REPORTAGEM

LAR DOCE LAR OU CATIVEIRO?

Entenda a polêmica que envolve a atuação dos zoológicos no cenário brasileiro.

Revista Torta
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Por Desirèe Assis

Editado por Elisa Romera e Lorrana Marino

O tráfico de animais silvestres e a destruição do habitat são os principais fatores de ameaça às Araras-Canindé || Foto: Reprodução/Pexels

Segundo a lei Nº 1.713, de 1983, é considerado jardim zoológico “qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em semi-liberdade e expostos à visitação pública, para atender a finalidades sócio-culturais e objetivos científicos”.

Porém, fora do papel, a utilização dos zoológicos divide opiniões e pode distorcer seu significado original. Por um lado os zoológicos auxiliam no estudo de diferentes animais e na reprodução de espécies ameaçadas de extinção, por outro mantém condições inapropriadas de habitat, proporcionam doenças crônicas nos animais e são polos de entretenimento.

Essa dualidade leva a questões: Os zoológicos seriam, então, atuantes no cuidado dos animais ou na sua espetacularização? O que os animais ganham e perdem dentro de um zoológico? Há alguma alternativa para eles?

UM PASSADO NO PRESENTE

A reificação — processo de transformar em “coisa” — do animal não é recente. Ao contrário, existem registros históricos que mostram que os animais parecem ter sido colecionados por humanos desde as primeiras civilizações.

Segundo o Projeto dos Grandes Primatas (GAP), movimento internacional cujo objetivo é lutar pela garantia dos direitos básicos à vida desses mamíferos, foi no Egito, há cerca de 5.500 anos, que surgiu o primeiro zoológico conhecido na cidade de Nekhen.

Já no Brasil, de acordo com a revista de divulgação científica do Laboratório de Jornalismo (Labjor), Coletiva, o Museu Emílio Goeldi foi o primeiro zoológico criado, inaugurando uma coleção de animais que representavam a fauna amazônica, o que ocorreu no ano de 1882, em Belém do Pará.

No país, quem regulariza e fiscaliza esses zoológicos é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ainda assim, mesmo com as regras bem definidas há aqueles zoológicos que apresentam problemas.

De acordo com a zootecnista e Diretora de Diversão do Parque Zoológico Municipal de Bauru (SP), Cláudia Cristina da Costa Ladeira, todos os recintos do local são regulados por uma Instrução Normativa (IN) do Ibama.

“A gente não inventa que o recinto do animal tem que ter tal altura ou tal comprimento. Existe uma regulação que deve ser seguida. Então, para cada animal existe um tipo de recinto apropriado”, conta.

Cláudia Cristina da Costa Ladeira foi nomeada para o cargo de Diretora de Divisão do Parque Zoológico de Bauru || Foto: Zoológico de Bauru/Divulgação

QUAL A VERDADEIRA FACE DO ZOOLÓGICO?

O Zoológico Municipal do Rio de Janeiro, em 2016, ficou três meses interditado por má administração e superlotação. Para o Ibama, responsável por suspender a visitação no local, o zoológico da cidade carioca naquele momento não tinha condições de receber o público — mesmo com seu notório passado, tendo sido pioneiro na reprodução de espécies ameaçadas de extinção.

Isso porque, um dos princípios para validação do Ibama é que o parque cumpra seu papel de educação ambiental. Porém, o Zoológico não conseguia sequer isolar animais que estavam feridos ou estressados, além do fato de que foram encontradas telas e grades quebradas no local.

Por conta de situações como essa, pensamentos de que os zoológicos ainda mantém os animais enjaulados, sem condições salubres e adequadas para manutenção da vida, que não suprem as necessidades de cada espécie, continuam recorrentes.

Por outro lado, há pontos positivos e argumentos a favor dos zoológicos. Vários animais que vivem nos locais foram resgatados de situações de risco, de contrabandos, já nascidos em cativeiro ou sem condições de retornar ao habitat natural.

Ainda de acordo com a Diretora de Divisão do Zoológico de Bauru, existem várias vertentes de um zoológico: conservação, pesquisa, educação e lazer contemplativo são alguns deles.

“Não se justifica ter animais em exposição só para os visitantes de final de semana. Isso não quer dizer que não temos alguns animais mais atrativos que outros. Eles estão atrelados a um manejo correto, inclusive para fins de pesquisa”.

Segundo a organização World Animal Protection, estima-se que até 550 mil animais silvestres sejam mantidos em cativeiro para serem explorados pela indústria de turismo. Ao mesmo tempo em que essa indústria mobiliza bilhões de dólares todos os anos impulsionando a criação em cativeiro para fins meramente comerciais, a receita gerada com ingressos de visitantes financia também atividades de conservação.

Para mais, existem programas específicos dentro de zoológicos para promover a reprodução e manutenção de espécies ameaçadas de extinção frente à crescente exploração e degradação ambiental causadas pela ação humana.

Também há a função educativa, que ajuda crianças e adultos a criarem consciência ambiental ao entrar em contato com os animais. Com passeios bem conduzidos, os visitantes passam a fazer escolhas sobre um estilo de vida que seja ecologicamente correto e amistoso à natureza.

O zoológico é uma verdadeira sala de aula. Recebemos excursões diariamente aqui. Para os pequenos, é importante saber que uma ave tem bico e para os maiores, é apresentado o Bioma do cerrado, por exemplo”, explica Ladeira.

Segundo o pesquisador do departamento de Sociologia da Universidade de Warwick, Eric Jensen, é comprovado em estudo publicado pela revista Conservation Biology que, depois de uma visita aos locais, 75% das mais de 5 mil pessoas entrevistadas demonstraram indícios positivos de compreensão da biodiversidade.

“Jardins zoológicos e aquários estão numa posição única para contribuir com o aumento da compreensão social sobre a conversação de biodiversidade. De fato, a maioria têm um compromisso institucional e, em alguns casos, legal para com a educação do público”.

EXISTE CERTO E ERRADO?

Uma aposta para o futuro dos zoológicos são os santuários que, em teoria, mantêm o viés ecológico e deixam de lado a exploração. Por mais que os dois existam para abrigar animais, os santuários são locais sem fins lucrativos onde animais são reabilitados após serem vítimas de maus-tratos e exploração em circos ou no tráfico.

Diferente dos zoológicos, os animais não são expostos em jaulas, pelo contrário, são livres. Um dos mais importantes e conhecidos no país é a Associação Santuário de Elefantes Brasil (SEB), localizado no município de Chapada dos Guimarães, Mato Grosso.

Rena, Bambi e Mara, elefantes do SEB. || Foto: Reprodução/Instagram

Na visão do Santuário, reintegrar vai muito além dos cuidados físicos: é preciso entender todo o trauma, como vivem em seus habitats naturais, suas estruturas sociais, dieta apropriada e método de comunicação para que eles possam viver uma vida digna e justa.

“É fundamental entender o significado de seus comportamentos […]. Também precisamos compreender o que enfrentaram durante sua vida em cativeiro, sofrendo dominância humana, punição física, o impacto em longo prazo de uma dieta inapropriada, a falta de convivência social, isolamento e confinamento extremo”.

O Santuário reforça, portanto, que a verdadeira chave para uma vida nova desses animais é o poder de escolha. Ainda é difícil entender quais os próximos passos para os bichos no cenário brasileiro. Por enquanto, pelo menos em teoria, a regra é que se priorize o animal.

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