O apocalipse zumbi já começou. Monomito nos dias atuais.

Rodrigo Aguiar
Rodrigo Aguiar
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7 min readApr 23, 2017

Você já conhece essa história. Pessoas normais, pessoas comuns, que estão vivendo suas vidas absolutamente comuns, com um dia a dia extremamente comum.

Tão comum e tão ordinário que suas vidas parecem se perder num constante dormir e acordar.

Essas pessoas sentem que há algo errado. Algo que as incomoda, mas elas não sabem dizer o que é.

Até que de repente acontece. Um cataclismo, uma catástrofe, um desafio sobre-humano ou mesmo um acontecimento altamente fortuito que as obriga a sair de dentro de si mesmas e transformarem-se em algo muito maior.

Essa situação as obriga a ser alguém que jamais suspeitariam que seriam e esse novo papel tem importância crucial nas vidas de dezenas, centenas, talvez milhares de pessoas ao seu redor.

Uma situação de sofrimento, adversidade ou desafio faz brotar o melhor delas no sentido de lutar e vencer os desafios e tornarem-se maiores do que eles.

Esse é um roteiros mais conhecidos em toda a história da humanidade. Nós vamos encontra-lo nas narrativas ancestrais das mais antigas religiões e na mitologia de todos os povos que já existiram.

Seu primeiro estudo mais profundo remonta à 1949, quando o antropólogo Joseph Campbell publicou o livro O Herói de Mil Faces.

O tio Campbell em sua identidade secreta

O que Campbell magistralmente percebeu foi justamente que esse padrão de roteiro se repete ao longo da história humana e que era possível correlaciona-lo com os arquétipos (do grego, Arkhe: princípio, origem, causa primal. Typos: imagem, grafia, forma) de Carl Gustav Jung, pai da psicologia analítica.

A esse roteiro Campbell deu o nome de monomito ou Jornada do Herói.

A jornada do Herói

O trabalho de Campbell foi realmente crucial para a evolução da arte nos dias atuais, pois certamente você reconhecerá referências e usos da jornada do herói em livros, filmes, séries e até mesmo músicas de forma muito abundante a partir da segunda metade do século XX até os dias atuais. A maior parte dos grandes sucessos midiáticos de então se utilizam deste modelo arquetípico.

Seja você alguém que estuda a Bíblia, a Grécia antiga ou os povos aborígenes da Austrália ou mesmo que goste de Harry Potter, The walking dead, Matrix ou Star Wars, você estará face a face com a jornada do herói.

Segundo Campbell, esse padrão acompanha a humanidade porque é uma forma de nossa psique (em última instância, nossa mente) representar os desafios pelos quais passa ao longo de sua existência para seu desenvolvimento e amadurecimento.

Ou seja, gostamos de histórias de heróis porque nos identificamos com eles em um nível muito profundo. A jornada do herói aparece então como uma forma de a mente humana realizar sua catarse, sua libertação das inúmeras injunções às quais está exposta para tornar-se efetivamente plena.

Na figura abaixo podemos ver uma estrutura simplificada do que seria essa jornada do herói para que possamos compreender de que forma ela pode se aplicar aos nossos desafios pessoais de todos os dias.

Créditos: Henrique Carvalho

Embora possamos encontrar a utilização do monomito nas produções artísticas da modernidade, sua representatividade é diferente daquela presente nos primórdios da humanidade, pois naquela época, essa mitologia era uma forma de explicar o mundo e a si mesmo. Ou seja, era um processo psicoterápico primitivo que ajudava o ser humano em seus ritos de passagem e no enfrentamento dos desafios a que estava exposto.

Hoje temos um contexto diferente. A vida atual é uma vida baseada na objetividade já que os eventos em geral devem ser explicados por relações causais perceptíveis, o que nos afasta da explicação mítica que é tida como apenas fantasia.

Jung percebia esse afastamento como algo perigoso já que nos priva da possibilidade de trabalhar conteúdos inconscientes, que não fazem parte do mundo objetivo, mas que são fundamentais para o desenvolvimento psíquico.

Talvez seja esse um dos motivos pelos quais vemos a cada dia, muitas pessoas que estão vivendo como que afastadas de si mesmas e como se aguardassem que algo externo acontecesse para que o melhor delas pudesse então aflorar, dando oportunidade para que renasçam em si mesmas, como algo melhor.

Iniciando sua própria jornada do herói

Quando escrevi um outro texto (link aqui) indicando que somos diretamente responsáveis por escolher a vida que queremos levar, algumas pessoas vieram conversar e diziam que gostariam de ter esse poder de escolha, mas que não o faziam porque as circunstâncias nunca eram favoráveis. Dizem que se veem sem oportunidades para isso.

