Na ponta da língua

Traços Digital
Revista Traços
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3 min readOct 1, 2021

Por: Dan Alves

Incentivado por um amigo, Carlos Fraga aprendeu a pintar sem usar as mãos e se apaixonou pela arte

Carlos Fraga — pintando

Há cerca de 10 anos, Carlos Fraga duvidou da possibilidade de ser artista quando um amigo sugeriu que ele começasse a pintar. Naquele tempo, a arte não era uma possibilidade. A sua experiência profissional sempre foi com comércio, mesmo após o acidente de carro que o deixou tetraplégico, aos 18 anos.

— De cara eu falei: “nunca pintei nem casinha com as mãos, como vou pintar com a boca?” — relembra seu estranhamento com a sugestão. — Eu nunca fui ligado à arte.

Esse pensamento mudou quando conheceu o trabalho da Associação de Pintores com a Boca e os Pés. Formada pelo alemão Erich Stegmann em 1956, ela começou como um pequeno grupo de artistas com deficiência física de oito países europeus. Atualmente, ela está em 75 nações e conta, no Brasil, com 55 artistas associados.

— Eu gostei da ideia de conhecer o projeto — lembra ele. — Meu amigo trouxe o material de pintura dele à minha casa, e eu pintei o pôr do sol. Fiquei muito feliz, nunca tinha imaginado pintar com a boca e ter um resultado como aquele.

Para Stegmann, a palavra “caridade” era abominável. Isso significa que a associação é uma entidade que estimula as potências de seus artistas sem colocá-los numa posição subalterna na sociedade. O objetivo não é fazer caridade, mas possibilitar a independência financeira das pessoas através da arte. Os artistas associados recebem uma bolsa mensal e são estimulados à produção artística, participam de exposições e vendem suas obras.

— A gente conhece pessoas e mostra nossas conquistas — diz, entusiasmado. — A arte faz diferença em nossa vida. Sempre participamos de eventos, paramos esses dois anos por conta da pandemia. Mas estamos sempre divulgando nosso trabalho e a seriedade da associação.

Aos 48 anos, Carlos dedica seu tempo à prática e ao estudo da arte; atualmente é estudante de Artes Visuais. Investe em cursos de artes e já ocupou diferentes espaços como aulas da Faculdade de Belas Artes da UFRJ, na condição de aluno ouvinte.

— A gente tem que estar estudando sempre, praticando sempre — defende.

Além da arte, o esporte também ocupa um papel relevante em sua vida. É campeão brasileiro de futebol em cadeira de rodas e já viajou a outros países para competir. Assim como já teve suas obras circulando por museus ao redor do mundo.

— O esporte, assim como a arte, transforma a vida das pessoas — acredita o artista. — Tem crianças que se sentiam inferiorizadas perante amiguinhos da escola, e quando começaram a praticar o power soccer, têm melhora na autoestima.

É possível conhecer mais de sua vida lendo o livro que publicou em 2017. Entendendo que cada pessoa tem uma história para contar, escreveu “Vinte anos e dois meses depois: muito além de trocar os pés pelas rodas”, para retratar mais detalhadamente sobre sua vida com episódios peculiares e depoimentos de amigos.

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