A Bandeira do Elefante e da Arara — Review do RPG

Você já pensou em viver ou narrar aventuras no Brasil Colônia, lá pelos anos 1570, mais ou menos, quando os portugueses ainda estavam descobrindo essas Terras de Santa Cruz?

André “Oneiros” Sitowski
Rolando Dados

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Eu sei que você deve ter pensado em O Desafio dos Bandeirantes, mas hoje vou falar sobre outro RPG, o Livro de Interpretação de Personagens de A Bandeira do Elefante e da Arara, que será lançado em novembro pela Devir, mas que eu já tive acesso e vou te dizer tudo o que achei do livro.

Livro de Interpretação de Personagens

“Supletivo, Supletivo!”

Uma coisa que me chamou a atenção, e que eu achei bem interessante, é que eles não chamam o livro de RPG, mas de Livro de Interpretação de Personagens. Talvez, isso tenha se dado por evitar a palavra jogo, já que o principal propósito desse livro é ser usado em salas de aula para apresentar o Brasil Colônia, mesmo que com alguma fantasia, aos alunos. Na verdade, durante toda a leitura do livro, eu só vi a sigla RPG uma única vez.

A diagramação do livro esta linda de se ver. Com cores vivas, em contraste com o branco predominante, elementos elegantemente colocados, tabelinhas bem desenhadas e ilustrações de cair o queixo. O time de artistas é de deixar qualquer um bobo: Ursula “SulaMoon” Dorada, Rodrigo Camilo, Cássio Yoshiyaki, Ernanda Souza, Marcela Medeiros, Gabriel Rubio e Guilherme Da Cas!

A Bandeira do Elefante e a Arara, que a partir de agora chamarei apenas de A Bandeira, usa um sistema que promete facilidade e rapidez nas sessões, usando poucos números e cálculos fáceis de serem resolvidos. Invés de usar atributos, como força, inteligência, etc, A Bandeira foca nas habilidades e façanhas que os personagens são capazes de realizar.

Habilidades e Aprendizagem

Tais Habilidades estão divididas nos seguintes grupos: Gerais, Silvestres, Armas, Artes marciais, Sociais, Militares e navais, Artesanatos, Artes, Instrumentos musicais, Outros ofícios, Estudos acadêmicos, Línguas e Magia e milagres.

Em cada grupo, são oferecidas dezenas de habilidades que cada personagem pode aprender e se aprimorar, com muitos esforço, estudo e prática. Cada Habilidade é marcada com um, dois ou três níveis, definindo quem é aprendiz, praticante ou mestre naquela habilidade.

O nível aprendiz exige apenas um Ponto de Aprendizagem (como eles chama os pontos de personagem), enquanto o nível praticante pede mais dois (somando três pontos) e o nível mestre requer mais quatro pontos (sete pontos no total).

Levando em conta que você começa com vinte pontos para distribuir, você pode ser, por exemplo, um inglês que teve algumas poucas aulas de Boxe, sendo aprendiz nessa habilidade (1 ponto), enquanto é praticante de Equitação (3 pontos) e mestre em Teologia (7 pontos), ainda sobrando nove pontos para você distribuir em outras Habilidades.

Você ainda pode refinar seu personagem com Características, mas essas não chegam a interferir nos testes, sendo apenas utilizadas para identificar melhor o personagem e servir de guia para a interpretação.

Rolando Dados

Quando um personagem precisa testar suas Habilidades são rolados três dados de seis lados (3d6), tentando superar o nível da Façanha, que pode ser fácil, intermediária, difícil e lendária (veja a tabelinha aí do lado).

Habilidades no nível Aprendiz te darão +3 nos testes, enquanto o nível Praticante te dará +6 e o nível Mestre, +9. Além disso, o narrador ainda pode te dar mais alguns bônus ou redutores, de acordo com o que estiver acontecendo.

Armas causam dano fixo. Então, se você foi bem sucedido numa façanha para golpear alguém com uma faca, vai causa 1 de dano, e com um mosquete, causará 4 pontos de dano na Resistência do seu alvo. Todos os personagens começam com 10 pontos de Resistência, sendo que pode adquirir mais um ponto ao atingir o terceiro nível de algumas Habilidades, como Acrobacia, Força Física ou Natação, por exemplo, até o máximo de 15 pontos de Condição Física.

Se um personagem sofre dano maior que sua Resistência, o personagem cai inconsciente e todo dano acima de sua resistência é marcado na caixa de Dano Crítico. Para se recuperar e acordar, os Danos Críticos devem ser recuperados antes. Se todas as caixas de Dano Crítico forem marcadas, o personagem morre.

