Mindfulness — Vamos à prática!

Rodrigo Aguiar
Rodrigo Aguiar
Published in
10 min readJun 7, 2017

--

No artigo anterior (link aqui) eu busquei conceituar de forma simples o que vem a ser o tão falado (e atualmente buscado) mindfulness e prometi que discorreria um pouco sobre a sua prática na vida real.

Conforme já expliquei, a atenção plena (ou mindfulness) é algo que pode ser executado praticamente o tempo todo. É uma abordagem, uma filosofia de vida, onde busca-se uma forma de atuação que seja menos visceral, menos reativa, mas igualmente intensa e geradora de maior equilíbrio e saúde.

Obviamente, para que essa seja uma forma de vivenciar cada instante, é preciso praticar e a meditação surge então como um dos exercícios mais importantes para essa abordagem de si mesmo e da vida.

A meditação da atenção plena é algo simples, poderoso como veremos adiante, mas pouco compreendida por mentes tão acostumadas com a agitação e com a necessidade de estar processando múltiplas informações ao mesmo tempo como é o caso dos tempos em que vivemos.

Lembre-se que, como eu disse no artigo anterior, eu estudo técnicas de meditação há vários anos e exponho aqui a abordagem mais simples e efetiva segundo minhas pesquisas e práticas. O que você vai ler aqui é um direcionamento que visa resultados reais, algo muito parecido com a abordagem utilizada nas pesquisas científicas que estudam os efeitos da meditação a partir de uma ótica totalmente despida de crenças, misticismo ou filosofias como um todo. Isso eu deixo para que você busque (ou não) de forma a dar o seu tempero.

Roteiro prático

No começo é importante estar num local relativamente tranquilo, sem sons muito altos que possam distrair sua mente e onde você possa ficar alguns instantes sem ser interrompido.

Sente-se confortavelmente em uma cadeira. Sim, cadeira, porque um sofá é confortável demais e o objetivo aqui é treinar atenção e não o sono. Eu prefiro a posição conhecida como seiza (no chão), mas é apenas um gosto pessoal, ela não interfere em nada no resultado.

Busque colocar a cadeira de frente a uma parede sem adornos numa distância em que a ponta de seus pés fiquem uns 50 centímetros afastados da parede.

Mantenha os olhos suavemente abertos olhando para a base da parede, quase chegando no chão, mas sem estabelecer um foco definido. Se essa postura ocular te favorecer o sono, estabeleça um ponto onde possa fixar a visão, mas sempre de forma suave, sem tensões.

Embora seus olhos estejam direcionados para baixo, tente manter uma postura ereta (com a cabeça, pescoço e costas alinhados) para não prejudicar as articulações (principalmente lombar e cervical).

Se sua condição física permitir, sente-se na cadeira de forma que não encoste suas costas no encosto da cadeira. Essa posição tem a finalidade de manter você num estado de alerta já que ao recostar-se na cadeira o corpo tende a relaxar demais, propiciando o sono.

Essa tem de ser uma postura confortável a ponto de você não querer ficar mudando de posição o tempo todo e também que não precise ficar com a musculatura tensa, forçando para assumir essa ou aquela postura.

Algumas possíveis posições — Nosso texto usa como foco a última opção.

Relaxe o quanto puder a musculatura como um todo sem que a postura seja perdida e pouse as mãos suavemente sobre as coxas. Não faz a menor diferença se as palmas das mãos ficarão voltadas para baixo (junto à coxa) ou para cima. Se esse gatilho mental for útil para sua concentração (ou se for simplesmente confortável) você pode assumir uma posição com as mãos uma sobre a outra em formato de concha bem junto ao seu quadril, mas sempre de forma que elas estejam bem apoiadas.

A partir daí, foque a sua atenção apenas na sua respiração. Mais nada deve chamar a sua atenção além do processo de respiração.

Lembre-se, esse é um exercício de iniciante focado na simplicidade (embora poderoso). Não é necessário mudar o ritmo da respiração, não precisa se esforçar para encher ou esvaziar completamente os pulmões nem nada que você possa ter ouvido falar por aí. Quanto mais preocupações com formalidades você tiver agora, menos efetivo será o exercício.

Busque respirar apenas pelo nariz de forma natural.

Sinta como a musculatura se altera a cada inspiração e expiração. Sinta o ar adentrar as narinas e sinta-o sendo expelido.

Perceba se ele passeia pelas vias aéreas livremente ou se há dificuldade. Tome consciência da sensação da temperatura quando o ar entra e também quando sai.

