A ótica do ser mulher

Uma entrevista das experiências de vida de duas mulheres, uma cis e outra trans

Revista Torta
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5 min readMay 31, 2019

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Por Arthur Almeida de Oliveira

Editado por Giovana Silvestri

Foto: Reprodução. Dayse Maurício Kono da Silva à esquerda e Valkyria Vonshiroder Pedroso Montes à direita.

Com o intuito de traçar um panorama no que diz respeito às experiências do existir enquanto mulher no contexto vigente — nos âmbitos social, acadêmico e profissional — e delimitar confluências e divergências no existir feminino cis e trans, realizou-se uma entrevista comparativa.

As entrevistadas são duas mulheres e estudantes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) do campus localizado na cidade de Bauru. Dayse Maurício Kono da Silva, 19, mulher cisgênero, é estudante do 1º semestre de Relações Públicas e Valkyria Vonshiroder Pedroso Montes, 21, mulher transgênero, é estudante do 7° semestre de Educação Física.

1. Na sua visão, o que é ser mulher?

Dayse: Ser mulher é se descobrir todos os dias, é saber que você é capaz, sim, mesmo depois de todos falarem “isso não é coisa de mulher”. Ser mulher em uma sociedade machista e patriarcal é sempre ter alguém lhe dizendo o que fazer, viver sob pressão e medo. É uma batalha cotidiana em que é necessário ser forte, pois já sabemos que, para nós, tudo será mais difícil.

Valkyria: Eu acho que não existe uma resposta correta do que é ser mulher. É algo peculiar a cada um.

Ser mulher, para mim, é ser exatamente quem eu sou.

É saber ser tempestade e saber ser brisa. É ser delicada e, ao mesmo tempo, não ser. Ser mulher é ser mulher, não tem como definir.

2. O que constrói a feminilidade?

Dayse: A feminilidade é um código de regras comportamentais que tem como objetivo determinar como nós, mulheres, devemos nos portar em sociedade. Para mim, isso é algo fabricado socialmente e que não define em nada quem deve ou não ser chamada e tratada como mulher.

Valkyria: O que constrói a feminilidade são as ações; não é o trajar, é o falar e o agir. E, não necessariamente, a feminilidade precisa ser algo fofo ou meigo.

3. Dentro do ambiente acadêmico e profissional, de que forma o ser mulher impacta na sua experiência dentro desses espaços?

Dayse: No meu curso, tem muitas mulheres — creio, que mais da metade da sala –, me sinto confortável e feliz em ver tantas de nós no ensino superior, que, há pouco tempo, era visto como um ambiente masculino. Não é fácil estar lá, em muitos ainda causa um estranhamento (principalmente naqueles que não nos querem lá, já que lugar de mulher é em casa); dentro da própria universidade, há casos de assédio e nunca podemos baixar a guarda.

Valkyria: É difícil ser mulher dentro dos espaços acadêmicos e profissionais, ainda mais dentro de um curso de Educação Física, porque é uma área muito machista e misógina, até hoje. A gente tem que estar lutando dia a dia para conquistar o nosso espaço e o respeito de todo mundo.

4. Frente à realidade em que vivemos, você sente a necessidade de existirem coletivos de debate femininos? Por quê?

Dayse: Sim, acho muito necessário ter, principalmente em uma universidade como a nossa, onde a maioria vem de longe pra morar aqui.

Os coletivos servem como uma rede de apoio para mulheres que acabam se sentido sós e para as que sofreram algum tipo de assédio e não sabem como agir.

Outro ponto importante dos coletivos são as informações que passam, tanto para as mulheres quanto para os homens: conscientização, autonomia e empoderamento para nós, e, para eles, mostram o mínimo que devem fazer, que é nos respeitar.

Valkyria: Sim, eu acho extremamente importante a existência destes coletivos, pois, quando a gente expõe a situação entre nós, mulheres, a gente cria um laço e isso nos fortalece ainda mais.

Serve como um porto seguro, um alicerce, um apoio para todas nós frente a uma situação que pode vir a acontecer ou pode estar acontecendo.

5. Você já sofreu algum caso de assédio moral, psicológico ou físico?

Dayse: Apenas moral e psicológico, assim como todas as mulheres sofrem no seu dia a dia, infelizmente. Seja, só de estar na rua, e ouvir buzinas e “fiu fiu” ou, em uma festa, ser humilhada por um homem só por dizer “não”.

Valkyria: Já, principalmente pelo fato de ser uma menina trans. Sempre ‘rola’ um preconceito, um assédio, um certo terror psicológico. Já acabei sofrendo assédio físico também, já me envolvi em brigas. Não é legal.

6. Na UNESP e na cidade de Bauru, você se sente segura?

Dayse: Na UNESP encontrei uma rede de apoio muito grande, me sinto bem e segura lá, mas, em Bauru, não. Já passei por situações de assédio indo à UNESP, no centro da cidade e em festas. Isso acabou me deixando com um certo receio de sair sozinha ou à noite.

Valkyria: Na UNESP, sim, pois eu encontro com muitas pessoas que estão a par da minha luta no dia a dia e que estão na luta junto comigo, meninas que são muito minhas amigas e pessoas que me apoiam. Na cidade de Bauru, não.

É uma cidade que não apresenta boa perspectiva, tanto no trabalho, quanto no social, para as meninas; ainda ocorre muito preconceito, as pessoas ainda são muito machistas e misóginas. A cidade tem essas características.

7. Você acha que há alguma diferença na forma como mulheres transgêneros e cisgêneros são tratadas? E, as pressões sociais a que estão ambas submetidas são similares?

Dayse: Falando do ponto de uma mulher cis, vejo que uma das diferenças é que somos tratadas como mulheres, independentemente de como nos vestimos e agimos.

Mulheres trans são tratadas como homens, a menos que não a identifiquem como trans, ela precisa sempre estar buscando ser vista como mulher.

Todas as mulheres sofrem com o machismo e patriarcado existentes na sociedade. As cis são vistas para a satisfação e a obediência do homem. As trans são mortas apenas por serem quem são. O conservadorismo não aceita mulheres que se voltem contra aquilo que ele prega.

Valkyria: Sim, existem muitas diferenças. Eu acho que todas nós, mulheres, cis ou trans, sofrem com o preconceito e o machismo.

Mas, no caso das meninas trans, isso é ainda pior: existe a transfobia, temos o agravante de sermos tratadas como fetiche e muitos não conseguem entender o porquê a gente “deixou de ser homem” para “virar mulher”.

Assim, as pressões sociais são similares, sim, mas são distintas, também. Nós encontramos a mesma crítica sobre o ser mulher das meninas cis, mas nós temos outros agravantes.

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