Entrevista com Bruno Maron

No último dia 9, o quadrinista Bruno Maron esteve na Itiban Comics em Curitiba para lançar a nova coletânea, Dinâmica de Bruto II. A equipe do Cinestésico participou do bate-papo e entrevistou em primeira mão o autor

Heloisa Nichele
rock.rec.br
8 min readFeb 19, 2019

--

Rodrigo Scama no bate-papo com Bruno Maron na Itiban Comics em Curitiba (Foto: Daniel Pereira)

Não existe um lugar mais bizarro de onde saem os quadrinhos de comédia, de tiração de sarro… de ‘galhofa’. Esse tom dos quadrinhos que você encontra no Dinâmica de Bruto por exemplo, um site remanescente do tempo em que nem tudo na internet era Facebook — ou, mais recentemente, Instagram — é de um surrealismo dadaísta e uma boa dose de cara de pau que sustentam a galhofa dos seres que conhecemos como classe média ilustrada brasileira.

Quem melhor para ilustrar este grupo social do que Bruno Maron, mestre da carapuça artística, senhor dos flertes inócuos com a filosofia e, absolutamente, alguém que não se leva a sério. Vindo de terras cariocas, se estabeleceu em São Paulo, de onde mantém as suas operações. A novidade agora é a continuação da sua intrépida série com Dinâmica de Bruto — Volume 2, depois de uma bem sucedida campanha no Catarse. Com a anuência da Mitie Taketani, da Itiban Comics, a mais antiga livraria especializada em quadrinhos da cidade de Curitiba, realizou o evento de lançamento e aproveitamos essa deixa.

O início da entrevista iniciou-se em um bar ao lado da Itiban, por causa da cerveja. Perguntas capciosas e respostas mais capciosas ainda. Conheça Bruno Maron, entrevistado pelo Cinestésico, que teve participação do Rodrigo Scama, doutor em História e pesquisador sobre quadrinhos.

Conta pra nós como se iniciou a sua trajetória no mundo dos quadrinhos.

É uma história estranha. Não lembro como, mas quando eu era moleque, com uns 08 anos, tive acesso a revistas como Chiclete com Banana, Circo, Geraldão, Níquel Náusea, Casseta & Planeta e MAD. Essas revistas eram consideradas leituras para quem tem 18 anos e lá estava eu lendo essas revistas. Lia histórias da Laerte, aquela coisa intensa, foi muito forte ler com aquela idade. Das outras crianças com quem eu convivia ninguém lia aquela merda. Acabou que eu fui uma espécie de ‘repassador’ daquelas revistas. O bizarro foi que bem depois eu tive contato com os quadrinhos de ‘herói’. Fui ler Marvel depois de toda essa imersão.

Estamos falando do início da primeira metade da década de 1990. Porque na segunda metade, que eu considero a Cloaca do Século XX, onde parecia que vinha um tsunami de chorume em todas as áreas, foi uma fase ruim para mim e na minha opinião pro Brasil também. Foi nesta fase que eu entrei na faculdade e quando eu parei de ler quadrinhos, dei uma espécie de adormecida. Só que o quadrinho, eu reparei depois, já estava ‘entranhado’ na minha personalidade, sacô?

Logo depois surge uma parada muito empolgante, que é a internet. Começou o “Trio”, que é o Allan Sieber, o André Dahmer e o Arnaldo. Entrei em jornal, mas como infografista, e o Dahmer estava começando a publicar suas tirinhas bem no Jornal do Brasil. Aí eu vi que estava numa empolgação de ver aqueles três caras fazendo aquela coisa incrível ali, muito foda.

Então resolvi fazer umas coisinhas assim, bem ‘de leve’. Em 2007 teve um lançamento do Dahmer e do Sieber lá na Livraria Travessa. Lançaram duas obras primas: o Preto no Branco do Sieber, que é simplesmente incrível, e O Livro Negro do Humor do Dahmer. Comprei e no dia seguinte mandei um e-mail pro Dahmer dizendo o quanto que eu achava foda. Ele me respondeu “Caralho que foda teu trabalho cara, preciso te conhecer”. Fui na casa do cara tomar vinho, fumar um e trocar desenho.

