CIÊNCIA EXPLICA

POR QUE VOCÊ NÃO ENCONTRA O SEU AMOR NO TINDER?

Teorias filosóficas e sociológicas apresentam possíveis respostas do porquê a maioria das pessoas, mesmo dando match, não está em um relacionamento.

Revista Torta
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Por Emanuele Almeida

Editado por Arthur Almeida e Giovana Silvestri

A Revista Torta publicou, em maio, outra matéria envolvendo teorias e relacionamentos, intitulada “AMOR E ÓDIO DE MÃE”. || Colagem por Bruno Azevedo

As relações interpessoais têm se atualizado de maneira rápida com o avanço das tecnologias. E, dessa forma, vários aplicativos são criados para suprir as necessidades dos indivíduos de se relacionarem amorosamente. O Tinder é um exemplo disso.

Depois do lançamento do aplicativo, em 2012, muitos outros surgiram com a mesma proposta de ser uma rede social que permite conhecer novos parceiros. Mas nenhum outro teve o mesmo impacto.

A própria popularização da expressão “deu match — utilizada para retratar situações de interesse mútuo — tem como origem o vocabulário próprio da plataforma. Apesar das transformações causadas em nossa realidade, muitas pessoas encaram esses aplicativos de maneira negativa. E a Ciência pode explicar o porquê disso acontecer.

O que é o amor?

“Acontece com a distância o mesmo que acontece com o futuro: um todo imenso, e como que envolvido por uma neblina, estende-se diante de nossa alma: nosso coração ali mergulha e se perde”, Os Sofrimentos do Jovem Werther. || Foto: Reprodução/Cristina Dina (retirada de Pexels)

Primeiramente, é necessário pensar-se sobre o conceito de amor romântico enraizado na sociedade. A origem do termo vem do romantismo, movimento literário inaugurado pela obra “Os sofrimentos do Jovem Werther”, do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe.

O livro conta a história de um homem que se apaixona por uma mulher comprometida. Em relatos repletos de sentimentalismo, Werther narra, por meio de cartas endereçada a um amigo, a paixão que sente por Charlotte.

Em determinado momento da trama, o personagem principal é consumido pelo sentimento a tal ponto que não vê outra saída senão a morte. Ao desejar algo que parece inatingível, casar-se com sua amada, Werther opta pelo suicídio. A partir dessa história, é possível pensarmos na visão de amor romântico relacionado aos nossos desejos.

“Janela do cansaço: a condição humana” é um ensaio fotográfico da RT que retrata reflexões a respeito da tecnologia e a saúde mental. || Foto por Erica Frazon

Desejando ou amando?

Assim, podemos fazer um paralelo com a realidade. É necessário desvendar o conceito de desejo dentro do amor e como ele é estimulado dentro da sociedade atual pelos aplicativos e sites de relacionamento online.

Para o filósofo e escritor Jean-Paul Sartre, o desejo, junto com o amor, leva o indivíduo a um impasse: a liberdade individual é negada para o ser se tornar um objeto da pessoa amada.

O autor defende que o ato de querer alguém para ser seu leva a pessoa diretamente a sua própria objetificação, deixando-se aos comandos e desejos do sujeito amado. Logo, não há uma relação positiva entre a objetificação e o amor, porque, diante dessa reificação e subordinação, a liberdade é perdida.

Já para o psicanalista francês Jacques Lacan, o desejo dentro do amor tem uma essência narcisista, em que o indivíduo procura na pessoa amada o seu próprio reflexo e reafirmação.

Diante disso, a relação é levada a um impasse da mesma forma que sugere Sartre: as pessoas deixam-se ser objetificadas pelo sujeito amado. Por outro lado, para Lacan, a objetificação faz parte da relação amorosa que, baseada no narcisismo, intensifica o desejo.

É importante ressaltar que, tanto para Sartre, quanto para Lacan, esse impasse diante do amor e do desejo tem como consequência a falência do amor romântico.

Ao aproximar essas teorias à realidade dos aplicativos de relacionamento, é possível perceber a essência narcisista e objetificador dentro das interfaces online, já que a procura de outros sujeitos com objetivo de um relacionamento demonstra como as pessoas desejam encontrar no outro aquilo que apreciam em si mesmas.

