Crítica | O Acampamento: um terror sem consistência

Rogério de Moraes
Redação Crítica
Published in
3 min readNov 27, 2017

por Rogério de Moraes

A certa altura de O Acampamento (Killing Ground), é possível que o espectador se veja perguntando qual o sentido da longa duração de uma sequência de tortura que acontece no meio da história. Especialmente porque vai notar que o filme já contou, de antemão, qual será o desfecho daquele momento.

Assim, sem a possibilidade do suspense ou da tensão ou da construção narrativa (a sequência não acrescenta nada que já não esteja em outros momentos da trama), a única explicação é o sadismo simplesmente. E esse é um motivo questionável, para não dizer de péssimo gosto.

Primeiro longa-metragem do diretor australiano Damien Power, que também assina o roteiro, a trama acompanha um jovem casal que vai acampar à beira de um lago. Ao chegarem, veem que já há uma barraca montada, mas sem ninguém por perto. Não se incomodam de não serem os únicos por ali e, imaginando que os vizinhos saíram para fazer alguma trilha, se alojam no local. Porém, a demorada ausência dos habitantes da outra barraca começa a gerar desconfiança e isso será o começo do terror pelo qual passarão.

Inicialmente, O Acampamento é um filme que tenta criar um clima de tensão equilibrando alguns elementos. A trilha sonora, os ruídos da floresta e a permanente expectativa sobre onde estão as pessoas do outro acampamento tentam formar uma mistura de apreensão e mistério. Isso funciona parcialmente bem. Porém, em pouco tempo, a própria narrativa desmonta essas coisas para elaborar explicar o contexto de forma pretensamente espertinha.

Novamente, tempos paralelos

Para quem ainda mal saiu do hype de Dunkirk (de Christopher Nolan) e sua montagem paralela de tempos distintos, difícil não fazer uma rápida associação. Power usa princípio semelhante para contar sua história. A comparação, no entanto, não vai além do uso deste tipo de montagem. É dessa forma que o filme escolhe revelar seus acontecimentos, mostrando paralelamente o antes e o agora para explicar seus enigmas.

É uma escolha de roteiro que rouba parte do mistério cedo demais e dilui muito da tensão que os acontecimentos seguintes poderiam ter. Isso culmina na sequência comentada no início deste texto, quando apenas o sadismo desnecessário explicaria a decisão de prolongar o sofrimento do público e dos personagens sem que isso traga qualquer valor para a trama. Ou o sadismo, ou a simples falta de apuro do seu diretor.

Embora caminhe de forma pouco inspirada na maior parte do tempo — falhando em dar sustos ou em criar tensão suficiente para justificar o gênero terror no qual se encaixa — , o filme se sai melhor no seu ato final.

Boas atuações

Parte dessa melhora pode ser atribuída à dupla de atores Aaron Pedersen (de Nos Braços do Crime) e Aaron Glenane (de Conspiração e Poder), que personificam o mal e a frieza de forma convincente e aterrorizante. Mas também é mérito da montagem, que finalmente se afina e cria um clima intenso e frenético de perseguição, ainda que dentro de convenções e clichês.

É também no seu terço final que surge com mais clareza uma camada interessante da narrativa, que trata da covardia masculina. Algo que se prenuncia quando vemos a dificuldade de trocar um pneu furado e que alcançará uma gravidade mais profunda nos momentos mais críticos.

Apesar dessa melhor na final, O Acampamento se mostra um filme irregular, ainda que esforçado. Falta refinamento e consistência tanto no seu roteiro quanto na direção. Mesmo assim, é possível vislumbrar um bom material bruto nos intervalos de seus deslizes. Isso faz com que sua apreciação não seja um total desperdício de tempo e cria uma expectativa positiva para um próximo filme do diretor.
(texto originalmente publicado no site Formiga Elétrica)

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