Em um momento eu simplesmente precisava fazer quadrinhos. E o importante nisso é que eu estava ‘começando’ com 32 anos, eu esperei muito tempo para me sentir seguro. Estou falando isso porque nesse momento eu entendo como deve ser foda pra uma pessoa muito nova o tipo de ansiedade que deve existir para se ‘ter sucesso’. Hoje tem essa coisa de que é ‘muito fácil’, tu põe uma parada nas redes sociais e de repente tem ‘mil likes’ e pronto, se acha uma pessoa super importante. O deslumbramento está muito banalizado.

“Tu põe uma parada nas redes sociais e de repente tem ‘mil likes’ e pronto, se acha uma pessoa super importante. O deslumbramento está muito banalizado”, Bruno Maron (Foto: Daniel Pereira)

O Rio de Janeiro é meio que um feudalismo, em várias áreas mas também na cultura. Tendo vindo de uma classe fora deste meio artístico, você sentiu algum tipo de resistência?

O Rio realmente tem uma aristocracia artística muito forte, tem um compadrio do tipo “minha mãe é galerista, minha mãe é atriz” e é oligárquico — só que uma oligarquia artística. E justamente por meus pais não terem nenhuma parte nesse meio fez com que eu não me sentisse o playbozinho que se aproveitou da parada. Mesmo porque o meio de quadrinhos é deprimente. Politicagem em qualquer meio é uma merda, mas no meio dos quadrinhos é assim, tu não vai ganhar nada. Em outros meios tem aquele lance de “vou puxar o saco das pessoas certas, aí consigo isso aqui, e tal”, mas nos quadrinhos não, tu vai mandar o quê pro cara? Um poster?

Aproveitando essa linha do tempo que você colocou, essa questão do teu estilo, que é uma parada muito única — a deformidade dos personagens — isso foi aperfeiçoando ou simplesmente chegou um dia no traço caótico, que coloca a deformidade dos personagens.

Meu traço eu acho que tem muito das pessoas que me influenciaram nitidamente. Quando eu trabalhei no Globo, conheci um ilustrador, o (Paulo) Cavalcante que me impressionou muito. Também teve o Lula Palomanes, que é muito sinistro, tem o Fábio Zimbres e o Jaca. Esses quatro caras mudaram a minha concepção de desenho.

A maior parte do público do quadrinhos é mais velho, da época da impressão. Como vocês competem com essa questão dos memes agora, que é tão abrangente.

O meme no geral tem uma estrutura que é muito similar à do quadrinho, que é aquilo “um, dois, três”, que é frase, imagem e frase. É muito similar, como se fossem os três quadrinhos da tira. É eficaz, potente e instantâneo. Está rolando uma crise pra dizer a verdade…

Rodrigo Scama: Tem um episódio do South Park que é assim: “ah, mas olha, os Simpsons já fizeram isso, isso também, e também”. É mais ou menos o que está acontecendo agora.

Acho que os quadrinhos vão virar uma parada tipo o vinil. Vai ser vintage, uma parada mais segmentada. Você vê esse negócio do livrinho, de ter a parada física. Eu acho que é uma parada de velho que tem vinil, hoje eu vejo que a juventude não é assim.

Rodrigo Scama: Agora conta pra gente como funciona esses conceitos avançados que existem na suas piadas, com filosofia etc.

Existem muitas formas de ler um trabalho. Uma das formas que eu gosto, que eu acho fantástico, é quando o cara diz: “cara, como eu adoro ler as tuas merdas e não entender literalmente porra nenhuma”. É porque tem gente que gosta disso — é uma forma interessante de gostar do trabalho de alguém. É uma via. Outra via é que você não entende plenamente porque você não está instrumentalizado na gramática do autor, então tem essa apreensão parcial do conceito de filósofo, que é normal. E aí tem outra forma que é aquela ‘nichada’, a compreensão plena do bagulho.

