Crítica | Mulheres Divinas compensa falta de profundidade com leveza e carisma

Rogério de Moraes
Redação Crítica
Published in
4 min readDec 13, 2017

por Rogério de Moraes

O despertar da consciência e a luta pela igualdade é o tema por trás do filme que a Suíça elegeu para tentar uma vaga entre os indicados ao Oscar de filme estrangeiro. Mulheres Divinas (Die göttliche Ordnung), segundo longa da diretora Petra Volpe, utiliza o recurso do microcosmo para representar uma realidade universal e absolutamente atual, embora sua história se passe em 1971.

O tom que terá sua narrativa é definido logo início. Uma série de imagens mostram a efervescência que marcou aquele início de década. Woodstock, surgimento dos Panteras Negras, protestos estudantis, revolução sexual e feminismo. Barulho, gritos, agitação, ruas tomadas. Súbito, num corte seco, somos transportados para um vilarejo no interior da Suíça. O silêncio. Ali, o tempo é outro. Embora seja o mesmo ano.

É nessa realidade de outra proporção que a trama nos mostra o cotidiano de Nora (Marie Leuenberger). Casada e com dois filhos, ela alimenta o desejo de trabalhar fora, mas seu marido a proíbe. Ao mesmo tempo, se aproxima a data de um referendo onde será decidido se as mulheres devem ou não ter direito ao voto. Uma decisão que caberá apenas àqueles que, naquele momento, têm direito ao voto: os homens.

Engajamento por direitos

O despertar de Nora começa a partir dessa situação e ao tomar contato com as ideias feministas que ganham força no resto do mundo. É quando ela passa a se engajar na campanha favorável ao voto feminino, confrontando lideranças locais e o próprio marido.

Mulheres Divinas não demonstra ter grandes pretensões dramáticas e pode até ser vendido como comédia, embora não seja uma. Por seguir uma fórmula — de filme que quer abordar questões sérias com leveza — tem na previsibilidade seu maior defeito. Assim, a sutileza não está muito presente no modo como desenvolve a trama e seus personagens.

Exemplo disso são alguns diálogos excessivamente expositivos e figuras fechadas em suas caricaturas. Temos o patriarca grosseirão que diz o que quer, o marido machista-mas-nem-tanto, a adolescente rebelde de espírito livre, a carola conservadora. Todos estão tão dentro de seus estereótipos que sobra pouco espaço para serem aprofundados e revelarem as complexidades humanas. Talvez, por isso, nenhuma atuação se destaque, ainda que o carisma de Marie Leuenberger como Nora seja bastante contagiante.

Entretanto, as simplificações e obviedades trazidas pelo filme não impedem que se passe por ele sem que se ganhe alguma simpatia. Seu humor tem delicadeza no modo como mostra as etapas da descoberta feminina, desde o ativismo até a plena sexualidade, passando pela exploração do corpo (do orgulho da vagina no lugar da vergonha) e o sentimento de sororidade.

Derrubando tabus

O tom de leveza rouba um pouco da profundidade, claro. Não que isso seja uma regra. Um filme pode ser leve e profundo ao mesmo tempo. Mas essa é uma qualidade que Mulheres Divinas não alcança. Esse demérito é parcialmente compensado pelo aspecto divertido e pela beleza das descobertas em um tempo de repressão e tabus sexuais.

Narrativamente, o roteiro se perde um pouco no terceiro ato, quando um acontecimento trágico, também previsível, acontece. É o momento mais frágil, no qual a história patina no seu desenrolar e perde o rumo do desfecho, não escapando da pieguice de amarrar tudo com um discurso emocionado e, lamentavelmente, raso.

Apesar das diluições e escorregadas, Mulheres Divinas introduz bem o feminismo como luta essencial para uma sociedade mais igualitária e justa. Tem força suficiente para dar uma boa ideia da relevância do movimento e, principalmente, do absurdo sobre o qual se assenta o machismo histórico, sustentado por uma estrutura confortável e conveniente para os homens.

Entre erros e acertos, salva-se como entretenimento pincelado pela relevância histórica e política do tema que trata.
(texto originalmente publicado no site Formiga Elétrica)

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