Criminalização e liberdade religiosa

A necessidade de garantia dos direitos constitucionais e a coexistência da liberdade religiosa e da criminalização da LGBTfobia

Revista Torta
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4 min readMar 22, 2019

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Por Rafael Junker

Está hoje em discussão no Supremo Tribunal Federal, o STF, um Mandado de Injunção e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão impetrados pela ABGLT e pelo PPS, respectivamente, nos anos de 2012 e 2013. A discussão no Supremo, cujo objetivo é decidir sobre o enquadramento da LGBTfobia na lei antirracismo, trouxe à superfície um debate importante na seara da liberdade religiosa.

Excluindo os argumentos jurídicos — aqueles que versam sobre se o Supremo deve ou não interferir nos papéis do legislativo -, pode-se, para fins de simplificação, dizer que existem duas correntes de pensamento a respeito da criminalização da homofobia e da transfobia.

O primeiro grupo defende os interesses religiosos e enxerga na possibilidade de criminalização uma ameaça à liberdade de crença, expressamente garantida no inciso VI, do Artigo 50 da Constituição Federal. O segundo grupo alega que a criminalização visa a coibir os discursos de ódio e a violência contra os LGBTs, não afetando, em nenhuma circunstância, a liberdade religiosa.

Trocando em miúdos, os grupos religiosos querem a garantia de que poderão manifestar, publicamente ou não, suas convicções ancoradas nos textos sagrados que, em alguns casos, desaprovam a homossexualidade com base nas teses do “Criador”. Esse grupo quer assegurado que, caso eles se posicionem e argumentem contra a homossexualidade em virtude da reprovação desta por qualquer entidade, não serão acusados de homofobia ou transfobia.

No entanto, como mostra o outro espectro argumentativo, a criminalização não vai afetar aqueles que reprovarem a homossexualidade com base nas suas interpretações dos textos sagrados. Enquadrando como criminosos apenas aqueles que incitarem o ódio e recorrerem a práticas violentas contra a comunidade LGBT. Pode discordar, mas não pode odiar. E isso garante a coexistência.

Para tornar o argumento mais ilustrativo, é preciso ter no horizonte próximo que nenhum direito na Constituição Brasileira é absoluto. E isso inclui a liberdade religiosa. É garantido a todos os brasileiros natos ou naturalizados a liberdade de crer e de manifestar suas convicções religiosas.

No entanto, esse direito é válido até o momento que não afeta o direito alheio. Regra simples, popularmente conhecida. Aqui vale também lembrar a frase de Antônio de Sampaio Dória, importante jurista e educador brasileiro: “os abusos, isto é, as ofensas aos direitos alheios, já deixam de ser liberdade”. Para reforçar, Dória também afirma “não é liberdade o incitamento ao crime”.

O que se pretende dizer é que, no âmbito da Constituição, a liberdade religiosa é um direito garantido. No entanto, discursos de ódio e incitação à violência — com qualquer grupo — não podem ser bradados sob o amparo de convicção ou crença, uma vez que esses discursos afetam o direito do outro de se expressar, no caso em questão, sua sexualidade, por exemplo, também uma garantia constitucional.

A liberdade de orientação sexual e de gênero foram conquistadas a muito custo. Somente numa lei de 16 de dezembro de 1830 é que a homossexualidade deixou de ser um crime, pelo menos em âmbito formal. E isso não impediu que o Código Penal Militar de 1969, em seu artigo 235, criminalizasse a prática homossexual em locais sujeitos à administração militar, prevendo uma pena de detenção de seis meses a um ano e se configurando como um claro ataque à homossexualidade. Na mesma esteira progressista, a muito custo, a liberdade religiosa foi conquistada em 1890.

O breve panorama histórico revela que tanto o direito à orientação sexual — que hoje precisa ser protegido pela criminalização da LGBTfobia — quanto o direito à escolha e prática de uma religião foram adquiridos com muito custo.

À época das Ordenações dos reis portugueses — espécies de normas jurídicas com várias regras e preceitos a serem cumpridos que passaram a valer para os “reinos e senhorios” portugueses em 1643, o que incluía o Brasil — os homossexuais e os praticantes de religiões que não a Católica Apostólica Romana eram punidos.

Valendo-se dessa “dívida histórica” e considerando a Constituição Federal de 1988, é preciso garantir que a liberdade religiosa e que a liberdade de orientação sexual sejam cumpridas.

A partir do projeto de criminalização da homofobia, incluir ressalvas que esclareçam o crime e pontuem que os religiosos continuem livres para manifestarem suas convicções religiosas contra a homossexualidade, contanto que respeitem aqueles que manifestarem essa sexualidade e não caiam no discurso de ódio que estimula a violência. Dessa forma, garante-se uma segurança jurídica e evita-se que direitos sejam cerceados — tanto dos religiosos quanto da comunidade LGBT.

Para fins de comparação, é notável que boa parte dos países que não garantem a liberdade religiosa também possuem leis que criminalizam a homossexualidade. Somente um país que garanta essas duas liberdades caminha para uma realidade justa e alcança relativa pacificação social.

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