Foto: Thaís Mallon / Revista Traços

Esculpir a luz

A solidão modelada de Marta Ruffoni

Traços Digital
Revista Traços
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3 min readMar 11, 2019

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Por Marianna França

“A cegueira é uma solidão bem particular”, diz Marta Ruffoni, escultora de cerâmica. Com o olhar sério, postura ereta, a artista completa: “É uma deficiência que te leva à reflexão, à solidão. A interatividade social fica diferente, você se sente mais introspectiva”.

Na década de 1990, Marta trabalhava na Secretaria de Planejamento no GDF, com arquitetura e urbanismo. Nessa época, a arquiteta e mãe de uma criança pequena descobriu a atrofia do nervo óptico, doença nos olhos que mudaria a sua vida completamente.

Foto: Thaís Mallon / Revista Traços

Sem alternativa para a reversão de seu estado de saúde, ela se viu obrigada a adaptar-se à nova situação. ”Eu não podia me abater com a cegueira. Tenho um filho, ele tinha 4 anos quando fiquei cega. E somos só nós dois. Então eu tinha que enfrentar, não tinha para onde fugir”, conta, com voz segura.

Marta se reinventou para encarar a nova realidade. Em 1999, ela começou a frequentar a Escola Especial de Deficientes Visuais em Brasília. Na Escola, existiam várias modalidades de aprendizados para as pessoas que perderam a visão, além de oficinas como a de cerâmica. “E aí eu comecei a frequentar a oficina do barro ministrada pela Ângela Pimentel”, lembra.

Fotos: Thaís Mallon / Revista Traços

A oficina deu nova perspectiva de vida para Marta. Ela começou a mexer com o barro e encantou-se com a maneira que conseguia dar forma à argila apenas com as mãos, sentindo a modelagem do barro com o seu tato: “Eu fui desenvolvendo essa habilidade, comecei a frequentar novos ateliês de cerâmica em Brasília e resumi a minha vida nisso”, conta. O trabalho com a cerâmica ajudou-a a entrar em contato consigo e com os objetos. Foi a forma que ela encontrou de sobreviver com mais felicidade.

Mesmo atualmente, 20 anos após a cegueira, a artista conta que continua a se adaptar à deficiência. “Tudo é sempre muito escuro. É como nascer todo o dia. Me sinto forte, mas é uma batalha diária”, pontua.

Foto: Thaís Mallon / Revista Traços

Marta cria peças diariamente. Com a ajuda do filho e de amigos, expõe as obras na Feira da Torre nos fins de semana. Além disso, faz questão de participar de trabalhos sociais inclusivos, como o Brasília Tátil. O projeto, financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, já teve quatro edições e consiste em realizar oficinas de arte voltadas a crianças. “A gente faz a oficina, mas antes levamos as crianças para um passeio na cidade, pelos monumentos. Isso faz toda a diferença. Porque fazemos as crianças entenderem as obras, como o Congresso, a Ponte. E nas oficinas nós os ajudamos a desenvolver alguma coisa que tenham visto no trajeto do passeio”, explica Marta com um sorriso.

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