O melhor modo de ajudar os animais é deixando-os fora do prato

Principais tópicos abordados no vegetarianismo, sua filosofia, contrapontos com a cultura, a questão monetária e dados sobre o meio ambiente e a indústria da carne.

Revista Torta
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12 min readAug 30, 2019

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Por Eduarda Motta

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e Rafael Junker

Foto por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima, que segue o vegetarianismo

Mais que uma dieta

Atualmente, nota-se um aumento significativo no número de vegetarianos no Brasil. Segundo a mais recente pesquisa encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE Inteligência), em abril de 2018, 14% da população brasileira se declara vegetariana.

Esse dado representa um crescimento de 75% em relação ao ano de 2012, o que condiz a 29 milhões de pessoas que adotaram uma dieta sem carne. Entretanto, o vegetarianismo e o veganismo não podem ser tratados simplesmente como um tipo de dieta alimentícia.

Essas escolhas alimentares são as atitudes práticas de uma ideologia que propõe questionamentos e mudanças em hábitos que financiam o esgotamento dos recursos naturais do planeta, bem como a escravidão e a morte de animais.

Foto por Beatriz Reis

A exemplo disso, pode-se citar as fazendas fornecedoras de carne para a marca Friboi, em que, segundo investigação realizada pela Organização Não Governamental (ONG) Repórter Brasil, são flagrados currais superlotados, violência, marcação com ferro quente na face e uso de bastões de choques elétricos no gado.

A preocupação para com o bem estar animal e a repulsa diante da indústria agropecuária são dados pelo conhecimento científico de que os animais são seres sencientes, ou seja, capazes de usufruir de seus sentidos assim como os seres humanos, como assegura o artigo “Dor, senciência e bem-estar em animais“, escrito por Stelio Pacca Loureiro Luna.

Narrativa visual por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima

“Não há diferenças fundamentais entre o homem e os animais nas suas faculdades mentais… os animais, como os homens, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento”, citação de Charles Darwin presente no artigo de Luna.

Por esse motivo, a filosofia do vegetarianismo e veganismo ultrapassa preocupações alimentícias e engloba também questões éticas, pois, quanto mais pessoas consomem produtos oriundos de maus-tratos e criação para o abate, mais poderosas essas indústrias se tornam, tanto no quesito financeiro, quanto no cultural. Dessa forma, a seleção do alimento, a escolha de onde ele é produzido e a negligência perante às indústrias de carne são atos políticos.

Assim, dentro do movimento, é possível distinguir cinco vertentes principais, nas quais nota-se uma escala crescente de consciência ambiental e animal na medida que aumentam as restrições alimentares.

Desse modo, temos:

  • Ovolactovegetarianismo: sendo esta a fase ideal para iniciar a transição alimentar. Pessoas ovolactovegetarianas consomem ovo, leite e derivados de animais, porém não comem carne. São popular e erroneamente chamadas apenas de vegetarianas.
  • Lactovegetarianismo: é composto por pessoas que consomem leite e laticínios, mas não comem carne nem ovos.
  • Ovovegetarianismo: é formado por pessoas que consomem ovos, mas não comem carne, laticínios nem bebem leite.
  • Vegetarianismo estrito: é composto por pessoas que não consomem nenhum alimento de origem animal.
  • Veganismo: é quando as pessoas abolem de suas vidas todos os produtos de origem animal, seja da alimentação, roupas, entretenimento e etc.
Foto por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima

Questão nutricional e monetária

Há indivíduos que se adequam à alimentação vegetariana e vegana não por causa da ética envolvida, mas por quererem seguir um estilo de vida mais saudável, tendo como base a exclusão de alimentos derivados de animais.

Diminuindo, inclusive, o consumo de produtos industrializados e optando por alimentos naturais, como frutas, verduras e legumes.

Além disso, já é comprovado por nutricionistas que reeducações alimentares vegetarianas previnem doenças por causa do seu “baixo conteúdo de gordura saturada, colesterol e proteína animal”.

