O Dilema do Aspect Ratio

Fabio Santana
RGB Inside
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4 min readNov 14, 2019

Aspect ratio, ou proporção de tela, é a taxa entre o eixo horizontal e o eixo vertical. Nas TVs de tubo de resolução SD, o aspect ratio era de 4:3, o que significa que a tela não era quadrada, mas levemente mais larga lateralmente que na altura — para cada 4 cm de largura, são 3 cm de altura.

Videogames antigos usavam muitas resoluções diferentes: 320x240, 256x240, 352x240… (Simplificando aqui a resolução vertical para 240, embora na maioria dos casos os programadores usavam 224 linhas ativas, já que esse era o número médio exibido na prática pela maioria das TVs de tubo da época, e o excedente eram linhas pretas na maioria dos casos, que eram cortadas no overscan, a área não visível além das bordas da TV.) Para as TVs de tubo, essas diferenças de resolução não eram problema, já que a varredura tratava de “encaixar” a imagem nos limites da tela 4:3 de qualquer forma (mais sobre esse processo um pouco adiante). Porém, quando vamos exibir esse conteúdo nas TVs modernas, na conversão do analógico para digital e na adaptação do conteúdo original feito para CRT para se exibir num painel atual de resolução fixa, há um certo dilema. Vejamos o vídeo abaixo:

  • Esquerda: jogo de CPS2 num monitor CRT Sony PVM 4:3.
  • Centro: mesma placa numa TV de LED Full HD via Framemeister com escalonamento priorizando proporção dos pixels 1:1 (pixel perfect).
  • Direita: setup idêntico ao do centro, mas priorizando proporção de tela 4:3.

No mundo analógico, em telas de CRT, o conteúdo tinha resolução vertical definida (as linhas horizontais), mas a resolução horizontal, embora fosse definida na hora de criar/autorar o conteúdo, na tela era apenas um sinal analógico que fazia a varredura do CRT, independente de pixels. Nas telas atuais, a resolução é fixa, definida por pixels uniformes (1920 pontos na horizontal por 1080 pontos na vertical na resolução Full HD, por exemplo).

Isso causa um problema na hora de fazer a conversão de analógico para digital. No exemplo acima, os jogos da placa CPS2 da Capcom tinham a resolução interna de 384 x 224 pixels, que resultariam numa proporção de tela (display aspect ratio) de 12:7 se os pixels fossem uniformes (pixel aspect ratio de 1:1, quadrados perfeitos). 12:7 é bem mais largo que o padrão de tela 4:3, chegando quase ao 16:9 em largura, mas a verdade é que, ao exibir o conteúdo numa tela de CRT, a imagem era “achatada” lateralmente para caber na proporção 4:3 dos tubos da época. Na CPS2, isso significa que os pixels são oblongos numa tela CRT, e a Capcom possivelmente calculou isso para que as imagens tivessem mais detalhes percebidos lateralmente ao serem exibidas nos monitores CRT. Porém, voltando ao mundo digital, as telas atuais, como mencionei, têm resolução fixa, portanto há duas opções na hora de converter a imagem original analógica para o sinal digital a ser exibido numa TV moderna:

1) Priorizar a proporção original dos pixels (pixel aspect ratio) para que os pixels fiquem quadrados, 1:1, pixel perfect (no centro do vídeo acima). No caso dos jogos de CPS2, isso resulta, como disse, numa imagem de proporção 12:7. No Framemeister, eu criei um perfil com escala de múltiplo perfeito (integer scale) x4, preenchendo uma imagem de 1536 x 896 pixels dentro do painel de 1980 x 1080 (ficam bordas pretas em volta). Os pixels ficam quadrados e coincidem com os pixels da tela, mas fica uma imagem esticada se comparada a como ficava nos monitores CRT da época. Os primeiros emuladores exibiam os jogos de CPS2 assim, e os sprites também eram ripados nessa proporção. A vantagem é que fica uma imagem uniforme, o que é importante para garantir um deslocamento suave da imagem lateralmente em telas modernas, sem a oscilação conhecida como shimmering. A desvantagem é que fica uma imagem diferente de como era víamos originalmente na época.

2) Priorizar a proporção original da tela (display aspect ratio) para a imagem fique num formato 4:3 (direita no vídeo). No Framemeister, é possível escalonar livremente a imagem, então criei outro perfil com a resolução vertical em integer scale 4x (896 pixels de altura), mas regulei a largura para manter uma proporção de imagem 4:3 (aproximadamente 1194 pixels de largura). Isso preserva a aparência da imagem como a que era exibida nos monitores CRT, mas, como os pixels do conteúdo original não coincidem com os pixels da tela, causa o shimmering no scroll lateral, porque o escalonamento calcula dinamicamente a resolução adaptada, e no processo alguns pixels são dobrados lateralmente, já que não existe “meio pixel” no mundo digital (por exemplo, se dois pixels do conteúdo original precisam ocupar três pixels da tela após o upscale, não é possível cada pixel original ocupar 1.5 pixel da tela; um terá que ocupar um pixel, enquanto o outro ocupará dois pixels, gerando uma irregularidade).

3) Me recuso a mencionar uma terceira opção para não legitimar a prática de esticar a imagem original para ocupar toda a tela 16:9. :P

Enfim, é apenas um artigo introdutório para ilustrar melhor algumas das implicações que existem ao pegar uma imagem de um console antigo pensada para a tecnologia analógica CRT e adaptá-la para uma tela digital moderna de resolução fixa. Abordamos esse ponto de tempos em tempos em episódios específicos do RGB Inside Podcast, e é possível que façamos um episódio dedicado inteiramente ao assunto no futuro para esmiuçar essa questão.

TL;DR: não se importe com isso. Jogue e seja feliz. Tem maluco já discutindo isso por você.

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Fabio Santana
RGB Inside

Profissional formado no ramo editorial de videogames. Editor. Crítico. Teórico. Ensaísta. Colunista. Não-ista. Dou pilão sem pular.