualquer um para ser jornalista, para ficar semeando a discórdia e perguntando besteira por aí e publicando coisas nojentas.”

Ataques como esse, como já posto no primeiro parágrafo, estão cada vez mais comuns. E lidar com isso é um desafio a ser enfrentado pelos jornalistas. Ocorre que esse enfrentamento exige uma boa formação do profissional da imprensa, que deve ter bem claro o que de fato é um bom jornalismo e o que não é.

E isso é aprendido, como o próprio presidente eleito apontou — uma vez que sua ordem foi para que a jornalista entrasse novamente na faculdade — dentro do ambiente acadêmico. Importante ressaltar que a noção de “bom jornalismo” de um presidente como Bolsonaro não é a mesma que a dos bons jornalistas.

É durante os tempos de graduação em Jornalismo que o profissional tem sua formação humanística ampliada; recebe a dimensão e a importância social de sua profissão; aprende métodos de apuração e mediação; desenvolve melhor o senso crítico; entende o funcionamento das relações sociais humanas; tem a noção de seus direitos e deveres enquanto profissional; e é capaz de lidar com a complexidade do mundo.

Por estar intimamente ligado à liberdade de expressão — um princípio fundamental garantido pela Carta Magna -, a atuação do profissional enquanto jornalista não está restrita àqueles que possuem o diploma do curso. No entanto, como os exemplos acima já revelaram, a graduação garante uma formação ampla e responsável para o jornalista, vital em momentos político-sociais como o que o Brasil vive hoje.

Millôr Fernandes, ao tratar do que é um bom jornalismo, defende:

“Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados.”

Contribuições Jornalismo — USP e UNESP

Foto por Giovana Silvestri | Ato do dia 30 de maio em Bauru.

A Revista Alterjor é uma publicação digital organizada pelo Grupo de Pesquisa “Jornalismo Popular e Alternativo” do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (CJE/ECA-USP), sob a coordenação do Professor Associado Luciano Victor Barros Maluly. Semestral e de acesso livre gratuito, está presente na plataforma do Portal de Revistas da USP.

Com a proposta de fortalecer o processo de institucionalização de organizações do movimento social e popular, a Alterjor traz à discussão temáticas que envolvam a defesa da cidadania, em que segmentos sociais não hegemônicos aparecem com o protagonismo de fala.

Assuntos como fotojornalismo, cinema, esportes, telejornalismo, música, pesquisa acadêmica, radiojornalismo, entretenimento, automobilismo e o próprio jornalismo independente compõem a 19ª edição, publicada em janeiro de 2019.

O jornal Voz do Nicéia é um projeto de extensão universitária ligado ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (DCSO/FAAC-UNESP). Coordenado pela Professora Doutora Angela Maria Grossi de Carvalho, o jornal produz, sob a linha programática da Mídia Comunitária, material fotográfico, reportagens e programas radiofônicos.

Voltado à comunidade do bairro Jardim Nicéia (Bauru, SP), tem como objetivo principal informar e orientar a população acerca das questões de interesse coletivo, como legalizações, reformas urbanas e sociais. Assim, levando à público as questões que dizem respeito ao bem-estar dos moradores e servindo de mediação entre o Nicéia, os órgãos públicos e o restante da cidade.

Desde o processo de levantamento das pautas, a apuração jornalística é integralmente realizada a partir da colaboração dos moradores. Publicada pela primeira vez em maio de 2008, hoje está em sua 44ª edição (maio/2019).

Direito

Também pertencente à área das Ciências Sociais Aplicadas, o Direito está envolvido em um caso que tomou um contorno mais bem definido recentemente. O The Intercept Brasil — um jornal independente que tem entre seus fundadores o jornalista americano Glen Greenwald — publicou, no domingo, dia 9 de junho, três reportagens que revelam conversas entre o, à época, juiz Sérgio Moro e um rol de procuradores responsáveis pela Operação Lava-Jato, entre eles, Deltan Dallagnol.

As conversas mostram Moro — hoje ministro da Justiça e Segurança Pública — interferindo nas investigações e orientando os procuradores, o que corresponde a uma clara violação do princípio constitucional da imparcialidade do juiz.

A publicação das conversas abalou a força da Operação Lava-Jato e reacendeu um debate sobre a força do Poder Judiciário, exercido por pessoas cuja formação é em Direito.

A historiadora e antropóloga Lilian Schwarcz, em entrevista ao jornal El País Brasil, sobre a publicação das conversas, comenta:

“Esse episódio confirma a ideia de judicradura ou a ditadura do Judiciário, quer dizer, de um Judiciário que cumpre com sua liturgia, mas que cresceu de modo a não equiparar-se com os outros poderes. É um Judiciário que perde a medida do seu poder e põe em questão a prática da equanimidade”.

Deixando de lado, aqui, qualquer debate sobre a legalidade ou não da divulgação das conversas, e tratando elas como verdadeiras — não que não o sejam, mas ainda é difícil chegar a uma conclusão decisiva sobre isso, embora o próprio Moro não tenha negado a veracidade das mensagens -, é notável o completo desrespeito à peça fundamental de qualquer um que tenha se aventurado no Direito: a Constituição.

Um juiz precisa respeitar o princípio da imparcialidade. Isso é fundamental. E, como a Lilian Schwarcz bem pontuou, o Judiciário precisa ter a medida de seu poder e agir em pé de igualdade em relação ao Executivo e ao Judiciário. Tudo isso depende de uma boa formação. É claro que só uma boa formação não basta, haja vista que há egressos de uma mesma Universidade que são corruptos e outros que estão fazendo justiça. Mas é um bom ponto de partida.