Como afirma o artigo “As principais dificuldades para vegetarianos se tornarem veganos: um estudo com o consumidor brasileiro”, produzido por Carolina Andrade Queiroz, Debora Fernanda Gonsalves Soliguetti e Sérgio Luiz do Amaral Moretti.

O nutricionista George Guimarães afirma que a dieta vegetariana também previne a Diabetes do Tipo 2, obesidade e cânceres por ser balanceada e rica em vegetais.

Além disso, o pesquisador aponta que o consumo de alimentos derivados de animais, produtos refinados, óleo e gorduras isoladas contribuem, não só para diabetes, câncer e obesidade, mas também, doenças cardiovasculares.

Narrativa visual por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima

Essas informações, ainda que pouco compreendidas, estão sendo disseminadas cada vez mais, tornando possível que os benefícios de uma dieta vegetariana alcance mais pessoas.

Com isso, há uma gama de documentários disponíveis na internet que visam desmistificar que veganos não têm uma boa alimentação e nutrição. Dentre eles, pode-se citar “Cowspiracy”, “Food Choice”, “What The Health”, entre outros.

A democratização desse conhecimento faz com que esse estilo de vida chegue às classes mais pobres da sociedade, que, muitas vezes, não têm acesso as mesmas informações de uma elite letrada e consciente a respeito das questões ambientais.

Junto a esse processo, o consumo de alimentos veganos aumentam, proporcionando mais uma solução: a diminuição dos preços.

Segundo Fábio Chaves, fundador do maior portal vegano da América Latina, o Vista-se, os produtos veganos têm um preço mais elevado por serem produzidos em menores escalas e por terem ingredientes orgânicos em sua formulação.

Acrescenta-se a isso a falta de investimentos, custo com adubação e a certificação orgânica exigida.

Entretanto, é, sim, possível a manutenção de uma dieta vegetariana sem pagar absurdos no mercado. Em meio a tantos produtos industrializados, as pessoas se esquecem de que os alimentos mais essenciais do dia a dia já são veganos, como o arroz, feijão, macarrão, pão, frutas, milho, batata, mandioca, saladas, entre muitos outros.

Com base nesse fato, ainda que a pessoa siga essa dieta e queira consumir requeijões, manteigas e iogurtes de forma vegana de vez em quando e optar por comprá-los, pagará um pouco mais caro nesses produtos, porém, irá economizar em diversos outros industrializados que deixará de consumir.

A chave é fazer escolhas.

Além do mais, as opções vegetarianas presentes nos restaurantes crescem cada vez mais, já estando presentes até nas grandes redes de fast-food como McDonalds, Burguer King e Subway.

Além dessas grandes empresas alimentícias, restaurantes locais em Bauru já acrescentaram essas opções no cardápio, como:

Essas são algumas das opções, além de alguns carrinhos de lanche da Praça da Paz. Existem ainda restaurantes próprios para pessoas vegetarianas, dentre eles:

Em São Paulo capital, também é possível encontrar com facilidade restaurantes vegetarianos, como:

Cultura e elitismo

Mesmo havendo consenso entre os especialistas em afirmar que a dieta vegetariana é melhor, tanto para a saúde, quanto para o meio ambiente, o movimento ainda recebe muitas críticas, principalmente porque nasce de dois privilégios: ter acesso à informação e o poder de escolha do que comer.

Desses privilégios, vem a alegação de que o movimento é elitista e isso é usado para desmerecê-lo. Entretanto, é preciso considerar que, ainda que o movimento tenha mais adesão nas camadas mais altas da sociedade, isso não anula nenhum de seus benefícios para a vida, seja a das pessoas, a dos animais ou a do planeta.

Além disso, o fato da informação ser um privilégio em nossa sociedade se repete em todos os outros movimentos ambientais e sociais, como o LGBTQ+, o negro, o feminista e etc.

