Um sopro de vida e de arte para Glauco Cerejo

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Revista Traços
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3 min readOct 18, 2021

Por: Dan Alves

Glauco Cerejo com Pão de Açúcar no fundo

Glauco Cerejo chegou a iniciar uma graduação em Direito, por incentivo da família, mas não concluiu o curso. Por vontade própria, buscou na música um ofício, e em 56 anos de vida, o saxofonista já acumula mais de 30 anos de carreira. Ele sempre entendeu que sua escolha demandava muito estudo e dedicação, mas por conta da deficiência visual em decorrência de uma reticulose pigmentar ainda na infância, encontrou desafios na trajetória.

— As pessoas pensam que fazer música para o cego é mais fácil do que fazer Direito, porque a música parte do universo auditivo, mas isso não é verdade — reflete Glauco. — Nos anos 1980, não existia a tecnologia de hoje. Então, para ler as partituras, eu precisava de uma pessoa que tivesse conhecimento de teoria musical. A sorte é que minha mãe estudou música quando era criança, e ela ditava e eu passava para o braile.

No final daquela década, o músico já estava tocando em bandas de música instrumental e com a Atlântico Blues, com a qual gravou dois discos. Acumulando trabalhos importantes, ao longo dos anos foi se firmando, e em 2003 foi convidado para participar de um projeto do Ney Matogrosso. A parceria resultou numa turnê por Brasil e Europa, um disco e de dois DVDs.

Glauco tocando em close

— Na década de 1990, eu tinha uma banda instrumental de jazz e bossa nova, e nós nos apresentamos em festivais de turismo no exterior — conta o músico. — A gente foi para Tailândia, Chile e Argentina.

A falta de acessibilidade no trabalho foi percebida por ele como uma dificuldade, o que o motivou a focar em carreira solo, 20 anos atrás. Dessa forma, acreditava que teria mais autonomia e controle sobre o processo de trabalho, adaptando-o à sua realidade.

— As pessoas chamam pra gravar, você vai, lê a partitura e na segunda vez que toca já está gravando. É como ler um texto — explica. — O músico cego não tem essa possibilidade. Eu cheguei à conclusão de que precisava comprar meu próprio equipamento. Meu pai começou me ajudando, dirigindo e montando, mas depois a agenda ficou cheia e eu contratei um assistente.

O avanço tecnológico foi um grande aliado do músico, não apenas no campo profissional, mas na sua vida de forma geral. Nos anos 1990, durante a realização de um curso no Benjamin Constant, aprendeu a mexer no Windows e a acessar a internet. Para ele, foi revolucionário.

Glauco descobriu uma comunidade brasileira de músicos cegos que compartilham informações no campo da música e conheceu o software Reaper, editor de música.

Glauco tocando saxofone

— Ele tem total acessibilidade. Isso mudou muito minha vida profissional, foi um divisor de águas — declara o músico. — De repente eu me vi em condições de gravar e editar em casa.

Apesar de todas as adaptações, Glauco compreende que a deficiência visual na sua vida é apenas uma característica. Isso não o define e não o torna um super-herói que enfrentou adversidades para chegar aonde chegou. Afinal, todos estamos enfrentando algum desafio.

— O fato de não enxergar é o menor dos problemas — reflete. — Para uma pessoa que nasce cega, não é um problema. Ela não teve a perda. O problema é o preconceito, o capacitismo e a falta de acessibilidade. Se as ruas fossem acessíveis, nossas limitações não seriam tão grandes.

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