É como se estivessem esperando acontecer o apocalipse zumbi, a queda do tão falado meteoro ou qualquer outra situação extraordinária que poderia dar-lhes a possibilidade de ser outra pessoa vivendo em uma realidade totalmente diferente e que proporcionaria a possibilidade de fazerem escolhas melhores.

Esperam miticamente que a realidade objetiva mude para que elas possam então mudar. Wow

Bem, não há garantias de que a mudança nas circunstâncias venha fazer com que você seja diferente e também não há nenhuma garantia de que tal mudança venha efetivamente a acontecer. Sendo assim, não me parece lógico nem saudável ficar aguardando como se estivéssemos em uma estação de trem.

Vou dar um exemplo que me marcou esses dias.

Meu filho é alguém extremamente sociável do alto de seus quase 3 anos de idade. Ele é tão comunicativo que fez amizades no caminho para a escola e atualmente há pessoas que ficam esperando nas portas de suas casas para falar com ele, seja na ida, seja na volta da escola.

Pois bem, por conta dessa característica, ele fez amizade com uma senhora muito simpática que utiliza cadeira de rodas para se locomover.

Sua história é realmente extraordinária, como toda história de superação de pessoas que possuem limitações quaisquer que sejam.

Ela perdeu os movimentos das pernas por conta de um procedimento anestésico efetuado de forma errada em uma cirurgia.

É comum ouvir das pessoas que, caso isso ocorresse com elas, suas vidas estariam acabadas e que talvez não conseguissem enfrentar a situação.

Particularmente, acredito que de uma forma ou de outra, a maioria das pessoas encontra uma forma de enfrentar tais desafios, mas o que me chamou a atenção é que mesmo com limitações de movimentação, essa senhora não está imobilizada dentro de casa (enquanto muitos estão imobilizados dentro de si mesmos). Foi justamente por estar acessível à porta de sua casa que pôde fazer amizade como meu filho e termos então o privilégio de conhecê-la.

Além de simpática e alegre, ela é criativa e produtiva, pois faz artesanato e pintura além de possuir uma casa muito agradável e bem cuidada. Ou seja, ela escolhe não levar uma vida limitada mesmo possuindo alguma limitação.

Não estou aqui querendo romantizar ou glamourizar a vida da pessoas com deficiências. Sei o quanto isso os incomoda porque muita gente não os trata como pessoas comuns. Meu objetivo aqui é mostrar que mesmo em uma situação em que as condições não parecem favoráveis, temos sim a escolha de como iremos abordar a vida, de como vamos encarar os desafios e abrir caminho para que as oportunidades apareçam, mesmo que a oportunidade em questão seja uma singela amizade com uma criança de quase 3 anos.

Quero apenas que você entenda que a abordagem que escolhemos para a vida pode abrir ou não oportunidades de crescimento, de vitória e de superação.

Quanto mais você esperar que algo externo ocorra ou que surja a oportunidade para que você mude, faça outras escolhas ou extraia de si o seu potencial, mais se sentirá sem saída e provavelmente infeliz.

É fácil entender isso a partir da mitologia por trás da jornada do herói pois ela nos diz que é próprio do ser humano, é uma necessidade, embarcar nas aventuras de desenvolvimento de si mesmo, matando os monstros, superando o mal, fazendo escolhas corretas, protegendo um grupo de pessoas e buscar a vitória final.

O que você precisa entender é que o herói é você, sempre foi você. Os monstros que devem ser mortos nessa jornada são as versões inferiores de você mesmo. Os perigos a que o herói está exposto ao longo da jornada são aqueles que carrega dentro de si, de sua psique. Os ajudantes e mentores que ele encontra pelo caminho são os recursos que guarda internamente. Finalmente, essa jornada, nada mais é do que a posse de si mesmo na direção do amadurecimento e plenitude.

Se de alguma forma você estava esperando que algo como o apocalipse zumbi fosse deflagrado para que você escolhesse ser o protagonista da sua jornada do herói, considere que o mesmo já começou, pois milhares de pessoas andam por aí apenas buscando satisfazer necessidades básicas, distantes de si mesmas como se vagassem à esmo.

Obviamente, você entenderá que seus inimigos nessa jornada estão dentro de si mesmo e que muitas vezes terá de travar as batalhas com sua própria versão zumbi, que vai querer regressar ao estado ao qual você já estava acostumado.

O que posso te dizer, é que você terá ajuda em seu caminho e que a recompensa é realmente algo que vale todo e qualquer esforço.

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Abraços.

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