André Aguiar Protásio

A vida fora do armário da deficiência

Traços Digital
Revista Traços
3 min readSep 1, 2021

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Por Dan Alves

Em 2001, uma viagem de Salvador a Niterói trouxe André Protásio à Universidade Federal Fluminense para estudar cinema. Hoje, ele é produtor cultural no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, especialista em Acessibilidade Cultural pela mesma universidade e performer da “drag defiça e modelo completona” Severa Paraguaçu.

Drag defiça e modelo completona Severa Paraguaçu — Foto: Matheus Rocha

Desde sempre a sua vida é atravessada por diversos contextos. Ser gay e pessoa com deficiência, em um Brasil que não entende sexualidade e deficiência, reflete em questionamentos sobre seu lugar no mundo e o encontro com barreiras sociais. O diagnóstico de sua lesão, ironizado pelo próprio, se chama Monoparesia Superior Direita — mas durante boa parte da sua infância era apenas “problema no braço” por falta de um entendimento social do corpo humano de forma integrada.

Por se tratar de uma lesão no braço adquirida durante o parto, existe uma relativa invisibilidade da deficiência aos olhos da sociedade. É dessa forma que ele acredita que foi empurrado ao “armário da deficiência”, motivo que dificultou o conhecimento sobre ela. Em 2013, no entanto, dois fatores mudam sua perspectiva de si próprio: a especialização em Acessibilidade Cultural e as aulas de pilates.

Nunca André tinha sido tão acolhido como foi nesses espaços que proporcionaram momentos de autoconhecimento de corpo e mente. Andar em uma bicicleta foi a descoberta tardia, após superar uma dificuldade que muitos não entendiam, pois afinal seu problema era no braço. O que tantos outros também não compreendiam era o reforço da fragmentação esquerda e direita de seu corpo, que dificultava o conhecimento corporal. E foram essas dificuldades que impactaram no seu aprendizado no campo das artes: seu desejo era ser ator.

Severa Paraguaçu, interpretada por André — Foto: Matheus Rocha

— Hoje ocupo esse lugar de problematizar tudo, e a arte fica problematizada também — explica André. — Existe uma ideia das artes como inocentes.

Em Salvador, ele frequentava o Âncora do Marujo, bar que valoriza o movimento queer. Durante um período depressivo, era nesse espaço que ele encontrava sua salvação, assistindo, quase toda noite, as performances das artistas. Não demorou muito para entender a arte drag como um canal de expressão. A Severa Paraguaçu foi criada para trabalhar com as questões relacionadas à deficiência de maneira interdisciplinar e interseccional, acionando o canto e o diálogo como expressões.

— A acessibilidade é protagonizada pela pessoa com deficiência — reflete. — Mas ela é um ganho para todo mundo e para o sistema que se compromete com a renovação.

Na voz de Severa, André se sente representado num processo de amplificação de sua voz, que durante muito tempo se calou. Ela tem ocupado espaços acadêmicos, escolas fundamentais e secundaristas debatendo sobre acessibilidade. Seu princípio ético é pensar nas soluções em conjunto com quem a ouve e não entregá-las prontas. Assim, ela idealizou o Antimanual Anticapacitista.

— Há a construção do programa performativo — diz sobre a performance de Severa. — A ideia do Antimanual Anticapacitista é que não existe um produto pronto. Quem demanda o Antimanual vai construir junto esse programa performativo. A Severa trabalha com base no processo dialógico com a conversa desde o primeiro contato.

Severa Paraguaçu, interpretada por André — Foto: Matheus Rocha

O que se percebe com as intervenções de Severa é um tensionamento da lógica sobre a realização de arte. Os padrões pedagógicos gerais da arte não são inclusivos com os diferentes corpos que atuam no mundo; essa limitação cria exclusões e enfatiza a ausência de um processo capaz de repensar as estruturas impostas. O silenciamento de vozes e o apagamento de corpos é consequência direta de um modelo universal compartilhado culturalmente pela sociedade e não deve ser entendido como um problema individual.

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