NO SILÊNCIO MÁGICO DA ALQUIMIA
Conheça artistas e idealizadores do projeto que transforma a vida de pessoas surdas do Distrito Federal
Por Shyrlem Barbosa e Juliana Valentim
Dia 26 de setembro é o Dia Nacional do Surdos. Um dia de luta, de uma luta construída por milhares de pessoas em busca de inclusão. Gente como Karyne, Letícia e Hellen, que fizeram da arte uma grande aliada. E como Suzana, que desenvolveu o Projeto Alquimia, especial para pessoas surdas. É a história de luta delas que contaremos a seguir.
Karyne Gonçalves Mendes sempre foi uma artista. Aos três anos, já pintava e montava quebra-cabeças. Ela nasceu surda. Aos onze, fez cirurgia para implante coclear, mas não se adaptou e precisou retirar o aparelho. Aos trinta, conheceu o Projeto Alquimia — iniciativa voltada para especialização gratuita de pessoas surdas, na arte da ourivesaria, produção de joias e biojoias.
Mas, entre a criança que gostava de pintar e a artista de joias, muita coisa aconteceu. A jovem está no quinto período do curso de Letras na Universidade de Brasília (UnB), sendo Libras a primeira língua, e Português a segunda. Embora as coisas estejam correndo bem atualmente em sua vida universitária, nem sempre foi assim. A estudante já passou por muitas frustações no ambiente acadêmico. Karyne chegou a cursar arquitetura, depois tentou nutrição, e até pedagogia, mas não concluiu pela dificuldade com intérpretes na rede privada.
O Projeto Alquimia chegou em sua vida por meio de um grupo de WhatsApp e chama a atenção pela conexão com o bisavô paterno, que era ourives e tinha uma joalheria em Moçambique. A mãe, Emília, atribui o talento da filha nessa arte à genética. “Ela herdou dele esse dom”, conta.
Karyne já desenvolveu várias peças durante às oficinas e poderá atuar nessa área futuramente, como designer de joias. “Eu me surpreendi bastante ao ver Karyne tão empolgada e envolvida no aprendizado. Isso me alegrou muito, porque ela não se interessava por nada anteriormente. Ao contrário, muitas vezes chorava por não ter alegria na vida”, conta, emocionada, a mãe.
A arte também trouxe inclusão e alegria para a vida de Letícia Rodrigues e Hellen Cristyan, ambas alunas do Alquimia.
Letícia nunca tinha ouvido falar em ourivesaria. Depois que entrou para o projeto, passou a aprender coisas que nunca tinha imaginado. Apesar de achar a ourivesaria difícil, sente que está evoluindo bastante. “O projeto mudou a minha vida para melhor. Para o futuro, eu quero aprender, pra fazer, pra vender e pra ensinar outras pessoas se for possível”, conta.
Já Hellen busca adquirir experiência na área para levar para a vida. Para ela, as oficinas são muito ricas e estão sendo ótimas para o seu crescimento pessoal. “Eu pretendo fazer faculdade em área diferente, mas o curso vai me ajudar bastante”, diz.
SOBRE O PROJETO ALQUIMIA
O Projeto Alquimia é uma iniciativa voltada para especialização gratuita de pessoas surdas, no ramo da ourivesaria, produção de joias e biojoias. Segundo Suzana Rodrigues, designer de joias e idealizadora do Alquimia, a ação é a concretização de um sonho de mais de 20 anos.
Juntamente com Celso Grecov [ourives há 60 anos e professor das oficinas], a artista sonhou com o projeto por muitos anos, mas sempre foi muito difícil a captação de recursos. Agora, conseguiram com o apoio do FAC — Fundo de Apoio à Cultura.
O Projeto disponibilizou 16 vagas para pessoas com idades entre 16 e 35 anos. As aulas começaram no dia 2 de agosto e vão até 2 de dezembro de 2021. Embora as oficinas já estejam em andamento há pouco mais de um mês, as inscrições seguem abertas para quem tiver interesse.
De acordo com Suzana, muitos alunos que se matricularam não compareceram às aulas. “Tem alunos que se inscreveram e não tem o cartão para pegar o transporte gratuito, alunos que estão inscritos e aparecem de vez em quando. Então, nós concluímos que não vamos fechar as matrículas enquanto não completarem os 16 alunos, a gente não quer limitar [o acesso ao curso]. Vamos torcer para que outros alunos tenham acesso à informação e possam se matricular e fazer [as aulas], porque a nossa intenção, para quando os alunos se formarem, é que eles saiam preparados para o mercado de trabalho” explica a designer.
A idealizadora também enaltece o esforço dos alunos, e a aptidão que eles têm para o ofício, “nós estamos encantados e deslumbrados porque, isso é um dado científico, faltando um dos sentidos, os outros tornam-se muito mais aguçados. Então, eles têm um poder de concentração e de habilidade que nos surpreende e nos deixa encantados. Tem sido muito bacana. E os que tem vindo se deslocam de tão longe. Eles não medem esforços porque estão completamente apaixonados pelo que estão fazendo. A gente está muito feliz”, celebra Suzana.
VOCÊ SABIA?
- É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais — Libras — e outros recursos de expressão a ela associados.
- Devem ser garantidas, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e a difusão da Língua Brasileira de Sinais.
- As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
- O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão do ensino da Língua Brasileira de Sinais — Libras nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior.
- São obrigatórios o ensino bilíngue para crianças com deficiência auditiva e a presença de um intérprete de Libras nos órgãos públicos.
* Para se inscrever no Projeto Alquimia acesse: https://alquimiajoias.com/