Um dia estava numa feira e uma menina veio e me disse: “Ah você é aquele cara que faz os quadrinhos filosóficos”, como se eu fosse realmente um quadrinho de nicho, como se eu sentasse e dissesse “aqui vou eu fazer mais uma vez um quadrinho com a temática da filosofia”, não é assim. Eu faço porque eu gosto, não é que eu seja o “missionário da filosofia”. Eu estou engatinhando, quem eu conheço que estuda mesmo filosofia sempre me diz que sei lá, com 80 anos você talvez comece a entender um pouco da Filosofia. Então na real eu sou um embusteiro do caralho.

Rodrigo Scama: Uma outra coisa do teu desenho é que pra mim me lembra muito Millor Fernandes. Talvez alguém já tenha te falado isso, mas tem algo ali, no bom sentindo, na “sujeira” do desenho lembra muito Millor.

É, o Millor realmente sempre foi o cara que mais me influenciou na vida.

Rodrigo Scama: Coisa que está bem evidente, né.

Quando eu li o Livro Vermelho eu entendi muito o que o Millor fez, sacou? Porque assim, ele é um filósofo humorista.

Rodrigo Scama: E meio gênio, né?

Meio? (risos). Caralho… muito sinistro. Mas assim, eu entendi o que que ele fez. Ele pegou a filosofia, que por essa estrutura acadêmica, sisuda, sistemática, ela é muito limitada…

Rodrigo Scama: … hermética!

É, hermética. Pra furar esse bloqueio não é fácil, não é qualquer um. Emergem nomes ao longo da história que vão furando esse bloqueio. Ele (Millor) fura o bloqueio da sistematização, ele pega conceitos filosóficos e dá a volta, ele inverte de fato, entendeu?

Eu sempre faço uma comparação dele com Nietzsche. Ele fala que o ressentimento é como se fosse uma falha da biologia humana mesmo, porque a gente tem um aparelho excretor, mas não tem um aparelho excretor mental, né? E o ressentimento vem de uma incapacidade de digerir certos envenenamentos psíquicos que não têm escoamento mental. Aí o Millor vem e fala “o que tá faltando pro ser humano é uma Cloaca Mental”, que é um lugar pra você expelir toda a merda que você pensa, algo que melhoraria muito o ser humano. Talvez o problema seja esse, a nossa capacidade infinita de acumular bosta. É isso.

E pra finalizar, fale para nós desta obra aqui, o Dinâmico de Bruto Volume 2.

Acho foda usar essa palavra “obra”, é muito grande isso, fico meio assustado! Mas assim, é só uma porra duma coletânea, cara! Tem uma diferença mais pelas histórias inéditas, mas é isso.

E esse lance do financiamento coletivo, você acha que é uma sobrevida, ou uma porta que se abriu pro pessoal?

Foi muito legal, do caralho. Fiquei com muito medo de fazer, achei que ia dar merda, mas no fim foi muito bom. Você vai descobrindo coisas, do tipo: caneca é um troço que vende — e eu não imaginava. Estou pensando seriamente em imprimir mais porque a galera compra mesmo…

Bom, vamos encerrar aqui porque tem o cronograma da Itiban a seguir, mas conta uma parada maluca aí!

Cara que saudades do Michel Temer, nunca falei mal (risos), que cara charmoso, garboso. É uma vilania com charme. Estou com saudades dos bons vilões, de quando a Globo mandava no Brasil, e o Roberto Marinho era uma espécie de imperador da porra toda aqui. Era rico, a dramaturgia da ganância do Roberto Marinho, tinha um charme, tinha todo uma parada ali. Hoje essa ganância é o Edir Macedo. É um cenário de terra arrasada, há uma aridez dessa vilania. Eu espero que o Brasil possa voltar a ser soviético. Um único canal que mandava na porra toda, um Brasil romeno!

Entrevista e texto por Ana Gilda Vicenzi e João C. Horst Filho, com participação de Rodrigo Scama e edição por Heloisa Nichele. A publicação colaborativa rock.rec.br é uma iniciativa da Sangue TV. Conheça o nosso expediente e colabore.

--

--

Heloisa Nichele
rock.rec.br

Fotógrafa, jornalista e produtora de conteúdo audiovisual. @helonichele