IDENTIDADE e PROPÓSITO

Diogo Zimmermann
ReViu
Published in
6 min readDec 19, 2018

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Games de RPGs sempre me impressionaram. Breath of Fire III foi meu primeiro contato com esse mundo; meu primo havia me chamado para ir na casa dele, apresentar o famigerado SNES, e lá, conheci jogos como BoF e Zelda.

Na época, por ser muito novo, pouco entendi. Personagens se movendo na tela, andando livremente, entrando em casas. Eles até mesmo conversavam com outros personagens (em inglês, dando-me mais um motivo pra não entender nada).

Mesmo assim, para minha felicidade, meu primo não desistiu de me introduzir nesse complexo mundo de fantasias. Valeu a pena no final das contas, e com toda a certeza, se eu não conhecesse os RPGs, hoje eu não seria a mesma pessoa.

Costumo antecipar as análises com uma curta história sobre a minha vida, a qual nunca é feita sem motivo. O fato de conhecer algo novo, e que isso ajudou a moldar minha personalidade, está amarrado fortemente com um dos incríveis temas de Legends of Heroes: Trails in the Sky.

Trails in the Sky é um JRPG, do estilo bastante clássico: batalhas relativamente lentas, um enredo bem estruturado, com uma construção do mundo esplêndida, e textos espertamente montados.

Por possuir um volume tão gigante de leitura durante a jogatina, muitas pessoas acabam desistindo, tendo em vista que não existe qualquer tipo de dublagem além das curtas falas após o fim das batalhas.

No entanto, não faça isso.

E vou lhe explicar o por quê.

IDENTIDADE:

Estelle Bright é uma garota ingênua, habilidosa com o bastão — arte ensinada por seu pai, Cassius, por achar que espadas eram perigosas demais — , alegre e esquentadinha.

Joshua Bright, o irmão adotivo de Estelle, que chega à casa em um dia qualquer quando Cassius o leva até lá, a princípio por ele ser um orfão de guerra.

Ambos, ao completarem dezesseis anos, se tornam Bracers, habilidosos guerreiros que solucionam casos para a população. Existe algum monstro incomodando as redondezas? Chame um bracer. Sua filha se perdeu na floresta? Basta chamar um bracer.

Portanto, o dever principal de um bracer é proteger a população de qualquer mal. Um cargo bastante respeitado pela sociedade.

TitS possui alguns temas que se não nos dedicarmos a história que está sendo contada, provavelmente passarão despercebidos. O enredo é dividido em dois jogos, cada qual com suas especificidades que deixam tudo muito mais rico.

Durante o primeiro capítulo (ou jogo), conhecemos o início da jornada dos meio-irmãos que se aventuram por todo o continente resolvendo casos para as cidades em que passam, além de, claro, investigar o sumiço que seu pai deu subitamente.

E é a partir daí que começamos a entender tudo o que o game pretende passar para nós. TitS procura pincelar a todo momento o desenvolvimento de seus personagens, ensinar-nos coisas sobre eles; à medida em que eu pude avançar na história, percebi que aquilo se tratava de uma busca por identidade.

“Há muitas coisas que percebo que não sou, mas dizer exatamente o que sou não consigo. Tento, dia a dia, ganhar o título de ser uma pessoa. E já não é pouco.”

— José Luis Peixoto

O jogo procura explorar isso de uma forma calma e bastante desenvolvida. E se pararmos para jogar analisando estes aspectos, veremos que quase todos os personagens que participam do enredo têm problemas com sua própria identidade.

Joshua é o exemplo-mor de todo o enredo. A fim de evitar spoilers, posso dizer que o rapaz passa um tempo fora da equipe jogável devido ao problema com sua identificação. Não saber o que é, nem o que fazer, é o que deixa Joshua tão desolado, que acaba por machucar muita gente.

Agate, depois que certos problemas acontecem com sua irmã, cai em uma crise de fúria, a qual faz com que ele se torne uma pessoa amarga e de poucos amigos. Ele assume uma identidade que não é sua, destoando de tudo o que ele era.

Kloe é o exemplo prático. Sua busca — na verdade fuga — de sua identidade a leva aos artifícios dos disfarces. O mesmo pode ser dito de Olivier, que se esconde por trás de uma personagem totalmente diferente do que ele realmente é.

Tita, Scherazard, Zane e Estelle são os que mantém o seu próprio foco. A pequenina garota Tita serve como apoio durante o arco de Agate, ajudando-o a se redescobrir. Scherazard é a mentora dos irmãos Bright, que sempre busca ajudá-los com instruções profissionais — e mais tarde, emocionais para Estelle.

Falando da garota esquentadinha, posso dizer com convicção que Estelle serve como a representação de alguém que se conhece, têm seu foco, e jamais desiste, por maiores que sejam as adversidades.

Estelle decidiu se tornar um bracer para ajudar as pessoas, ser útil, pois queria proteger quem ela amava como sua mãe fez. Apenas um tempo depois que ela descobriu que Cassius era um dos bracers mais poderosos da história, o que adicionou ainda mais lenha na fogueirinha do sucesso.

É isso que a permite seguir em frente. Apesar de todos os acontecimentos do enredo — alguns bastante chocantes — Estelle se mantém firme, fixa em sua base, em sua identidade. Através do seu jeito alegre e inocente, a garota passa a sensação de amadurecimento durante todo o enredo. É ela quem, no fim, pega todos pela mão, e os direciona para o caminho rumo ao seu próprio ser.

PROPÓSITO:

No segundo jogo, o principal tema é o Propósito. A Identidade passa a se tornar um pouco secundária, já que as peças começam a se encaixar aos poucos e passamos a conhecer os vilões da história.

Só quando tudo começa a ser explicado que podemos entender o tema.

Cada um dos vilões, ao serem revelados, nos dão a informação de que estão ligados de alguma forma com os diversos protagonistas. No entanto, essa não é a única.

O que não vi ser falado muito é o fato de que cada vilão é basicamente a versão oposta de certos protagonistas; mais precisamente como seriam os nossos heróis se nunca conseguissem suas identidades e tomassem propósitos distorcidos.

Renné, a garotinha assassina e psicopata, na verdade é uma versão “quebrada” de Estelle, como se ela tivesse se deixado levar depois da morte de sua mãe, se destoando por completo de quem ela é de verdade.

Walter é a versão alternativa de Zane se ele nunca tivesse se dedicado aos ensinamentos do seu mestre, e mais uma vez, perdendo sua identidade, e seu propósito de vida.

Todos possuem as suas nuances, e a FALCOM consegue trazer de forma magistral através de uma ótima construção de personagens.

O que Legends of Heroes: Trails in the Sky tenta nos passar é muito mais do que uma história de nunca desistir do que você acredita ou de quem você ama. Ele nos passa um dever de casa.

Nunca viva sua vida sem um propósito. Não seja alguém que só pensa negativo, que nunca conseguirá fazer nada. Seja uma pessoa capaz de trilhar seu próprio caminho, um caminho que seja digno de sua identidade.

Jamais tenha medo do que está à frente. Porque é para o futuro que você deve olhar, abraçar, e então mostrar para si mesmo, que é capaz de cumprir seus objetivos.

Como Estelle fez.

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