Alexandre Fonseca (Foto: Thaís Mallon / Revista Traços)

Universo prematuro

Alexandre Fonseca e a literatura do surpreendente

Traços Digital
Revista Traços
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5 min readDec 23, 2020

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Por Marianna França
Fotos: Thaís Mallon / Revista Traços

Alexandre Fonseca (38 anos) é uma pessoa normal. Mas talvez o adjetivo “normal” não seja suficiente para explicar a colcha de retalhos da subjetividade intensa dele. Alexandre não é somente normal. Ele é simpático, sensível às histórias alheias e é alguém que está sempre surpreendendo. Essas características excedem o termômetro da normalidade, apontando para um lado mais especial.

Em seu primeiro livro, Em Queda Livre, Alexandre explica, na crônica Uma Visão Prematura do Mundo, porque sempre surpreende. “Acredito que seja coerente que eu tenha vindo ao mundo prematuramente. Sou assim, quando ninguém espera, vou lá e surpreendo. Quando ninguém dava nada por mim, com Deus na retaguarda, eu surpreendi, contrariei todas as previsões e fui forte. Sobrevivi.”

Alexandre Fonseca (Foto: Thaís Mallon / Revista Traços)

Sim, Alexandre sobreviveu. Mesmo com uma vida marcada por dificuldades. Ele tem paralisia cerebral, consequência de um parto prematuro, mas decidiu que venceria barreiras. Enxerga as questões ao seu redor como oportunidades, presente adquirido devido a sua condição de vida. “A deficiência te torna uma pessoa mais limitada. E sendo uma pessoa mais limitada, a possibilidade de observar e ter uma outra visão do que seria a visão normal te coloca em um outro patamar, um lugar mais empático. Essa sensibilidade vem muito da vida que eu tenho, eu não me coloco limitado perante as barreiras”, diz.

Graças a essa forma de enxergar o mundo, a paralisia cerebral tornou-se um detalhe. Entretanto, foi o elemento propulsor que o direcionou à paixão de sua vida: escrever. Alexandre criança era mais parado e tímido, tinha limitações físicas, não conseguia jogar bola, não tinha um bom desempenho em matemática, mas ele lia. E lia muito. Com 14 anos, já havia devorado obras completas como O Tempo e o vento, de Érico Veríssimo. A biblioteca era o seu lugar favorito, ele conta. Por lá, passava horas a fio lendo e buscando novas histórias para estimular o seu imaginário. “Às vezes eu achava que eu não tinha conteúdo para entender as obras, mas aquilo foi me amadurecendo também. Eu fui me aceitando, entendendo quem eu sou e como lidar com tudo à minha volta”, avalia.

Alexandre Fonseca (Foto: Thaís Mallon / Revista Traços)

O interesse pela literatura veio do incentivo da mãe, Ister, professora de português, muito ligada à leitura. Ela e Marcius, pai de Alexandre, sabiam da condição do filho e não estavam preocupados com aquilo que ele não conseguia fazer, mas sim com tudo o que ele poderia concretizar com incentivos amorosos. “Isso me ajudou muito. Os meus pais foram muito inteligentes. Eles queriam saber o que o Alexandre poderia contribuir para o mundo. Sou mais introspectivo e isso é consequência de tudo. Acabei entrando no meu mundo subjetivo. E a escrita veio para mim a partir disso aí”, explica.

Alexandre acredita que o escritor escreve para ele mesmo, com o objetivo de entender a si próprio. Na introdução do primeiro livro, ele adianta: “é um processo de se pensar enquanto ser humano e de se repensar”. O livro, Em Queda Livre, foi lançado por ele aos 30 anos. Segundo o escritor, a obra foi o seu mecanismo para rever a própria história.

Estruturado como cartas, o livro reúne crônicas sobre quem é ele, quem poderia ser e quem já foi, em diferentes perspectivas do eu: a criança, o adulto, o filho, o aprendiz, o otimista, o sonhador e por aí vai. Para ele, uma forma de se passar a limpo em cada uma das páginas. “O livro é muito de mim, já que eu não sei escrever uma coisa que não sou eu, entende? Não é tudo que escrevo que sou eu, mas tem muito de mim, sempre. Esses personagens desse livro estão dando uma satisfação para esse Alê de 30 anos. Foi bem legal ver essa palavra impressa”, orgulha-se.

Alexandre Fonseca (Foto: Thaís Mallon / Revista Traços)

Recentemente, o autor organizou e publicou mais um livro, a antologia Lacunas. A obra dá voz a um coletivo de poetas e escritores com diferentes deficiências, dando visibilidade aos artistas, que por vezes são calados.

Além da ocupação como escritor, Alexandre dedica-se ainda à profissão no Serviço Social, cursa a graduação em Letras e colabora com a esposa, Helena Fonseca, no Crioula Café. Antes da pandemia, também organizava o Sarau Combinado, que era realizado no espaço. A iniciativa foi criada com o objetivo de trazer artistas de outras regiões administrativas para divulgar os trabalhos no Crioula, localizado no Guará. Pelo sarau, já passaram artistas como Rogério Bernardes, Cristiane Sobral, Manu Montenegro, Natália Cristina, Nilva Souza, Ismar Lemes e muitos outros.

Para o próximo ano, Alexandre pretende lançar um novo livro, com poesias inéditas, além de uma segunda edição da antologia Lacunas.

Ilustração: Tiago Palma / Revista Traços

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