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A base crítica do atual presidente fez as exclamações de “genocida” ecoarem para além do Twitter.

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Por Eduarda Motta

Editado por Arthur Almeida e João Vitor Custódio

Pedindo por revolução e pela saída de Bolsonaro, manifestantes foram às ruas em todas as capitais brasileiras inconformados com a má gestão do Presidente da República. || Foto: Eduarda Motta/Revista Torta

A onda de manifestações políticas contrárias ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido), repetiu-se no último dia 03 em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal. A movimentação ficou conhecida como 3J.

Com reconhecimento de veículos internacionais, como The New York Times e The Guardian, os atos foram constituídos por diferentes grupos: filiados a partidos de oposição — como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) -, representantes de sindicatos e aldeias indígenas.

Assim como havia variedade de manifestantes, as pautas expressas nas faixas e cartazes também eram diversas, mas todas tratavam da indignação aos retrocessos propostos pelo atual governo, além do veemente pedido por vacinas contra a COVID-19.

O ápice das críticas relacionadas às vacinas foi quando a empresa Davati Medical Supply cedeu uma entrevista reveladora à Folha de São Paulo. Foi descoberto que o atraso na compra da vacina produzida pela AstraZeneca deu-se porque o diretor do Ministério da Saúde, Roberto Dias, propôs propina de 1 dólar por cada dose de imunizante.

Dias fez as negociações de corrupção e postergou a compra até que o pagamento de propina fosse realizado pela empresa. Enquanto isso, o Brasil atingia o marco de meio milhão de mortes por Coronavírus.

Pauta indígena

Faixa com os dizeres “a luta pela terra é mãe de todas lutas #naopl490” é carregada pelos indígenas da tribo de Avaí (SP) presentes na manifestação contra Bolsonaro em Bauru (SP). || Foto: Eduarda Motta/Revista Torta

Na cidade de Bauru (SP) — onde se localiza a sede da Revista Torta — além das pautas referentes à vacinação e à corrupção do Governo Bolsonaro, havia atenção especial dedicada ao PL 490 de autoria do falecido deputado Homero Pereira (PSD-MT) em 2007, que voltou a ser tramitada em março de 2021.

O projeto defende que a demarcação de terras seja realizada pelo governo, o que viabilizaria o contato com povos indígenas que optam por viver isolados da sociedade. Esse contato ocorreria mesmo contra a vontade dos povos originários caso fosse identificada “utilidade pública” por parte do Estado.

Dessa forma, o PL não especifica quais critérios seriam levados em consideração para justificar a intromissão estatal no modo de vida desses povos que têm, inclusive, seus direitos quanto à cultura e maneira de viver respaldados pela Constituição Federal de 1988.

Outra problemática do tema é o marco temporal, pois serão consideradas terras indígenas aquelas que tiverem comprovação de posse anterior à promulgação da Constituição.

Com acessórios e instrumentos característicos, a tribo de Lorenzo fez uma apresentação típica de sua cultura no início do ato. || Foto: Eduarda Motta/Revista Torta

A Terra Indígena Araribá estava presente na manifestação para reivindicar os direitos de seu povo. O líder Lorenzo de Camilo, em entrevista à RT, compartilhou sua indignação a respeito do PL e da forma como a tribo vem sendo tratada nas manifestações em que participa.

Um dos casos mais marcantes citados por Camilo foi num protesto em Brasília (DF), em que os policiais enfrentaram os manifestantes com bombas de gás lacrimogêneo. O modo como são tratados, na política e nas ruas, traz revolta:

“500 anos depois, ainda querem dizimar o que restou de nós”, afirma o cacique.

Privatizações

Os manifestantes pedem o apoio da sociedade em relação ao PL em votação que visa abrir o serviço postal à iniciativa privada. Caso aprovada, as consequências envolvem pôr em risco a segurança nacional já que, atualmente, os Correios são a única empresa com permissão de transportar cartas no Brasil. || Foto: Eduarda Motta/Revista Torta

Outra pauta recorrente no ato coberto pela Torta foi a respeito das privatizações. Após a aprovação da Medida Provisória (MP) que encaminha a desestatização da Eletrobrás até 2022, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é a próxima na lista.

Há tempos, acontece a discussão a respeito da privatização dos correios no Brasil, mas foi neste ano que o pedido chegou à Câmara dos Deputados, com o PL 591/21, de autoria do Poder Executivo.

O diretor do Sindicato dos Empregados dos Correios de Bauru e Região (SINDECTEB), Conédio Francisco de Souza Júnior, frisa a importância de lutar pelo serviço público de qualidade e não apenas “entregar as estatais ao capital”.

Ponto em comum

Ainda que houvesse diversos grupos manifestantes, todos gritavam em uníssono a saída de Bolsonaro do poder. Com rimas ensaiadas criticando o governo e seus apoiadores, a manifestação bauruense fechou a Avenida Rodrigues Alves e as ruas ao redor do Calçadão da Batista.

Sendo esses os principais pontos de acesso dos trabalhadores ao Centro, os motoristas barrados fizeram reclamações pedindo passagem, mas, ainda assim, não houve reação hostil com os participantes, nem por parte da população, nem por parte da polícia presente no local.

Segurando cartazes, os participantes barraram a passagem de veículos e, ainda que a cidade seja majoritariamente bolsonarista, não houve brigas ou agressões. || Foto: Eduarda Motta/Revista Torta

Ao fim do ato, em reunião na praça Rui Barbosa, os discursos continuaram, enfatizando a má gestão de Bolsonaro. Entretanto o posicionamento dos manifestantes de Bauru não é a favor de um impeachment, pois isso significaria, segundo eles, ficar refém de um parlamento corrupto e esvaziar os movimentos de rua.

A articulação da direita para criar uma terceira via também preocupa a oposição, pois a saída de Bolsonaro nesse momento daria margem para o crescimento de um candidato tido como moderado e, assim, enfraqueceria a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2010), que é o foco da esquerda.

O posicionamento vai ao encontro da análise do professor de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcos Nobre.

Segundo o docente, o petista é visto pelas pesquisas como a melhor possibilidade para derrotar o atual presidente em 2022, mas suas chances de eleição diminuiriam caso a polaridade entre ele e Bolsonaro se dissolvesse e alternativas menos extremistas fossem apresentadas.

“Não podemos ficar reféns do Impeachment. É fora Bolsonaro, povo na rua, eleições gerais e Lula pra presidente novamente”, exclamaram os manifestantes.

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