REPORTAGEM

QUAL A RELAÇÃO ENTRE OS MEMES E O JORNALISMO?

As potencialidades do meme na indústria jornalística e os seus impactos na vida pública.

Revista Torta
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Por Fernanda Garcia

Editado por Arthur Almeida e Giovana Silvestri

Se por um lado a internet possibilita um jornalismo mais completo, por outro, a instantaneidade absurda e a competição pelo furo faz com que, nem sempre, o material publicado seja apurado da melhor forma, causando a desinformação. || Arte: Késia dos Santos

Leitor, como você ficou sabendo que Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, foi preso em junho do ano passado? No meu caso, foi por meio do Twitter, ou melhor, dos memes que satirizavam o ocorrido e que lotavam a minha timeline na manhã do dia 19.

O hábito de me informar sobre notícias por meio de memes vem se tornado cada vez mais frequente. E não é para menos: confesso que costumo conferir as redes sociais antes de abrir os aplicativos de jornais ao acordar.

Só depois de ficar sabendo dos fatos, isto é, “o quê”, pelos memes compartilhados nas redes, é que busco entender o “como” nos veículos de comunicação.

Para muitas pessoas, como crianças e jovens, que não fazem parte do público mirado pelos grandes jornais, ou mesmo pessoas que não têm acesso à informação, os memes são os grandes responsáveis por trazer discussões e, muito além disso, por ajudar a formar opiniões.

O meme tem se tornado um objeto legitimado, não só pela imprensa (sendo incluído nos materiais que vão sob o nome dos jornais de grande circulação), mas, também, pela própria Academia.

Será que os memes podem trabalhar junto do Jornalismo na produção de debates e no incentivo da criticidade da população?

Tudo é uma cópia, de uma cópia, de uma cópia…

A palavra “meme” foi cunhada pelo biólogo Richard Dawkins em sua obra “The selfish gene, de 1976, referindo-se à ideia de que, como a genética, as bagagens culturais também seriam replicadas e passadas de indivíduo a indivíduo.

Desde 1998, o termo aparece no Oxford English Dictionary, em que é definido como “um elemento de uma cultura que pode considerar-se transmitido por meios não genéticos, em particular através da imitação”.

Você, alguma vez, já se questionou qual a origem de determinada imagem utilizada para construir um meme? Provavelmente, não. E nem deveria, pois, assim como descreveu Dawkins, o meme se constitui justamente pela imitação.

Todo meme é uma cópia de outro meme já existente e que, por sua vez, remonta a um outro cuja origem ninguém sabe.

Além dessa característica, para que algo seja considerado meme, ele precisa viralizar. E o que permite a rápida propagação dessas piadas é, justamente, o ambiente no qual elas estão inseridas: a internet.

A instantaneidade da internet faz com que qualquer conteúdo possa chegar a qualquer pessoa, em qualquer lugar, em questão de minutos ou segundos. Além disso, seu surgimento deu voz ativa e interatividade a qualquer cidadão com um dispositivo com acesso à internet.

Estamos vivendo uma época em que o fazer jornalístico opinativo fugiu das mãos dos grandes grupos empresariais de comunicação.

A apropriação dos memes pela indústria tradicional jornalística

Ao interferir na maneira como as pessoas se comunicam e democratizar a publicação de fatos e opiniões, a internet trouxe a necessidade de reinvenção para a indústria tradicional jornalística.

Como explica Anna Luiza Dias, estudante de Jornalismo e pesquisadora no Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia, Educação e Criatividade (Lecotec), em entrevista à Torta , a internet trouxe muitas possibilidades novas para o jornalismo, principalmente no que tange aos novos formatos de produção. E é aqui que os memes se encaixam.

Para ela, a apropriação dos memes pela indústria tradicional jornalística veio como estratégia de adaptação para se manter estável na era digital:

Temos que levar em consideração que o público está mudando. Se os veículos de comunicação não forem se adaptando às novas gerações e ao que elas consomem, eles vão se tornar obsoletos. Então, essa apropriação vem com o intuito de atrair esse público que não tem o hábito de ler os jornais o tempo todo”.