Perceba cada uma das movimentações que ocorrem no tórax e abdômen. Sinta como cada parte do seu corpo está empenhada nesta simples operação de respirar numa posição tão simples quanto a de estar sobre uma cadeira. A sustentação da musculatura das pernas, quadril, costas e abdômen. Sinta a movimentação que ocorre internamente.

É possível que você perceba que a respiração se torna cada vez mais lenta e profunda, mas de forma natural, sem que você busque por isso.

Veja que eu não usei até agora nenhum termo que denote a verbalização, explicação ou questionamento do que está ocorrendo ao seu corpo durante a respiração. Esse não é um exercício para que você crie uma narrativa mental do que está acontecendo durante o exercício. É apenas para que você sinta, observe e tome consciência de cada uma dessas coisas.

Se você conseguir passar um minuto sem nenhuma interrupção em sua mente para tratar de outra coisa que não seja a observação da respiração já será uma vitória. E uma grande vitória!

Geralmente em poucos segundos nossa mente acostumada a buscar novos estímulos quer saltar para assuntos mais “estimulantes”.

Não se culpe e nem perca a paciência se isso acontecer. Simplesmente observe o pensamento que lhe ocorreu, sem questionar o porquê, sem julgá-lo, sem nem mesmo dar-lhe seguimento. Apenas “olhe” para ele como se estivesse vendo a paisagem movimentar-se ao olhar na janela de um trem em movimento.

Os monges costumam dizer que se o Buda lhe aparecer durante a meditação, mate-o! Ou seja, não se apegue a nenhuma ideia ou pensamento que lhe ocorrer.

Deixe que o pensamento venha observe-o e deixe-o ir. Quando ele se for, volte a observar a respiração. É bem possível que outros pensamentos venham na sequência. Mais uma vez, observe-os e não faça nada com eles, não reaja a eles, não se deixe conduzir por eles. Apenas observe e volte novamente sua atenção para a respiração.

Se você perceber que um pensamento deu origem a outro e mais outro e mais outro, provavelmente você está apenas sendo o que somos praticamente o tempo todo: Sendo conduzidos pelos nossos pensamentos e não os conduzindo. Não se preocupe, isso é normal e provavelmente ocorrerá durante muito tempo ao longo das suas práticas de meditação.

Aos poucos você aprenderá a não saltar de um pensamento para outro e apenas os observará e retornará para a observação da respiração. Refrear a ânsia de saltar de pensamento em pensamento é algo que requer um pouco de persistência.

Note que não estou dizendo aqui que você deve não pensar em nada. Isso não existe. O exercício por si só gera pensamentos, mas são pensamentos que favorecem a observação e percepção de si mesmo, apenas isso. Sem questionamentos, sem julgamentos, sem avaliações, sem narrativas e sem exaltações. Apenas observação e percepção.

É possível que em algum momento você se pergunte quanto tempo será que passou e queira estimar ou mesmo conferir um relógio. Simplesmente observe esse pensamento e volte para a respiração.

Sobre o tempo do exercício, você pode colocar um alarme para despertar, se quiser. Recomendo que no início, não sejam mais do que 5 minutos de prática. Conforme se sentir à vontade com a prática, pode, aos poucos, aumentar esse tempo.

Pode começar com menos que isso? Pode, sem dúvida. Muita gente realmente alega que não consegue ficar assim por 2 ou 3 minutos. Neste caso, para que se sinta mais à vontade com a prática e não desanime por não ficar mais tempo, comece com menos e vá aumentando gradualmente.

Vá até seu limite mas lembre-se que se você ficar apenas no seu limite provavelmente estará realmente com foco na respiração um tempo bem pequeno. No começo, a maior parte do tempo passamos saltando de pensamentos e voltando para a atenção à respiração. Desta forma, é importante a cada prática você buscar alargar esse limite.

Só não vale não tentar ou tentar uma ou duas vezes alguns minutos ou segundos alegando que isso é impossível, que não consegue ou que isso não é para você. A meditação é como qualquer exercício ou alongamento que fazemos com o corpo, mas no caso, estamos trabalhando a mente. Se esses pensamentos ocorrerem, apenas observe-os e volte para a prática.

E assim como ocorre com qualquer exercício, eu posso afirmar que em determinado momento, a prática se torna tão prazerosa que você sentirá durante o exercício que poderia ficar o dia todo nesse estado. É a partir daí que você começará a sentir mais fortemente os efeitos da prática.

