NOTA

“ENVOLVER” LEVA ANITTA E OS ESTEREÓTIPOS AO TOP 1 DO SPOTIFY

Ritmos latinoamericanos que costumam chegar ao topo das paradas não representam a diversidade da região.

Revista Torta
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Por Giullia Colombo

Editado por Arthur Almeida e Eduarda Motta

Representando uma cultura contra-hegemônica, a música latina ganha espaço e reconhecimento, mas ainda é carregada de estereótipos. || Arte: Guilherme Ilheo/Revista Torta

Em 25 de março, a cantora Anitta realizou o feito de chegar ao top 1 no Spotify Global com a canção Envolver. Isso significa que, naquela sexta-feira, a artista teve a faixa mais ouvida no mundo nas 24 horas antecessoras. Foram mais de 6 milhões de reproduções nesse período.

Com a canção solo, a brasileira quebrou recordes dos mercados nacional e latino. A carioca desbancou Justin Bieber, Elton John, Dua Lipa e Glass Animals. Antes dela, o recorde de artistas da América Latina era de Kali Uchis e Karol G, que haviam ocupado o top 2 global.

Anitta celebrou a conquista nas redes sociais e a internet vibrou como se a seleção brasileira tivesse feito o gol que traria a taça da Copa do Mundo. Envolver foi lançada em novembro de 2021 e é faixa do álbum Versions of Me, que chegou à plataforma de streaming em fevereiro do ano seguinte.

Na ocasião da conquista, Anitta revelou nos stories do Instagram que a faixa quase não saiu do papel, porque a Warner Records não acreditava que a canção alcançaria o patamar de hit de sucesso. || Foto: Reprodução/Youtube

Nos últimos meses, a canção viralizou na rede social TikTok, por conta do passo de dança que a cantora faz em seu clipe e que os usuários tentavam reproduzir. A música, então, acabou se espalhando.

Apesar do feito notável de Anitta como primeira brasileira e latinoamericana a ocupar esse espaço, o caminho trilhado por ela tem sido edificado por outros artistas da região.

A banda mexicana que estrelou a série Rebeldes, lançou em 2020 todo o seu repertório no Spotify, uma das canções ocupou o segundo lugar no Global Viral 50.

Já a colombiana Shakira e a estadunidense de origem porto-riquenha Jennifer Lopez estrelaram o show de intervalo do Super Bowl em 2020, o evento esportivo mais expressivo do mundo. O vídeo da transmissão ao vivo da dupla pelo Youtube foi o 7º mais assistido nas primeiras 24 horas na história da rede.

Enquanto isso, artistas masculinos também representam o ritmo dançante, típico da América Latina. Bad Bunny, de Porto Rico, foi considerado o artista mais transmitido globalmente no Spotify em 2020 e ganhou o Grammy Latino no mesmo ano.

Todo esse movimento de artistas latinoamericanos que conquistaram o topo das paradas fez com que, em 2020, o gênero crescesse 18,6%, segundo o relatório da Recording Industry Association.

Os números mostram que a América Latina é um terreno muito fértil para o lançamento de novas músicas. Isso significa que as produtoras vão investir em produtos do tipo, sabendo que existe uma aderência expressiva do mercado consumidor.

Porém, a imagem que é transmitida pelas produções estadunidenses dos ritmos latinos é sempre associada a festas, danças sensuais e objetificação de corpos femininos, com uma clara interferência de um olhar externo à cultura do sul global.

Tais associações refletem a influência dos países hegemônicos (tal como os Estados Unidos e aqueles da Europa) no processo do imperialismo cultural dentro da América Latina.

O estereótipo estabelecido a partir desse movimento não reflete a diversidade de ritmos e pautas que a América Latina têm produzido no âmbito musical. Assim, acaba por reduzir o repertório de toda a região para reforçar sempre os mesmos padrões de sucesso comum entre as grandes produtoras.

Maicon Dorigatti, mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), apresenta suas perspectivas sobre o tema. Para ele, as canções têm o poder de amplificar as discussões em muitos espaços.

“As práticas musicais populares são uma possibilidade de disseminar uma perspectiva crítica e emancipatória contra a hegemonia colonial”.

Contudo, quanto esses representantes que ocupam as primeiras posições nas plataformas de streaming têm usado a sua visibilidade para carregar a história de nossa região? Ou, então, quão reféns da indústria fonográfica e seus produtores os artistas têm sido?

O estudo de Dorigatti, “A música popular latino-americana: perspectivas contra-hegemônicas e decoloniais”, analisou artistas de países como Porto Rico, Chile e Brasil, para identificar elementos musicais que trouxessem esse aspecto político, de uma reivindicação decolonial. Contudo, os artistas analisados não estão próximos das paradas.

Calle 13 e Newen Afrobeat talvez não sejam conhecidos do público mainstream. Esse primeiro, apesar de vencedor de dezenove Prêmios Grammy Latino e dois Prêmios Grammy, nunca figurou no grande público que absorve lançamentos.

RBD, Shakira, Jennifer Lopez, Bad Bunny e Anitta são os precursores desse movimento de latinoamericanos no topo musical, mas a representatividade musical e política da América Latina não está presente nas paradas junto deles.

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