Pânico, Ódio e Preconceito: Uma análise sobre Ultimecia em Final Fantasy VIII

Diogo Zimmermann
ReViu
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8 min readMar 19, 2019

AVISO!

O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS DE TODO O ENREDO DE FINAL FANTASY VIII E ASSUME QUE VOCÊ JÁ CONHEÇA OS PERSONAGENS!

Em meu início de carreira no mundo dos RPGs de videogames — por volta dos meus singelos nove anos de idade — comecei a dedicar muito tempo ao meu PS1 que ganhei de dia das crianças, depois de meus pais usarem seu suado dinheirinho para tal.

O mundo era bom, eu jogava coisas que não entendia bulhufas alguma, como o clássico Chrono Trigger, o aclamado Final Fantasy VII, e o ótimo Breath of Fire IV; mas todas essas joias eletrônicas me divertiam com gosto.

Um pouco mais para frente, ainda sem conhecer inglês a ponto de entender as coisas, tive meu primeiro contato com Final Fantasy VIII: um jogo que no primeiro momento pensei que era uma sequência direta do VII, tendo em vista a questão numérica.

No entanto, quando iniciei um “New Game", fiquei surpreso de várias formas. O gráfico era muitas vezes superior ao jogo anterior, os personagens eram diferentes, e até mesmo o sistema de batalhas funcionava de outra forma.

A reação que tive foi de felicidade, pois era aquilo que eu queria, desbravar novos locais, novas ferramentas; e FFVIII possuía tudo.

De alguma forma (a qual eu não entendo até hoje), consegui terminar o jogo. Foram 4CDs de muita luta, invasão de trem em movimento, viagem ao espaço e uma batalha épica dentro de um castelo que parecia ter saído de um filme de terror.

Era maravilhoso como em um único jogo eu pude experimentar diversos ambientes e aventuras diferenciadas. Hoje, posso dizer com extrema exatidão que FFVIII foi o jogo que me viciou de forma gigantesca no mundo dos RPGs.

Esse ano (2019), FFVIII fez 20 anos desde seu lançamento. A Square, produtora do game, sequer fez alguma homenagem a uma de suas melhores obras.

Os fãs da franquia dizem que VIII é um dos FFs mais fracos em termos de história, com uma das vilãs mais sem nexo, e com o pior sistema de batalha/gameplay já visto (o Junction).

Junte tudo isso para ver que novos jogadores da franquia passam pelo VIII despercebido, ou ainda, jogam mas tem uma opinião deturpada pelo seu coleguinha das antigas que esbraveja pelos quatro cantos do mundo que o VII é o melhor de todos.

A ideia por aqui não é dizer qual Final Fantasy é o melhor, muito menos sair por aí dando argumentos sem fim para explicar a história do game — isso quem sabe eu deixo para um outro artigo.

O que eu quero tratar nesse momento é sobre um assunto específico, e um dos motivos de ataque dos haters: Ultimecia, a vilã, a Sorceress (feiticeira), o carrasco da equipe de Squall e seus amigos.

O maior problema de FFVIII, é o fato de que você nunca vai entender sua história por completo sem ter jogado ao menos umas duas vezes. Seu enredo é bastante entrelaçado, com acontecimentos e falas bastante ambíguos e que se conectam perto do fim.

Graças a isso, perdemos muitas vezes coisas como, quem é a Ultimecia? Por que ela queria comprimir o tempo?

E depois de várias jogatinas, e a fim de trazer uma homenagem a esse jogão, venho mostrar que essa vilã não é apenas um pedaço de modelo 3D com algumas falas e 5 formas de batalha final:ela é uma vítima.

Uma vítima de si mesma.

EYES ON MYSELF…

Assim que derrotamos Ultimecia em uma das batalhas finais mais épicas da franquia (e com uma trilha sonora memorável, clique aqui para ouvi-la), vemos que Squall acaba retornando no tempo junto da feiticeira, descobrindo que ela, antes de morrer, passa seus poderes para Edea, a cuidadora do orfanato em que Squall e toda a sua gangue de amigos coincidentemente cresceu.

Dessa forma, entendemos como Edea adquiriu seus poderes de feiticeira, além de compreender que tudo o que aconteceu há de se repetir num ciclo sem fim.

Edea e seu marido Cid vão criar a força militar chamada SeeD mais uma vez para que Squall treine, se torne um combatente, e enfrente uma feiticeira do futuro para que ela não realize a Compressão do Tempo.

E então Ultimecia irá ser derrotada, voltará para o passado, e entregará seus poderes mais uma vez para Edea, que por sua vez vai criar junto de seu marido, a força militar SeeD novamente.

O ciclo se repete, se repete, se repete…

Mas por que ela continua fazendo as mesmas coisas, mesmo sabendo de todo o resultado?

Precisamos voltar mais para o início da situação.

Rinoa, após integrar os poderes de Adel — a feiticeira de Esthar que estava presa na lua — , passa a ser, teoricamente a única feiticeira viva no período de tempo atual. Claro, isso não significa que ela é Ultimecia (e que por falar nisso, esse artigo NÃO ACREDITA NA TEORIA R=U), mas sim que em algum momento, ela vai morrer e terá que passar seus poderes para outra mulher. Esta outra mulher, por sua vez, morrerá também, e passará seus poderes para outra pessoa.

Imagine isso: todos os principais governantes, a equipe de Squall e afins sabem que em algum momento do futuro, uma sucessora dos poderes de Rinoa vai se revoltar e se tornar Ultimecia. Com isso, podemos supor que eles passarão a monitorar os Poderes da Feiticeira, a fim de garantir que uma boa pessoa adquira-os, evitando ao máximo uma ascensão da vilã tão temida.

