Foto: Thaís Mallon / Revista Traços

O alquimista das formas abstratas

A eficiência em movimento do artista plástico Luciano Cenárgigras

Traços Digital
Revista Traços
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4 min readApr 9, 2019

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Por Marianna França

“Sabe como esse desenho acontece?”, Luciano Cenárgigras aponta para a folha A4 de cor rosa, que contrasta com várias linhas pretas de formato impreciso. “Eu preciso de um ônibus ou um carro em movimento. Sento, coloco a caneta na mão e deixo. É o trepidar das rodas no asfalto que faz o desenho enquanto eu seguro a caneta… ”, o artista explica, entusiasmado.

Luciano pode ser considerado um alquimista que gosta de desenhar formas abstratas. Alquimista no sentido de experienciar constantemente maneiras inusitadas de expressar o seu subjetivo por meio do desenho, às vezes colorido, totalmente preto ou com poemas que, embutidos, complementam o significado do abstrato. Mas sempre com nuances intuitivas em cada traço.

“Eu não tenho uma deficiência, eu tenho uma eficiência.”

Foto: Thaís Mallon / Revista Traços

“Espero não estar sendo vulgar e nem egoísta, mas tenho muito tesão no que eu faço. É um prazer imenso pegar uma folha em branco e daqui a 30 minutos fazer algo que só tem naquele papel. Aquilo que estava no imaterial e tomou forma no material”, diz.

O prazer em preencher espaços em branco nasceu junto com Luciano. E se formos contar na ordem cronológica das coisas, ele afirma que não existe uma. “Não tem uma ordem cronológica. Desde quando eu comecei a respirar, eu desenho”, diz, em meio a risos. Acontece que o desenho é algo intrínseco a ele, não existe razão de ser, somente é. Porém, independentemente disso, tudo tem um “começo”, e o do nosso artista foi na infância. Na época, ele desenhava nas próprias pernas, pois não tinha lápis ou papel.

Fotos: Thaís Mallon / Revista Traços

“A minha irmã me dava banho quando eu era pequeno, e ela apagava os desenhos. E detalhe, apagava com sabugo de milho! Minhas pernas ficavam rosadinhas, rosadinhas. E ela falava: ‘se fizer isso amanhã de novo, vai apanhar’. E todos os dias era a mesma coisa”, conta.

Mais tarde, começou a desenhar em papel de pão. Quando aprendeu a escrever, começou a criar outras histórias escritas atrás das obras. “E isso foi por muito tempo. Eu mostrava os meus desenhos para todo mundo. Até a professora chegar para mim e falar: ‘Luciano isso é muito bonito, mas não tem valor comercial’. E a frase que a minha mãe mais falou foi: ‘Meu filho! O que você vai fazer da vida?’” relembra, imitando a voz da mãe e rindo.

Foto: Thaís Mallon / Revista Traços

Mesmo sem o “valor comercial”, Luciano Cenárgigras nunca parou de desenhar, mesmo com todas as dificuldades que enfrentou ao longo dos 46 anos de vida. “Eu estive boa parte da minha vida no hospital. Tive meningite, paralisia, perda de visão, tuberculose, sopro no coração… Independentemente disso, eu faço de tudo. Só não faço o que não quero. Eu não acredito que exista incapacidade”, explica. E complementa dizendo que quando Deus dá um problema, também entrega uma solução. É só você procurar. “A vida é maravilhosa, a gente que complica”, lembra Luciano.

Luciano está terminando o curso de artes visuais, com ênfase em animação, na Faculdade Mauá. Já fez exposição de quadros pelo Ministério da Cultura e tem um projeto mais ambicioso. “São cinco polos da Faculdade Mauá em Brasília, e eu quero fazer exposições simultâneas de desenhos nesses cinco polos”, finaliza, empolgado.

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