Coalizão: Uma moeda de troca sem valor

Os superministérios do Governo Bolsonaro e a reestruturação ministerial dentro da jogatina falha do Executivo.

Revista Torta
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11 min readJul 26, 2019

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Por Giovana Silvestri

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker

Foto por Vinicios Rosa

22. Esse é o número de ministérios do Governo Bolsonaro. Antes, no Governo Temer, eram 29. O presidente eleito optou pela redução, alegando, principalmente, que isso ajudaria na economia, tendo em vista a redução de custos em uma reestruturação ministerial.

Após fundir alguns, eliminar outros, parece que as alterações acabaram. Mas, o que de fato aconteceu e como? Quais as possíveis consequências a longo prazo? A Torta veio explicar tudo isso, e mais um pouco, para você.

Historicamente, o Brasil está enfrentando o menor número de ministérios em anos de democracia. De José Sarney (que tinha 29 ministérios) até Michel Temer, nenhum presidente teve um número tão reduzido de ministérios. Quem chegou perto do recorde de Bolsonaro foi apenas Fernando Collor, com 23.

Bolsonaro não apenas reduziu, como fundiu. Os chamados “superministérios” são os resultados da fusão de um ou mais ministérios. O Governo estruturou sete superministérios, alguns com mais ministérios fundidos do que outros.

As principais fusões deram origem aos dois maiores: o Superministério da Cidadania e o Superministério da Economia. Eles possuem as maiores fusões ou junções de ministérios. Outros ‘Super’, mas menores, são o da Segurança Pública Nacional e o do Desenvolvimento Regional.

Por Cezar Augusto

Confira ao lado os ministros de cada superministério e as suas fusões:

Por fim, alguns dos menores que sofreram adição, redução ou eliminação foram: o do Meio Ambiente (redução de funções); da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (adição), do Trabalho (eliminação) e, por fim, da Mulher, Família e Direitos Humanos (adição).

Confira abaixo os ministros de cada ministério alterado e as suas principais funções:

Por Cezar Augusto

Os Ministérios Públicos

Segundo as “Anotações sobre os Ministérios Públicos Brasileiro e Americano” de 1988, feita pelo então promotor da Justiça Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, o ministério tem como finalidade ou objetivo a defesa do interesse público:

“Tanto o Ministério Público norte-americano como o nosso têm em comum o fato de possuir a mesma finalidade institucional: a defesa do interesse público (aí compreendidos os interesses difusos e os interesses sociais e individuais indisponíveis), isto é, dos bens e valores essenciais à boa qualidade de vida em sociedade.”

Por mais que as anotações do então promotor da Justiça sejam feitas para equiparar e comparar as funções e a efetividade dos ministérios dos Estados Unidos da América (EUA) em relação aos brasileiros, em primeira instância, trata de explicar e explicitar as funções e características das instituições analisadas e seus cargos.

Por isso, vale ressaltar que, além de suas obrigações, os ministérios precisam corresponder às demandas e até às ideologias da sociedade, para, assim, prezar pelos interesses sociais da maioria dentro da democracia. Além disso, Camargo Ferraz comenta sobre a autonomia e independência dos cargos nos ministérios e explica:

“O nosso Ministério Público retira sua força política da estruturação em carreira, da tendência de atribuir a cada um de seus integrantes independência e autonomia funcional, mesmo com relação aos órgãos internos da administração superior. Talvez seja mais apropriado dizer que o poder político da instituição tende a fracionar-se, a dispersar-se por todos os seus membros”.

A velha política e os ministros escolhidos

Vale ressaltar que a posição do Executivo, logo, do Presidente da República, na escolha de quem ocupará os cargos para terem, assim, autonomia, é baseada em um jogo de poderes na política, conhecida como o “Tomá lá da cá”, “velha política” ou “política de coalizões”, que garante, em certa medida, a manutenção do poder por parte do Executivo em relação aos ministérios.

Para governar sem ter grandes problemas ou impedimentos, o Executivo às vezes toma ações de coalizão, assim como os partidos. No caso da política dos partidos, há as coalizões entre partidos, para, assim, “colaborarem” para a máquina legislativa funcionar.

Assim, o Executivo toma esse tipo de atitude com “coalizões”. Chamamos isso de “presidencialismo de coalizão”, termo criado pelo cientista político Sérgio Abranches. Esse termo está presente na chamada “velha política”, definida como uma política de oligarquias, que barra a renovação da cargos e da elite política e busca manter determinados partidos, com determinados políticos.

Segundo a jornalista Daniela Lima, durante o podcast Café da Manhã da Folha de São Paulo, “velha política” é, também, um presidencialismo de coalizão.

“‘Presidencialismo de coalizão’ virou quase um palavrão, a gente rapidamente associamos (sic) à ‘mamata’, partidos pegando cargos. Significa o que na prática? Governar com os partidos. Isso de saída é ruim? Eu entendo que não.

