VERDINHA

UM TABU CONSTRUÍDO HISTORICAMENTE

Conheça os primeiros registros da planta, de sua relação com a escravidão às mentiras estatais para sua proibição.

Revista Torta
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Por Eduarda Motta

Editado por Arthur Almeida, Giovana Silvestri e João Vitor Custódio

Segundo o InfoEscola, a maconha é uma das drogas mais usadas no Brasil, por ser barata e de fácil acesso nos grandes centros urbanos. || Foto por Vinicios Rosa

A popularização da maconha cresce cada vez mais entre os jovens, por isso o debate acerca da descriminalização e legalização é cada vez mais frequente no Congresso Nacional, entre ativistas políticos e no âmbito sociocultural. No entanto, seus usos e história ao redor do mundo são pouco conhecidos e até desconsiderados.

O primeiro registro da planta data de 27.000 a.C., com origem no Afeganistão e na Índia, onde era utilizada em rituais religiosos e como medicamento. Presente na mitologia, a Cannabis era a comida preferida do deus Shiva, portanto, tomar a bebida que continha maconha, conhecida como bhang, era uma forma de se aproximar da divindade.

Além disso, a planta também era conhecida por suas utilidades práticas, como medicamento para curar prisão de ventre, cólicas menstruais, malária, reumatismos e dores gerais. Ademais, os romanos e os gregos a usavam como matéria prima para fabricar tecidos, papéis, cordas, palitos e óleo.

A partir disso, o cultivo da maconha alcançou a Mesopotâmia, em seguida o Oriente Médio, a Ásia, a Europa e a África, tornando-se um dos principais produtos agrícolas da Renascença. Inclusive, o papel de cânhamo (feito com maconha) foi usado por Johannes Gutenberg para sua obra A Bíblia de Gutenberg, a primeira Bíblia impressa.

Porém, com a Inquisição, os católicos condenaram os usos da maconha, alegando que era feito por bruxas. Estas, por sua vez, foram queimadas e a planta marginalizada. Entretanto, sua influência esteve longe de acabar e foi muito além disso, tal como a guerra para aceitá-la ou não na sociedade.

Problemática estadunidense

Com base no documentário da Netflix Baseado em Fatos Raciais e na forte ligação com a música negra, é possível elucidar questões sobre os primeiros defensores do uso da planta, sendo esses os músicos de Jazz nos Estados Unidos da América (EUA).

Esses artistas, que já a usavam para estimular a criatividade, foram os responsáveis por atribuir à Cannabis gírias como “erva”, “bagulho”, “baseado” e “fumo”, que permanecem populares até hoje. Dessa forma, a maconha esteve ligada aos grupos marginalizados desde o seu princípio: a cultura do Jazz e a população negra.

No contexto de Guerra Fria, inclusive, o Departamento de Estado dos Estados Unidos promoveu viagens diplomáticas feitas por artistas e atletas negros, com o intuito de desmentir as acusações de segregação racial e racismo que o país enfrentava.

A estratégia não se sustentou por muito tempo, uma vez que o organizador da proibição da maconha nos Estados Unidos, Harry Anslinger, relacionou o consumo às pessoas negras, fazendo uso do termo “viciados” e disseminando informações negativas que associavam o uso a crimes violentos.

O movimento hippie de contracultura tinha uma filosofia orientada por mestres espirituais, cultuavam a natureza, viviam em comunidade e apreciavam a utilização de drogas como a maconha. || Foto por Vinicios Rosa

Durante a década de 1970, com o fortalecimento do movimento Hippie, a política contra as drogas se tornou ainda mais rígida, com o presidente Richard Nixon declarando o estado de “Guerra às Drogas”.

Com isso, as prisões eram cada vez mais recorrentes, pois se prendia, não apenas traficantes e usuários, mas também opositores ao Governo.

Em 2016, um artigo com John Ehrlichman, o ex-conselheiro de assuntos internos do governo Nixon, foi publicado na revista Harper’s. A matéria alegava que a guerra às drogas era uma mentira estratégica para combater ao mesmo tempo os direitos da população negra e os movimentos antiguerra no Vietnã.