A solução, portanto, não é deixá-los de lado por não abranger 100% da população, mas, sim, disseminar as ideias a fim de alcançar cada vez mais pessoas, como tem feito os documentários citados anteriormentes no texto.

Foto por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima

Quanto à questão de seleção dos alimentos, qualquer tipo de dieta (a do ovo, da sopa, dos pontos) pode ser considerada elitista, pois parte do mesmo princípio de poder de escolha.

E, como vimos no subtítulo anterior, a dieta vegetariana pode ser tão cara quanto você quiser que ela seja, dependendo do tipo de comida priorizada, considerando que os alimentos naturais são muito mais baratos que os industrializados.

Aliás, carne é cara.

Com isso, a cultura que foi construída ao longo dos séculos, e que ainda é presente no nosso cotidiano, mostra o oposto do que os críticos ao vegetarianismo afirmam: comer carne é um privilégio.

Conforme os países se desenvolvem e a população enriquece, o consumo de carne aumenta, pois a adesão desse alimento representa status na sociedade, afinal, as ceias fartas e o sacrifício de animais são usados desde a época de Cristo para retratar comemoração e fartura.

Porém, o principal ponto que faz as pessoas criticarem o veganismo é o comodismo, pois são justamente pessoas com acesso à internet — e, consequentemente, à informação — que fazem textos nas redes sociais desmerecendo a causa.

Dessa forma, não é elitismo propor mudanças a quem pode fazê-las, mesmo que essas pessoas, mergulhadas em seus privilégios, não se interessem. O pior é ver indivíduos que não vivem na subsistência utilizar da impossibilidade de outras pessoas para não cumprir com suas próprias responsabilidades com o meio ambiente. Isso não é se pôr no lugar do outro, é hipocrisia.

Impactos no meio ambiente

Foto por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima

No quesito de impactos ambientais, segundo dados de 2011, extraídos da “U.S. Department of State”, o consumo de carne contribui diretamente com a poluição do planeta e o esgotamento dos recursos naturais.

De acordo com o departamento, em razão do uso intensivo de água na cadeia de produção de carnes, um consumidor típico “demanda indiretamente mais de 3.800 litros de água a cada dia”.

As granjas industriais não ficam atrás em relação aos danos, pois, além da água necessária para a sobrevivência das espécies antes do abate, as empresas são responsáveis pela grande poluição em corpos d’água devido ao despejo dos dejetos de bilhões de animais.

“Dejetos de granjas industriais, em geral, contêm, entre outros contaminantes, resíduos de antibióticos que estão contidos na alimentação de engorda dos animais. Estes resíduos, assim, foram recorrentemente encontrados como contaminantes de água subterrânea, superficial e encanada.” — assegura o site SVB, de acordo com a pesquisa Organização Alimentar e Agrícola Das Nações Unidas, encomendada pela ONU, em 2006.

De acordo com a ONU, o setor da pecuária é o de mais responsabilidade na poluição da água, o que contribui para a “eutrofização de ecossistemas aquáticos, ‘zonas mortas’ em áreas costeiras, degradação de recifes de corais, problemas de saúde humana e de emergência de resistência a antibióticos”, entre outros impactos.

Além do mais, o desperdício e a contaminação da água estão longe de serem os únicos impactos negativos causados pela indústria da carne. O site da SVB se dispôs a coletar dados oriundos de pesquisas internacionais para medir as desvantagens sofridas pelo meio ambiente.

Decorrente dos dados disponibilizados, é possível afirmar que produzir 1 quilograma de carne bovina no Brasil envolve a emissão de 335 Kg de CO2. Junto a isso, estima-se que o setor pecuário emite 14,5% de gases do efeito estufa.

Em relação ao desmatamento, a pecuária é o setor culpabilizado pela maior parte da desarborização na Amazônia Legal, de acordo com o Governo Federal em 2009.

Foto por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima

Isso ocorre porque 70% da terra desmatada da Amazônia é usada como pasto, além do restante ser coberto por plantações cultivadas para produzir ração a fim de engordar o gado.