Outro importante ponto de defesa do curso de Direito passa pelas possibilidades por ele oferecidas. Como já tratado anteriormente, várias esferas de poder, com óbvio destaque para o Judiciário, são ocupadas por profissionais com formação em Direito. Entretanto, dentro das salas de aula das faculdades públicas de Direito espalhadas pelo Brasil, há uma presença majoritária de brancos e da elite. Infelizmente, o acesso ao curso por minorias sociais ainda é baixo, apesar da implementação do sistema de cotas.

Foto por Giovana Silvestri | Ato do dia 30 de Maio em Bauru.

Cortar as verbas das Universidades dificulta ainda mais o acesso e a permanência dessas minorias no ambiente das Faculdades de Direito. Uma possível consequência disso é a dificuldade de acesso dessas minorias às esferas de poder ocupadas pelos profissionais do Direito, acarretando baixa representação política desses grupos.

Assim, investir em cursos como o Direito e, principalmente, garantir o acesso a pessoas socialmente marginalizadas, é um importante elemento de transformação social.

Contribuições Direito — USP e UNESP

A Faculdade de Direito da USP no Largo São Francisco, em São Paulo, tem o Grupo de Estudos sobre a Proteção Internacional de Minorias, o GEPIM. A proposta do Grupo é realizar pesquisas, discussões, reuniões, eventos e trabalhos relacionados à proteção de minorias no Direito Internacional. Em um artigo, o professor de Direito Internacional Público, Paulo Borba Casella, e o mestrando Felipe Nicolau Pimentel Alamino, comentam sobre a proposta do grupo:

“Historicamente, minoria em Direito Internacional compreende minorias religiosas, minorias étnicas, minorias linguísticas e, atualmente, minorias de orientação sexual e identidade de gênero, que se convenciona chamar de grupo LGBT+. Todavia, o GEPIM explora também a pesquisa relativa à proteção internacional dos povos indígenas, os quais, ainda que não sejam considerados de maneira técnica como ‘minorias’, compartilham muitas das necessidades de proteção.”

Na UNESP, há a Revista de Estudos Jurídicos, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Direito da mesma instituição. A revista aborda temas relacionados à Cidadania Civil, Política e Sistemas Normativos; Cidadania Social e Econômica; e Tutela e Efetividade dos Direitos da Cidadania.

Psicologia

Atualmente, vive-se, no Brasil e no mundo, um contexto histórico-social de evidente preocupação com o estado de bem-estar psicológico das pessoas. Em meio aos superestímulos da vida contemporânea, representamos a população com as maiores taxas de transtornos psicológicos já registrados.

Segundo um levantamento do Ministério da Saúde, em 2016, houve 11.433 casos de suicídio no país, o equivalente a 31 óbitos por dia. Outro levantamento de dados de 2017, desta vez, da Organização Mundial da Saúde (OMS), aponta que o Brasil é o país que mais sofre com a ansiedade, estando, também, em 5° lugar no ranking que diz respeito à depressão.

O governo Bolsonaro, até o presente momento, não atacou diretamente à área da Psicologia. Contudo, os seus discursos acerca, sobretudo, de populações em estado de vulnerabilidade social, são duramente criticados pelos órgãos e institutos de Psicologia, tomando-os como um afronte à ciência e aos estudos que são produzidos na área.

Foto por Beatriz Toledo | Ato do dia 15 de maio em Bauru

É, também, nesse sentido, que, como em outras áreas, os cortes à Educação representam uma grande problemática ao desenvolvimento de projetos e atividades associadas à Psicologia.

Por exemplo, em 2018, durante, ainda, o polêmico e extremamente polarizado processo eleitoral que garantiu a vitória de Bolsonaro ao cargo Executivo Nacional, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) emitiu uma nota oficial de posicionamento e repúdio à “disseminação de inverdades que apenas colaboram para enfraquecer a nossa democracia”.

O evento derivou da defesa do candidato ao que chamava de “cura gay”. Um evidente ataque à população LGBTQ+ (Lésbica, Gay, Bissexual, Trangênero, Transsexual, Travesti, Queer, entre outras).

O CFP aponta, ainda, a partir da decisão de 1990 da OMS de retirar a homossexualidade da lista de patologias, que não cabe à Psicologia qualquer tratamento de “reversão sexual”, uma vez que viola o direito do ser humano.

Ele ressalta o seu comprometimento com a sua Resolução Número 1/99 — normas para a atuação dos profissionais da área quanto às questões envolta do campo da sexualidade -, que, dentre outras coisas, reitera a necessidade por parte do profissional da Psicologia de compreender a diversidade e de auxiliar os seus pacientes no processo de superação de preconceitos e discriminações.

No que diz respeito aos impactos dos cortes de verba aos cursos de Psicologia, deve-se ressaltar, sobretudo, as atividades extensivas. Isso é, os projetos ligados à área que têm como objetivo, a partir da união e síntese do ensino e da pesquisa produzidos nos ambientes acadêmicos, praticar, de fato, a Psicologia em atendimentos nos centros de aplicação.

Atualmente, os cursos de Psicologia ligados às grandes Universidades, especialmente as públicas, dispõem de espaços em que são disponibilizados, tanto para a população universitária dos campi, mas também à população geral, horários de atendimento gratuito.

Esses projetos têm grande importância, pois possibilitam terapias, individualizadas ou em grupo, que têm como objetivo minimizar os impactos dos transtornos psicológicos aos quais estão submetidas as pessoas na contemporaneidade, uma medida preventiva ao suicídio e controle da ansiedade e depressão.

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