REPORTAGEM

PORNOGRAFIA, VIOLÊNCIA E SAÚDE PÚBLICA

Como o consumo de pornô pode prejudicar a saúde e contribuir para a perpetuação da desigualdade de gênero.

Revista Torta
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Por Fernanda Garcia

Editado por Arthur Almeida, Eduarda Motta e João Vitor Custódio

Em 2016, o estado de Utah, nos Estados Unidos, declarou pornografia como “problema de saúde pública”. Pouco tempo depois, outros 5 estados do mesmo país também declararam, oficialmente, a pornografia como sendo prejudicial ao público.

Essas medidas mostram que governos têm mudado a ótica sob a qual enxergam a pornografia. Desde que chegou à internet, ela deixou de ser encarada apenas como uma questão moral e passou a ter seus impactos na saúde física e psicológica estudados, principalmente em crianças e adolescentes.

A pornografia tem mais visitantes que Amazon, Netflix e Twitter juntos. O PornHub, maior site do segmento do mundo, recebe 100 milhões de visitas diárias. No infográfico, temos os dados que o site recebeu, em cada minuto, em 2018 || Reprodução: CanalTech

Antes de adentrarmos nos impactos que o consumo de pornografia pode ter na saúde das pessoas, é necessário deixar explícito que esse é um termo amplo, cuja definição divide opiniões. Para produzir esta reportagem, levamos em conta, principalmente, o seu formato em vídeo, disponível gratuitamente na internet.

Também é importante dizer que pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Europa apontam efeitos negativos e positivos percebidos com o uso do pornô. Como prováveis benefícios, são identificados o aprendizado sobre sexualidade e o fortalecimento das condutas sexuais e dos relacionamentos amorosos.

Entretanto, em uma época na qual a pornografia chega até crianças em idades cada vez menores, substituindo o papel da educação sexual que a família e a escola têm (ou deveriam ter), faz-se mais urgente discutir seus efeitos negativos.

Impactos na saúde

De acordo com o artigo “Atitudes de Jovens frente à Pornografia e suas Consequências” da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), homens e mulheres elencam como impacto negativo o uso excessivo do material com conteúdo sexual e um possível prejuízo à saúde física e mental, destacando a preocupação com o desenvolvimento de um vício e seus efeitos.

Tal impacto negativo nos relacionamentos e na saúde física e mental pode se manifestar pelo abalo na autoestima dos espectadores, devido à restrição dos meios de estímulo e excitação sexual à pornografia.

Isso também pode levar a uma menor disponibilidade para a interação, já que as pessoas passam a cobrar de si um corpo e um desempenho como nos filmes, comparando a performance do parceiro ou parceira com a dos atores e atrizes.

Além disso, outras consequências prejudiciais decorrentes de um vício, como o isolamento social e a dificuldade em cumprir atividades diárias, podem se manifestar em pessoas que são habituadas a consumir pornografia.

Esse consumo também interfere na decisão dos indivíduos em praticar sexo seguro. Um estudo conduzido na Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade de Columbia mostra que homens que assistem a vídeos em que são utilizados preservativos em cenas são mais propensos a fazer sexo seguro com outros homens.

Pesquisas sugerem, ainda, que o consumo geral de pornografia fomenta comportamentos de risco, como agressão sexual, iniciação precoce das atividades sexuais e maior aceitação de sexo casual com múltiplos parceiros.

A questão de gênero e violência sexual

Como é possível observar, os prejuízos do consumo desenfreado e irresponsável da pornografia podem afetar, não apenas os espectadores, mas, também, as pessoas com quem esse indivíduo convive e se relaciona. Principalmente mulheres.

Um estudo realizado na Universidade de Potsdam, na Alemanha, cujas conclusões foram registradas no artigo “Pornografia, desigualdade de gênero e agressão sexual contra mulheres” de Lylla Cysne Frota D’Abreu, investigou a relação entre consumo de pornografia e perpetração de agressão sexual contra mulheres em estudantes universitários do sexo masculino.