No entanto, devido à natureza humana, também podemos supor que essas intenções vão ser deturpadas ao passar do tempo. Algum governante provavelmente irá pensar que a feiticeira atual com certeza não é a Ultimecia, e portanto utilizá-la como uma arma de guerra, ou como prisioneira.

“ O medo nunca está no perigo, mas em nós.”

— Stendhal

E como a citação acima, Final Fantasy VIII trata exatamente isso. O medo de que Ultimecia apareça a qualquer momento no mundo para instaurar o caos é tão assustador, que as pessoas entram em pânico.

Ninguém dará o nome de Ultimecia para uma filha. Tal nome seria algo horrível, surreal para qualquer pessoa suportar. Imagine agora a situação que a sucessora de Rinoa terá de enfrentar em sua vida…

Uma vida de isolamento, tristeza, humilhação. Agora imagine a próxima feiticeira, e a próxima… quanto mais longe da linhagem da garota que ajudou a salvar o mundo, mais perto estamos da mulher que deseja transformar o tempo em um único momento. Estamos mais perto do fim.

O medo está em nós, e graças a ele, fazemos coisas terríveis, e uma delas é criar o perigo o qual temos o suposto medo.

Edea, possuída por Ultimecia diz as seguintes palavras em seu discurso em Deling City:

“…Pobres… Malditos sem vergonha. Como vocês celebram a minha ascensão com tanta felicidade. Saúdam a mesma pessoa que vocês condenaram por gerações. Vocês não tem vergonha? O que aconteceu com a feiticeira má e cruel de seus sonhos? A tirana sangue-frio que massacrou incontáveis homens e destruiu muitas nações? Onde ela está agora? Ela está de pé diante de seus próprios olhos, prestes a se tornar sua nova governante.

HAHAHAHAHA!

Uma nova era começou. Isso é realidade. Não há ninguém que pode os ajudar. Sentem-se e aproveitem o show. Não se preocupem, imbecis. Sua hora chegou. Isso é só o começo. Vamos iniciar um novo reinado de terror. Eu deixarei vocês viverem uma fantasia além de sua imaginação.”

Analise bem, te darei um tempo antes de continuar.

Lembro-me que quando li com bastante calma essa fala, um calafrio percorreu minha espinha de uma forma espantosa. Ultimecia não estava falando sobre Adel, ou seja lá quem foram as outras feiticeiras que vieram antes da existência de Squall; ela falava de si mesma.

A mulher que adquiriu em determinado momento os Poderes de Feiticeira após Rinoa deve ter sofrido um ódio maior que qualquer um já recebeu na história de toda a humanidade, afinal talvez ela se torne a Ultimecia, não é mesmo?

E como Standhal cita, o medo está em nós. O medo se tornou ódio e preconceito, e atacou com força as novas gerações de feiticeiras. Talvez em algum momento essas mulheres foram torturadas, abusadas… e em determinado momento, uma delas disse CHEGA.

Com isso, podemos concluir que ninguém nasceu Ultimecia, mas que alguém se tornou a feiticeira mais temida. Desesperada para que tudo isso acabe, essa mulher decide vestir o manto, e realizar, como ela mesmo cita em seu discurso “as fantasias” da sociedade.

Se querem tanto uma Ultimecia, terão uma.

BUT NO ONE TO SEE ME:

Vimos que, após uma série de acontecimentos horríveis, a mulher que herdou os Poderes de Feiticeira quis dar um basta em todo seu sofrimento. Decidiu portanto, utilizar o que ela chama de Compressão do Tempo, uma técnica em que transforma toda a história, o Tempo em si, num único momento.

Com isso, ela seria a única entidade viva no universo (ou na própria existência se preferir), portanto, acabando com qualquer sofrimento futuro, presente, ou passado.

Preciso que você entenda isso, pois gostaria de fazer um pequeno paralelo entre ela e Squall, o protagonista.

Squall durante todo o enredo de Final Fantasy VIII sofre com uma espécie de isolamento emocional. Ele tenta a todo momento ser um cara solitário, distante de todos e com o mínimo de apego emocional possível. No entanto, vemos que a medida em que o enredo evolui, ele começa a se abrir. Vemos ele formando amizades, aprendendo a amar, e ficando feliz com tudo isso.

Ultimecia, por outro lado, decide cortar todas as suas ligações com o mundo. Ela passa a odiar todos da mesma forma que eles a odiavam. E creio que, no fundo, ela mesma passa a ter medo de todos.

Por isso, ela decide pela Compressão do Tempo, para ser a única existência; sem medos, sem ódio, só ela.

A vilã de Final Fantasy VIII é uma espécie de personificação do isolamento emocional de Squall, e quando ele a derrota, é como se ele finalmente resolvesse todas as pendências consigo mesmo.

O que FFVIII nos traz no fim das contas, é como o preconceito, o ódio, podem ser prejudiciais. Precisamos tratar as pessoas bem, da mesma forma que gostaríamos de ser tratados.

O medo consumiu o mundo e foi graças a ele que Ultimecia nasceu. Se todos aprendessem a viver como iguais, a Feiticeira jamais teria se virado contra a humanidade.

Da mesma forma, temos de aceitar as diferenças, sermos compreensíveis, para um mundo melhor e com certeza, sem um tirano maluco que deseja comprimir toda a existência.

E agora, quando alguém falar mal da Ultimecia, recomende a leitura!

Texto desenvolvido por Diogo Zimmermann

Final Fantasy VIII e Ultimecia são propriedades da Square Enix | Todos os direitos reservados

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