Supondo que Drauzio Varella fosse filiado a um partido, há algum problema entregar o Ministério da Saúde a esse partido? Supondo que o Drauzio Varella tem uma equipe, gente qualificada, estudos de muitos anos sobre como melhorar o desempenho do SUS [Sistema Único de Saúde], etc. Não necessariamente governar com os partidos é puro ‘toma lá da cá’ (…) porque você pode ter dentro de um partido uma pessoa muito forte daquela área.

Mas o presidencialismo de coalizão de fato foi um instrumento que a política não soube usar, banalizou de fato. As pessoas começaram a preencher cargo por preencher cargo, têm uma tia, uma sobrinha, um amigo, um vereador… virou uma máquina de sustentar partidos”.

Por isso, a crítica à chamada “velha política” ou “presidencialismo de coalizão”. Esse era o mesmo argumento do presidente eleito, mas ele segue tomando ações que sustentam partidos políticos de seu interesse para conseguir governar…

O presidente tomou ações e escolhas que estão dentro dos moldes da tão crítica “velha política” ou do “presidencialismo de coalizão”, que mantém, de certa forma, o funcionamento dos poderes e a sua efetividade, mas é rigorosamente criticado, até mesmo por ele.

Uma das escolhas que mantém as coalizões no Executivo é a definição de seus ministros para cada ministério. Além de associar deputados de partidos para que, assim, esses partidos colaborem no Congresso, como os deputados do Democratas (DEM) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o presidente optou por colocar nos cargos ministros militares.

Dos 22 ministros, seis fizeram ou fazem parte do serviço militar. Com isso, o presidente “ganha”, ao atribuir cargos aos militares, o seu apoio. Alguns exemplos são:

  • o General Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa;
  • o Almirante de Esquadra Bento Costa Albuquerque;
  • o Capitão Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura;
  • o General Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Nacional;
  • o General Carlos Alberto Santos, responsável pela Secretaria do Governo;
  • e o Tenente Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação.

Para o cientista político Vicente Palermo, a coalizão presidencial é algo necessário e muito presente nos governos brasileiros. Segundo o seu artigo “Como se Governa o Brasil? O Debate sobre Instituições Políticas e Gestão de Governo”, de 2000, o Executivo busca respaldo parlamentar em troca das nomeações para governar.

“O chefe do Executivo [Presidente], em virtude do regime presidencialista, tem a prerrogativa de estruturar seu gabinete; o governo é do presidente e não do partido (ou da coalizão eleitoral). No Brasil, o poder de nomeação é alto, mas o Executivo precisa obter respaldo parlamentar. Assim, os presidentes necessitam oferecer posições de alto nível àqueles que o apoiaram e garantir importantes recursos, e em geral seguem este tipo de ação”.

Os Valores na Jogatina

Mas, por que a escolha dos ministros seria, necessariamente, ou em algum ponto, uma coalizão presidencial? Além de cada valor que os ministérios possuem, a sua autonomia para tomar decisões tem grande peso e relevância na hora de governar ações para a sociedade. Assim, atribuir um cargo de ministro, além de exigir uma qualificação, é de grande importância e pode causar diferenças durante a governança ou ações do Executivo no país.

Por isso, a atribuição estratégica dos ministérios é tão importante durante um governo. Podemos entender os ministérios como “terrenos” ou “bens de valor alto”, que servem como moeda de troca. Logo que o presidente nomeia integrantes de partidos aliados ou pessoas que são favoráveis às suas ideias e propostas durante o governo, se espera, em troca, um apoio para governar, especialmente durante as votações do Legislativo.

Durante o processo de escolha dos ministros, há uma certa cobiça por cada ministério, pois cada um deles têm um peso e relevância durante o governo e, por isso, possuem valores distintos. Assim, cabe ao presidente saber articular o jogo de poder político para ter aliados durante seu governo, criando, de certa forma, uma coalizão entre os ministros escolhidos e o Executivo.

Segundo uma pesquisa de professores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), alguns ministérios são mais cobiçados por outros, após ouviram parlamentares e especialistas, identificaram os porquês que envolvem a jogatina de poder político.

Além disso, o estudo, realizado entre 2017 e 2018 no Governo Temer, buscou verificar o número de ministérios entregues a cada partido da coligação política do presidente, ou seja, até que ponto o presidente consegue ter votos a seu favor no Congresso. Se um partido possui mais políticos com ministérios, na teoria, o presidente tem mais votos desse partido durante as ações que deseja tomar.

Porém, o questionamento da pesquisa foi: até que ponto o partido que recebeu o ministério X estaria tão satisfeito quanto o outro que recebeu o Y? Ou, como o diretor do Programa de Estudos Brasileiros de Oxford, Timothy J. Power, se questionou:

“Mas, será que um partido que recebeu os ministérios da Fazenda e do Planejamento estaria tão satisfeito quanto outro que recebeu o Ministério da Cultura e do Turismo?”

Tudo é uma questão de escolhas, de poder e de articulação política. Após esse questionamento, os pesquisadores decidiram avaliar quanto vale cada ministério para os partidos e porquê cada um tem um valor maior ou menor que outro para os partidos.