Os resultados mostraram que 99,7% dos estudantes entrevistados já tiveram contato com material pornográfico, sendo que 54,3% faziam uso ocasional ou frequente. Os dados sugerem que o maior consumo de pornografia é por pessoas com histórico de violência contra mulheres e, quanto mais violentos são os vídeos, maior é a severidade da agressão sexual cometida por esses consumidores.

Essa relação comprova o papel da pornografia como perpetuadora da desigualdade de gênero, uma vez que a produção pornográfica reproduz a cultura patriarcal, influenciando a compreensão dos papéis de gênero e comportamentos sexuais esperados em um relacionamento, partindo da premissa de subordinação das mulheres, normatizando-as.

Observando as cenas e vídeos mais populares da pornografia gratuita disponível na internet, não há como tirar conclusões diferentes: as produções reafirmam o estereótipo da “urgência biológica insaciável” do homem e a atividade sexual é sempre unilateral — a mulher é usada para satisfazer os desejos do homem, o clímax das cenas é a ejaculação masculina e a gratificação sexual feminina é ignorada.

Esse artigo, ainda, cita estudos que comprovam que o status da desigualdade também aparece em imagens sutis como no uso da autoridade, profissão, vestimenta, idade e posição durante o ato sexual.

A pesquisa que o artigo menciona, “Dominance and inequality in X-rated videocassettes” (‘Dominância e desigualdade em videocassetes pornô’, em tradução livre), mostrou que, na análise de 282 personagens de 45 filmes, os personagens masculinos eram, em 62% dos casos, profissionais ou homens de negócio, enquanto a submissão feminina era figurada em profissões como assistentes, secretárias e donas de casa em 58%.

Além disso, uma das características mais polêmicas e danosas da pornografia é que ela incentiva a pedofilia. Nas produções pornográficas, a figura feminina aparece, muitas vezes, infantilizada, trajando uniformes escolares, meias, laços e presilhas, voz pueril e ausência de pelo pubiano, reafirmando a figura de autoridade e poder do homem sobre “adolescentes” ingênuas e frágeis.

Como se não bastasse, a cultura do estupro é reafirmada pelo que a indústria pornográfica chama de “resistência simbólica”, que se refere ao ato de a mulher dizer “não” para o parceiro que busca fazer sexo, mas comportar-se como “sim”.

A resistência simbólica reforça o mito de que a inicial resistência feminina aos avanços masculinos se tornará, ao fim, uma expressão de gozo, reafirmando a crença irreal de que a mulher terá prazer ao ser sexualmente agredida.

Desta forma, é coerente afirmar que a pornografia tem impacto sobre taxas de agressão sexual, seja pela perpetuação da cultura patriarcal que coloca as mulheres em status de submissão, incentivando a violência de gênero, seja pela banalização da violência no contexto das relações sexuais.

Como lidar com o problema?

Especialistas defendem que o melhor remédio para combater os impactos negativos que o consumo de pornografia tem sobre a saúde e a vida das pessoas é a educação sexual.

É necessário que as crianças e adolescentes entendam, desde o primeiro momento que tiverem contato com a pornografia, que existe uma grande diferença entre a performance sexual nos filmes pornôs e o sexo na vida real.

Tanto a escola quanto a família devem tomar parte nesse processo, estabelecendo canais de diálogo com os jovens e fornecendo informação. É necessário conversar com as crianças sobre sexo saudável, consensual, seguro e realista, além de discutir os possíveis benefícios e efeitos nocivos que o consumo de pornografia pode acarretar.

Uma educação sexual efetiva também é a resposta para que jovens consigam identificar casos de abuso e agressão sexual e, mais importante, se conscientizem de suas atitudes, aumentando as chances de não reproduzirem essa violência.

Brasil está atrás de vizinhos em educação sexual, aponta estudo. || Reprodução: Comunicare

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