“Sabíamos que não podíamos ilegalizar o ser-se contra a guerra ou negro, mas ao associarmos os hippies com a marijuana e os negros com a heroína, e criminalizando-os duramente em seguida, poderíamos desfazer essas comunidades. Podíamos prender os seus líderes, fazer buscas às suas casas, interromper as suas reuniões e difamá-los todas as noites nos noticiários. Se sabíamos que estávamos a mentir sobre as drogas? Claro que sabíamos”, afirma Ehrlichman

Mesmo com essas conturbadas decisões políticas, atualmente, o uso da maconha é regulamentado em mais de 30 estados nos EUA para o uso medicinal e dez para o uso recreativo, abrangendo mais de 62% da população.

Segundo o grupo financeiro RBC Capital Markets, uma década de vendas legais de maconha pode atingir 47 bilhões de dólares.

O que torna essa realidade injusta é que esse crescimento econômico não alcança a população negra, que foi penalizada por 50 anos de proibição. Isso resulta no fato de que a maior parte dos presidiários nos Estados Unidos são negros e do total de 2.2 milhões de pessoas presas, 1.6 milhões são pela lei de drogas.

A perspectiva brasileira

“Todo preconceito social foi jogado na maconha”, disse Drauzio Varella, em seu canal no Youtube. || Foto por Vinicios Rosa

No Brasil, assim como nos Estado Unidos, segundo o artigo A Legalização da Maconha e os Impactos na Sociedade Brasileira, é necessário destacar que a luta contra a maconha não teve como origem a preocupação para com a saúde pública, visto a falta de credibilidade dos estudos da época, e sim que tenha começado por questões políticas, econômicas e raciais.

Isso porque o surgimento da maconha no Brasil se deu pelos escravizados, que a trouxeram da África durante o século XV. Assim, o uso da planta se disseminou, não apenas entre os negros, mas também entre os povos indígenas, que a cultivavam para uso medicinal e recreativo.

A popularidade da Cannabis se intensificou de tal forma, que, no século XVII, o vice-rei de Portugal mandava sementes para que a planta fosse cultivada em grande escala, para que assim pudesse utilizá-la como produtora de fibra para suas velas e caravelas.

Além disso, no século XIX, algumas farmácias brasileiras vendiam cigarros de maconha com prescrições médicas para fins terapêuticos. Dentre seus usos, estavam o tratamento de bronquite, asma, insônia e para pacientes a procura de efeitos hipnóticos e sedativos.

Já, na década de 1930, foi proclamado oficialmente o combate ao uso da maconha, que teve início na Conferência Internacional do Ópio, em Genebra. Isso, juntamente com o discurso de Dr. Pernambuco sobre os malefícios da droga, tornou as discussões de sua proibição mais fortes no Brasil.

Ainda de acordo com Drauzio Varella, o uso recreativo, como fumo, é o mais maléfico da planta | Foto Vinicios Rosa

As notícias da época divulgavam que a maconha era responsável por matar importantes células cerebrais e reforçaram a ideia da correlação entre o uso da planta e ações criminosas e violentas. Devido a essa repercussão, em 1934, os deputados votaram a favor da proibição tanto do cultivo, como da venda e do uso.

Mesmo com grandes esforços para punir os usuários por meio da prevenção e repressão, a ascensão do rock e dos movimentos Hippies — como aconteceu nos EUA — a maconha se disseminou ainda mais pelo país, chegando a todas as classes sociais.

Em 2006, uma importante lei a respeito das drogas foi estabelecida: a número 11.343, que diferenciou o usuário do traficante. A norma tinha como objetivo oferecer tratamento ao usuário e agravar a situação penal para os traficantes, enfraquecendo, por consequência, a força de Estados paralelos.

Ainda que esse modelo não esteja funcionando no Brasil, visto o crescente consumo e tráfico de drogas, em 2019, uma nova lei a respeito da proibição foi sancionada.

Essa endurece a política nacional antidrogas, além de facilitar internações involuntárias e fortalecer instituições de tratamento geralmente com vínculo religioso e que já foram registradas denúncias de abusos e violações de direitos.

Mesmo sob proibição, o consumo da maconha ainda é muito comum no Brasil, sendo a droga ilícita mais consumida no país. Segundo a Agência Brasil, 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já usaram maconha ao menos uma vez na vida.

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