Na pesquisa, 141 parlamentares foram questionados. Para os políticos foram apresentados quatro pares de ministérios que vinham seguidos da seguinte pergunta:

“Imagina uma situação hipotética em que um(a), futuro(a) presidente(a) da República esteja sondando o interesse de seu partido num cargo de primeiro escalão do governo. Para cada um dos pares abaixo, indique qual cargo o(a) sr.(a) acha que o seu partido preferiria”.

A conclusão da pesquisa reuniu os dez ministérios mais desejados. Segue o resultado na ordem do mais desejado para o menos desejado:

  1. Cidades, Planejamento;
  2. Fazenda, Casa Civil;
  3. Educação, Minas e Energia;
  4. Saúde;
  5. Integração Nacional;
  6. Trabalho;
  7. e Relações Exteriores.

Toda a pesquisa foi disponibilizada com exclusividade por uma reportagem da BBC Brasil.

A falha da jogatina

Por mais que o jogo de poder se faça necessário, o presidencialismo de coalizão, para que, assim, as decisões e planos do Executivo e do Legislativo comecem a sair do papel. O jogo de poderes políticos com os ministérios e escolhas de cargo, através do presidente, se demonstra falho, segundo o artigo do Pós-Doutorado em Ciências Políticas Vicente Palermo, já mencionado no texto anteriormente.

Para Palermo, a tentativa de realizar coalizões dentro do governo, por parte do Executivo, não tem garantia de funcionalidade, uma vez que várias características tanto dos partidos, quanto de seus interesses, acabam por não manter a relação de troca entre presidente e partidos, independente dos cargos atribuídos.

Palermo reconhece e estuda a relação importante das coalizões, por outro lado, analisa o multipartidarismo e o federalismo presente no Brasil, ambos fatores que colaboram para a formação de um gabinete heterogêneo e que, por isso, não terá total colaboração nas decisões do presidente.

“Devido às características do sistema partidário, o presidente está habitualmente em um governo de coalizão informal ou, excepcionalmente, em um governo minoritário. Ele procede formando coalizões, mas devido à fragmentação partidária e à fragmentação e diversidade regional, está configuração é complexa e insatisfatória (…). Em suma, a fragilidade partidária (número, disciplina, mudança de legendas) e o federalismo ‘centrífugo’ obrigariam o presidente a montar um gabinete heterogêneo e extremamente difícil de controlar, além de inefetivo para manter um apoio duradouro no Congresso”.

Além disso, Palermo ressalta sobre como as coalizões se constituem dentro das características citadas acima:

“Para constituir a coalizão, às vezes é o caso de recrutar os legisladores um por um, oferecendo cargos e recursos (…) O presidente pode organizar uma coalizão multipartidária de sustentação, mas, dado o caráter e a indisciplina dos partidos, é muito arriscado para ele considerar-se seguro unicamente por conta desse apoio: ‘quando são populares, os políticos apoiam-no, quando sua popularidade cai, têm dificuldades para obter respaldo para seus projetos’*

A “fragilidade partidária” é formada pela quantidade e pela diversidade de partidos dentro de um Congresso, por exemplo. Mais do que isso, interpretamos essa fragilidade como visões distintas e estratégias ainda mais distintas presentes em um mesmo sistema político.

Com isso, além de numericamente diversos, os partidos e políticos possuem ideologias diversas, e, assim, fomentam uma burocracia cada vez maior durante uma tomada de decisão tanto no Executivo (distinção de ideias com o presidente) quanto no Legislativo (distinção de ideias entre si).

Por federalismo “centrífugo”, compreendemos a proporção federal e centralizada dos partidos, a medida que estão focados em Estados específicos de um país continental — Brasil — e, por isso, possuem interesses distintos entre si, seja em questões regionais ou de todo o país.

“Uma visão consagrada dos partidos brasileiros sublinha, em geral, os traços de fragmentação partidária, instabilidade, fragilidade, fisiologismo e baixa disciplina. A já mencionada forte regionalização dos partidos torna-os extremamente sensíveis às demandas locais e estaduais. Mainwaring (1997) considera que tanto os partidos quanto os políticos seguem uma lógica hiperfederalista e que em grande medida os partidos políticos nacionais são ainda uma federação de partidos estaduais. Os políticos tendem a focalizar excessivamente questões locais e estaduais, sendo menos propensos a seguir as lideranças nacionais do partido”, ressalta Palermo em seu artigo.

Por isso, constitui-se muitas vezes em um jogo político que, além de desgastar a política ao banaliza-la, pode ser em vão, facilmente falhando. Ao analisarmos que, mesmo com as atribuições de cargo sendo compreendidas como moeda de troca entre Executivo e Legislativo, elas não têm um preço válido.

O presidencialismo de coalizão, da forma que circula na política brasileira, é extremamente criticado e parece desvalorizar o sistema. Além disso, faz as coalizões perderem seu valor na medida que não possui eficiência.

Assim, a coalizão política presidencial é uma moeda de troca utilizada, articulada e necessária que, ao perder tanto o seu valor no decorrer dos governos, seja por manter oligarquias no poder (e ser rigorosamente criticada), ou por não assegurar a sua finalidade, passa a não ter mais valor algum.

*Citação de Palermo sobre o autor Mainwaring, 1997.

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