NOTA

DE ONDE VEIO O COELHO DA PÁSCOA?

Desde uma possível origem pagã até sua atual comercialização escancarada, a festa sempre foi utilizada para a detenção de poder.

Revista Torta
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Por Elisa Romera de Freitas

Editado por João Vitor Custódio

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima que em 2022 a Páscoa movimente cerca de R$2,16 bilhões — mais que em 2021 — no Brasil. Arte: Ana Sakugawa e Tainá Domingues de Castro/Revista Torta

Quando olhamos para cima e encontramos as cores que, em figuras ovais, estampam os corredores dos supermercados, sabemos imediatamente: a Páscoa chegou! E, em seguida, rapidamente nos despedimos daquilo que estava em nossas carteiras.

Isso porque, por mais que o arco-íris formado pelos ovos de Páscoa seja vistoso, as etiquetas penduradas nos produtos são as mais chamativas.

Ao entregarmos às pressas as notas para pagar o famoso coelho da Páscoa, na expectativa de celebrar uma das datas comemorativas mais marcantes para o brasileiro — que é, em maioria, cristão -, encontramos dificuldade em recordar o porquê dos ovos de chocolate estarem ali.

Para começar, como surgiu essa associação entre o renascimento de Jesus e todos os símbolos pascais? Por que comemoramos dessa forma?

O nascimento dos ovos

Após a primeira Lua cheia do Equinócio da Primavera, o próximo domingo é marcado pela Páscoa, como foi definido no século XVI, a partir da adesão europeia ao calendário gregoriano.

Com a proximidade dessa data, o Hemisfério Norte reconstrói a sua forma, primeiro dado à entrada da nova estação e, em segundo lugar, com os enfeites em formato de ovos e coelhos, todos pintados em tons pastéis.

Assim, é fácil associar a primavera, data marcada pela vida, ao renascimento de Jesus, bem como aos coelhos e aos ovos, também marcados pela ideia de reprodução, não é mesmo? Porém, ainda é bastante incerto o conhecimento sobre a escolha e implementação desses símbolos pela cultura cristã.

Há diversos estudos que dissertam sobre algumas das possibilidades na formação simbólica do feriado, como “De Eostre A Easter: Ressignificação De Um Culto Pagão Na Inglaterra Medieval?”, realizado pela Mestre em História, Nathany Andrea Wagenheimer Belmaia, em que é estudada uma possível relação com religiões pagãs.

Para isso, a autora trabalha com duas deusas: Eostre, na Inglaterra Medieval, e Ostara, na Alemanha do século XIX, ambas com nomes muito próximos à palavra “Páscoa” em suas respectivas línguas, sendo elas “Easter” e “Ostern”. Ambas as figuras estavam relacionadas à primavera e, portanto, ao renascimento e à vida.

No caso inglês, ainda, o próprio mês em que ocorria o início da primavera era chamado “eosturmonath” em seu calendário antigo. E, durante ele, eram feitas as festividades dedicadas à Eostre.

Quanto à Ostern, Jacob Grimm explica no material Deutsche Mythologie, analisado por Belmaia:

“Ostara, Eástre parece, portanto, ter sido a divindade da aurora radiante, da luz da primavera, espetáculo que traz alegria e benção, cujo significado pode ser facilmente adaptado ao dia da ressurreição do Deus cristão”.

A queda do paganismo e ascensão cristã

A questão que permanece é: como houve a subversão dessas deusas pagãs e por que foram adaptadas ao cristianismo? Para isso, Belmaia relembra a história da implementação do cristianismo na Inglaterra e da missão de Agostinho.

A missão é a primeira informação encontrada sobre a “re-cristianização” da Grã Bretanha após a queda do Império Romano e, portanto, é marcada pelos interesses e presentes trocados entre a Igreja e os diversos governantes.

Uma dessas figuras era Papa Gregório I, justamente o responsável por enviar para Agostinho, conhecido como Agostinho de Canterbury, a ordem de que destruísse todos os templos pagãos da região. Contudo, logo a ordem foi alterada, indicando que, em vez de suprimir os templos, deveriam transformá-los em Igreja.

As festas, então, mesmo que de origem pagã, continuaram acontecendo em volta dos templos — agora convertidos em Igreja — durante todo o processo de instauração cristã.

Assim, Belmaia aborda a proposta do sociólogo Todd Holden, quem explica o comportamento de uma “ressignificação como um tipo particular de semiose, quando novos elementos de significados e significações são retirados de seus contextos originais e inseridos em outras sequências semióticas que auxiliariam em uma mutação cultural e, nesse caso, uma conversão religiosa”.

A Páscoa é importante para a cultura cristã por simbolizar a ressurreição de Cristo após passar 3 dias morto. Na imagem, uma analogia à obra “Última Ceia”, de Leonardo da Vinci. Arte: Ana Sakugawa e Tainá Domingues de Castro/Revista Torta

Em empreitadas na busca por poder foi criada a Páscoa, que possivelmente importou diversos elementos da cultura pagã e os transformou em capital político para os monarcas e para a Igreja.

E, hoje, pouco diferente, os ovos de chocolate e o coelhinho significam mais para o bolso de seus produtores do que agem em favor à fé do povo, se comportando como uma ferramenta na conquista de capital, novamente.

O mundo da Páscoa fora da cultura cristã

Ainda que Belmaia tenha dissertado quanto às possíveis origens das palavras “Easter” e “Ostern”, o mistério quanto às línguas derivadas do latim, que associam a celebração ao radical “Pascha”, permanece.

Nesse caso, a palavra “Páscoa” vem da interpretação original do evento, ou seja, judaica, referenciando à palavra “Pessach”, que significa “passagem” em hebreu.

Com um significado completamente diferente do cristão, o feriado, para os judeus, é uma lembrança da libertação dos escravos hebreus após sua resistência às dez pragas do Egito e após a passagem do anjo da morte, bem como de seu retorno para Canaã.

Com costumes totalmente diferentes, até mesmo a data da Páscoa nem sempre é a mesma para as duas religiões. Celebrando a libertação, os judeus iniciam suas comemorações com o Sêder, um jantar que inclui a leitura do Hagadá — livro onde é contada a história dos hebreus — e o consumo dos alimentos, cada qual com sua ordem específica (que, também, não inclui ovos de chocolate!).

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