O que nos leva a outro problema causado pelo consumo de carne, que é o desperdício de alimentos. Isso acontece em razão desta produção intensiva de ração causar grande desperdício e utilizar as terras de modo ineficiente.

Em um contexto hipotético em que o vegetarianismo é predominante, essas terras seriam melhor utilizadas no cultivo de alimentos para os seres humanos.

“Para se ter uma ideia, para cada 1 quilograma de carne bovina que é produzido, são requeridos de 5 a 10 quilogramas de alimentos vegetais — uma taxa de conversão alimentar muito desfavorável, representando um desperdício de área plantada e de alimentos vegetais que poderiam ser melhor utilizados.”, afirma o SVB.

Paralelo a isso, ao consumir insumos vegetais — produzidos em um único tipo de produto agrícola de larga escala -, a inserção de carne na alimentação implica em consumo muito elevado de fertilizantes, agrotóxicos e recursos naturais.

Em suma, a adoção do vegetarianismo tem o potencial de reduzir em até 35% a quantidade de terra e água necessária para sustentar um cidadão comum residente na cidade de São Paulo.

Os animais não sofrem na hora do abate…

Essa é a maior mentira que alguém pode contar a respeito da indústria da carne. O que chamam de “abate humanitário”, defendido por algumas empresas que se justificam por oferecerem “uma vida menos cruel” aos animais, não existe. Isso pelo fato de que nenhum animal deseja morrer.

Imagine ser sequestrado por uma grande indústria logo no seu nascimento e ser mantido em cativeiro até decidirem te matar. Ainda que seja de forma rápida, você não vai considerar isso justo e ainda vai sofrer por ter perdido toda sua vida, certo?

Lembre-se: por melhor que seja a vida desses animais durante a criação — e raramente ela é — nenhum deles merece passar por isso apenas para suprir nossos desejos.

Para ilustrar um pouco de como os animais realmente são tratados e abatidos, trouxemos alguns fatos fornecidos pelo site Mercy for Animal. Dentre eles, observa-se que as galinhas estão entre os animais que mais sofrem no mundo durante a vida, pois cerca de 200 milhões permanecem confinadas na indústria de ovos em espaços insuficientes até para esticarem as asas.

Nessa mesma indústria, quando nasce um macho, o pintinho é descartado automaticamente. Uma das maneiras mais comuns de execução é o ato de botá-los numa esteira que termina num triturador e o sufocamento em sacos de lixo.

Já no processo de abate, os frangos são alimentados até crescerem tão anormalmente que, em poucas semanas, mal aguentam o próprio peso, resultando em pernas quebradas.

Narrativa visual por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima

No Brasil, são abatidos, por ano, quase 7 bilhões de frangos e galinhas para o consumo humano. Para a execução ocorrer rapidamente, maximizando lucro, muitas das indústrias penduram as aves de cabeça para baixo, posteriormente, estas recebem choques elétricos, são mergulhadas em água escaldante e têm suas gargantas cortadas.

O que é pior é que, ainda depois desse procedimento, muitas delas continuam conscientes.

No caso das vacas, que, como todos os mamíferos, produzem naturalmente leite exclusivamente para alimentar os seus filhotes, para que a produção ocorra de forma contínua para a indústria, elas são mantidas permanentemente prenhas, passando por consecutivas gestações.

Uma vez que o seu bezerro nasce, é separado à força e, se for macho, é descartado para a indústria da carne instantaneamente. As fêmeas são mantidas e terão o mesmo destino da mãe. A maioria dos animais explorados para o consumo não chega a viver nem 20% do seu tempo de vida natural.

O The Guardian, um dos mais importantes jornais do mundo, destacou que a indústria da carne é considerada como o maior crime da humanidade por conta de seus números: cerca de 70 milhões de animais terrestres são explorados e abatidos anualmente.

Narrativa visual por Beatriz Reis || Modelo Beatriz Máxima

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