Nesse movimento, os indivíduos buscam parceiros que correspondam a um determinado padrão de aparência e personalidade, além de praticar uma espécie de autopromoção: as fotos e a descrição do sujeito postas nesses espaços são pensadas justamente para ressaltar aquilo que é tido como “suas melhores qualidades” para conseguir o maior número de matches possível.

A opinião pós-moderna

“Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar” || Colagem por Bruno Azevedo | Foto original: Reprodução/Morning Brew (retirada do Unsplash)

A partir dos conceitos de desejo e amor romântico, o filósofo francês Jean-François Lyotard e outros pensadores pós-modernos afirmam que as metanarrativas que a sociedade conhece estão se perdendo.

Em outras palavras, conceitos, até então tidos como totalizantes e finais na sociedade, como as concepções de Ciência, fidelidade e amor estão enfraquecidas. Como explicado no texto “Enfraquecimento das metanarrativas influencia a difusão de fake news” publicado na Torta.

Com a perda da metanarrativa do amor romântico, Lyotard afirma que existe uma perda da sustentação do discurso, ou seja, nós não conseguimos mais manter uma relação apenas baseada na conversa e na troca de experiências.

Sendo assim, é possível compreender o porquê das relações estarem durando tão pouco nos tempos atuais e como os aplicativos auxiliam nessa mudança dentro do contexto da pós-modernidade.

Ainda calcada na pós-modernidade a professora, artista e Drag Queen Rita Von Hunty ressalta que estamos adaptados aos relacionamentos finitos devido à lógica capitalista objetificadora, em que a troca de parceiros faz-se igualmente à troca de produtos.

Para Rita, os aplicativos de relacionamento possuem a mesma interface de um software de compras no qual tendemos a comprar aquilo que é agradável aos olhos.

E, assim, aplicativos como não têm como objetivo final proporcionar o encontro de parceiro, mas, sim, lucrar em cima de assinaturas premium e publicidade.

De acordo com a revista Época, o Tinder, apenas em 2019, teve mais de 5,2 milhões de assinantes entre o Tinder Gold e Tinder Plus (que promovem mais recursos aos usuários).

Segundo Gary Swidler, diretor financeiro da Match Group (empresa responsável pelo Tinder), em entrevista ao The New York Times, 70% da receita do aplicativo é de assinaturas e os outros 30% correspondem à compra de “recursos pontuais” e propagandas.

“(..) é fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar”, afirma Zygmunt Bauman. “|| Colagem por Bruno Azevedo.

O amor líquido

É quase impossível falar dos relacionamentos na pós-modernidade sem citar também o sociólogo e filósofo polonês Zigmunt Bauman. Para ele, as relações humanas estão passando por um ponto de decadência, como se a tecnologia estivesse mudando a forma como nos relacionamos.

Assim, da mesma forma que aplicativos de relacionamento, como Tinder, Badoo e Grindr, conseguem facilitar o contato e a comunicação humana eliminando a sensação de insegurança e o medo da rejeição (sentimentos que podem acontecer em um encontro real), eles também exterminam o que há de “sólido” nas interações humanas.

Para o sociólogo, o termo “amor líquido” significa que, na chamada “modernidade líquida”, as relações humanas estão marcadas pela efemeridade.

O teórico ainda aponta que a nova fluidez do mundo está ligada à sociedade de consumo. Trocando por miúdos, da mesma forma que um celular ou qualquer outro aparelho funcional é trocado por outro melhor, e mais novo, nós, seres humanos, caímos na mesma lógica de troca.

Quantas vezes você “cansou” de algum “contatinho” e foi conversar com outra pessoa que tinha acabado de conhecer, alguém “novo”?

Assim, a teoria de Bauman está dentro Tinder, uma vez que complementa as teorias citadas acima, como a fala de Rita Von Hunty, a respeito da interface de vendas capitalista. Os aplicativos funcionam na lógica de “vender” os seus “desejos”. É tentador desejar um novo “produto”, ou melhor dizendo: relacionamento.

Isso não é afirmar que nunca alguém vai encontrar o seu amor no Tinder. Mas, sim, enfatizar que vários teorias filosóficas e sociológicas explicam o porquê da maioria das pessoas, mesmo dando o match, não estarem em relacionamentos (pelo menos, não na forma como eram compreendidos até agora).

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