E note que esse tipo de sensação não é algo difícil de ocorrer, algo que apenas após anos de prática você sentirá. Algumas pessoas com uma ou duas sessões bem feitas podem sentir-se assim. A maioria leva um pouco mais de tempo, mas depende mesmo da sua capacidade de não se deixar levar pelos saltos de pensamento a pensamento. Essa é a chave.

Você pode estar aí lendo esse texto e se perguntando de que forma respirar com a mente focada nesse ato pode te ajudar a ser uma pessoa melhor ou mais saudável.

Conforme expliquei no artigo anterior, nosso cérebro cria representações da nossa realidade através de conexões neuronais.

Quando você aprende a focar a atenção e observação de uma forma que é tão diferente da que faz todos os dias o resto do tempo, está estabelecendo novas conexões que servirão mais tarde em muitas situações.

Você está ensinando ao seu cérebro que existem abordagens diferentes da simples reação aprendida de ficar pulando de pensamento em pensamento o tempo todo e isso pode te ajudar em inúmeras situações, desde o aprendizado de qualquer coisa até a solução de problemas mais complexos de relacionamento, por exemplo.

Quando observa os pensamentos sem reagir a eles, está ensinando seu cérebro que não é necessário sair desesperadamente dando uma resposta a cada estímulo, seja ele do mundo exterior ou apenas de sua mente. Isso ajuda a diminuir o stress e a ser menos reativo em situações de conflito por exemplo.

Há muitas outras vantagens e eu deixo abaixo um vídeo da IlustradaMente (link aqui) que explica 7 vantagens da meditação de uma forma muito dinâmica e instrutiva.

Você deve ter notado que eu descrevi uma prática bastante simples, ao alcance de todos, mas mesmo assim você pode estar com algumas dúvidas que eu vou tentar responder abaixo:

1 — Pode colocar música?

Se isso te ajudar a manter a concentração, pode sim, mas eu recomendo que você faça algumas vezes com e algumas vezes sem, para perceber em que situação sua mente fica mais focada. Particularmente acredito que a música (dependendo de qual seja ela) pode nos fazer acessar estados mais avançados de concentração, mas pode também nos dispersar e fazer devanear bem facilmente. Lembre-se, o objetivo não é ter nenhuma experiência mística.

Além disso, como eu disse, esse é um exercício mental que deverá servir para situações da vida em que possivelmente você não terá acesso à música naquele momento.

2 — Pode colocar incenso?

A lógica aqui é a mesma da pergunta anterior. De verdade, não é necessário nada além do que foi explicado, mas algumas pessoas usam o incenso como um gatilho mental, o que é válido, mas recomendo que aos poucos a pessoa dependa cada vez menos disso.

3 — Pode comer carne?

Se você tiver uma dieta carnívora, claro que pode, apenas recomendo (para carnívoros ou não) que não busque a prática após uma lauta refeição, pois é bem possível que sinta sono.

4 — Pode fazer em ambientes abertos?

Lembre-se de que eu disse que a prática da atenção plena é algo que serve para o dia a dia em qualquer situação, então o ambiente do exercício da meditação não importa.

Recomendo apenas que no início você busque ambientes que não criem distrações.

5 — É preciso adotar alguma religião ou filosofia?

Isso é escolha exclusiva sua. A prática que eu ensinei aqui não tem ligação com nada além do objetivo de ensinar o cérebro formas de funcionar que são diferentes das que usualmente ele utiliza.

6 — Existem outras formas de meditação?

Sim, inúmeras e você pode estudar sobre elas e verificar a que se adequa melhor às suas necessidades. Eu busquei colocar aqui apenas aquilo que tem de essência na grande maioria das técnicas existentes.

7 — Com que periodicidade devo praticar?

Isso fica a seu critério. Eu recomendo que uma a duas vezes na semana no início já está bom, para que tenha uma prática consistente e para que não se vá com muita sede ao pote para depois desanimar.

Como você viu, não são necessários mais do que alguns minutos, então você poderá chegar ao ponto de praticar todos os dias se quiser.

8 — Qual é o limite de tempo?

Aquele que você estabelecer. A maioria dos estudos efetuados nesse campo considera práticas de até 10 a 15 minutos, mas se você quiser ficar mais tempo, tanto melhor. Só não recomendo esquecer da vida, até os monges tem outros afazeres ;)

Se esse texto fez sentido pra você, se foi útil de alguma forma, curta e compartilhe, pois é a melhor forma de fazer com que chegue em outras pessoas. Ah, e não deixe de comentar e expressar dúvidas ou contribuições!

Abraços.

--

--