É o que muitos grandes veículos vêm fazendo. O jornal Zero Hora, por exemplo, publicou uma matéria que usa memes como forma narrativa para contar sobre a crise política instaurada no Brasil em 2017, quando a delação dos proprietários da JBS colocou o ex-presidente Michel Temer na mira de investigações acerca de troca de favores, propina e outras implicações.

Gráfico que mostra a variação de investimentos em mídia tradicional, como jornais e televisão, em comparação ao investimento em mídia digital. || Gráfico: Reprodução/Mundo Conectado

A Folha de São Paulo também tem um blog (#hashtag) específico, editado pela equipe de mídias sociais, que traz novidades do mundo das redes e a influência delas na vida cotidiana.

Essa tendência vem sendo adotada por cada vez mais empresas de comunicação, pois, com a queda do incentivo publicitário e a dependência cada vez maior da verba de assinaturas, conquistar o leitor é fundamental.

Entretanto, nos meios digitais, é particularmente difícil chamar a atenção. Para conseguir o tão almejado engajamento, é preciso entender como os demais conteúdos chamam a atenção dos leitores.

Nesse sentido, os memes servem, na maioria das vezes, como forma de atrair um público mais amplo no consumo dos outros produtos daquele veículo.

Meme que viralizou na internet durante o Governo Temer. Meme: Reprodução/El País

Mas será que é válido fazer memes com qualquer notícia pelo engajamento? Existe um limite para o uso de memes em narrativas jornalísticas? Há temas que não devem ser tratados com um viés cômico?

É muito interessante os veículos trazerem os memes para as narrativas. Isso as torna mais leves e mais fáceis de digerir, atrai um leitor que, de outra forma, não teria o interesse em consumir aquilo. Mas é preciso saber dosar. Se um veículo usar memes para reportar uma tragédia, por exemplo, ele perde a credibilidade. É claro que esse limite não é explícito e bem definido, vai do bom senso e tato do jornalista. É incrível o poder que o meme tem de atrair o interesse por temas tachados de ‘chatos’, como política e economia”, defende a estudante Anna Luiza Dias.

Esse truque já é utilizado há algum tempo por Leandro Marin, estudante de História e criador de conteúdo para os perfis do História no Paint em diferentes redes sociais. Inclusive, ele foi entrevistado pela Torta no ano passado.

Os impactos na vida pública

Muito mais que aumentar o número de seguidores no perfil social dos veículos de comunicação, os memes servem para ampliar a discussão sobre temas como política e economia, garantindo o acesso e o interesse a novos públicos que antes não participavam desses debates.

É possível, portanto, determinar que os memes ultrapassam as barreiras do mero entretenimento digital e penetram na esfera capaz de atuar diretamente na formação da opinião pública.

Além disso, a apropriação dos memes pela indústria jornalística tradicional sintetiza o fluxo multilateral e descentralizado de produção e compartilhamento de conteúdo que acontece na internet.

Afinal, os veículos também não rastreiam,nem referenciam, os criadores dos memes que eles utilizam. Não importa mais a origem de um conteúdo, mas, sim, seus desdobramentos e o quanto ele se espalha nas redes.

O que significa que, muitas vezes, quando um veículo de comunicação tem um conteúdo de grande repercussão, é porque está reproduzindo um conteúdo criado ou inspirado pelo público, tirando o protagonismo da criatividade dos grandes produtores de conteúdo.

É importante ressaltar, também, que nem sempre os memes são capazes de “contar a história toda”. Consumir memes como informação e entretenimento é super válido, mas ler, assistir e ouvir notícias e reportagens que trazem maior aprofundamento e verificação dos fatos ainda é fundamental para uma melhor compreensão dos acontecimentos.

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