Combate

O combate é elegantemente fácil. O atacante rola os dados por uma façanha fácil, menos a Defesa Ativa do alvo. Só isso! Mas o capítulo de combate conta com várias manobras e como resolvê-las se houver dúvida.

Poderes sobrenaturais existem e dependem de , Ifá ou Fôlego, dependendo da religião do personagem, sendo Fé reservada aos padres e religiosos cristãos, Ifá para os seguidores de Orixás, e Fôlego para os pajés indígenas.

Como as outras Habilidades, poderes também são comprados com pontos de aprendizagem e são categorizados em três níveis, permitindo maiores façanhas conforme você se aprimora neles. Mas poderes custam muita dedicação, então, se você for um utilizador deles, terá que abdicar de qualquer (outra) forma de violência, não podendo usar armas, artes marciais, escudos ou armaduras de qualquer tipo, com o risco de perder para sempre seus poderes se o fizer.

O Brasil de 1576

O sistema me encantou, sim, mas o cenário me deixou apaixonado! As aventuras de A Bandeira se passam na remota época da colonização portuguesa aqui no Brasil, mais precisamente em 1576, e Christopher Kastensmidt, o autor, nos brinda com um material fantástico recheado com informações de dez anos de pesquisa nessa área.

O Livro de Interpretação de Personagens segue um resumo de praticamente tudo daquela época, desde uma breve descrição de cada tribo indígena presente no litoral, até as comidas e formas de transporte que eram utilizadas pelos habitantes da Colônia, como era o sistema de governo e quais reinos africanos influenciavam mais nas terras brasileiras. Sem dúvida alguma, um excelente material de estudos a ser usado em salas de aula.

“Ah! Mas não tinha Saci de verdade, nem poderes mágicos naquela época!”

Bem, há controvérsias, mas eu não vou discutir isso. Se você é um professor que vai usar A Bandeira em sala de aula, pode simplesmente não usar as partes de magia/milagres e criaturas mitológicas, se assim preferir. O livro ainda tem muito material do Brasil Colônia “real” pra você usar.

Christopher chega a colocar tabelinhas de comparação com unidades de medidas e peso, como funcionava o sistema monetário e o escambo (troca de mercadorias), além da distância total que poderia ser percorrida em um dia dependendo do seu meio de transporte.

“Ah! Mas usar isso tudo complica muito o jogo!”

Então simplifique e não use! O sistema não se apega a nada disso. Por ser bem descritivo e focado no que os personagens conseguem ou não fazer, o sistema acaba dando muito mais atenção à interpretação e ao cenário, que, convenhamos, é muito interessante!

Material Extra

Como bônus, o site d’A Bandeira promete muito material extra no futuro, já que Christopher se mostra um apaixonado por tudo que ligado ao Brasil daquela época… e por abacaxi!

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Além disso, se você quiser ainda mais material, há às pencas! Afinal de contas, o Brasil Colônia é um mundo real, não um mundo fictício, como tantos outros cenários de RPG. Isso nos brinda com toneladas e mais toneladas de material para acrescentar às suas aventuras.

Eu mesmo já comprei o livro Duas Viagens ao Brasil de Hans Staden para me aprofundar mais nesse cenário (quanto terminar a leitura, escreverei a resenha).

Ah, e se você é um dos muitos viúvos do RPG O Desafios dos Bandeirantes, o livro de interpretação de papéis de A Bandeira é um ótimo material a se adquirir, seja para substituir o falecido, ou somar às suas já correntes aventuras.

Os Monstros e os Fogos de Bertioga

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O bestiário contido no livro é uma joia singular. Com regras simples para que o mediador/narrador crie animais da fauna brasileira, Christopher nos dá uma classificação de dezenas (se não centena) de animais por região e habitat. Mas o que me agradou mesmo foram as criaturas encantadas.

Do Besouro Titã, que é gigante e ataca qualquer um que chegar muito perto, até o Boitatá, cobra gigante que emite um fogo que não queima plantas, só carne, o livro nos trás dois tipos de Saci, bruxas como a Cuca, seres como Caipora e Curupira, monstros como a cabra-cabriola, Ao Ao e Labatut, fantasmas como o Anjo Corredor e até o Besta Fera está aqui para dar muito trabalho para os participantes da narrativa.

Labatut
Labatut

Como eu já falei, o uso dessas criaturas é completamente opcional e qualquer aventura, com elas ou sem elas, estará completa… tudo dependo do mestre.

Para finalizar o livro em si, temos uma aventura completa a ser jogada por até 8 participante, mas o recomendável é entre 4 e 6, chamada Os Fogos de Bertioga, onde os participantes devem devem descobrir o que aconteceu com seu mentor, Sebastião de Veiga, que está desaparecido.

Os Apêndices

Para encerra o Livro de Interpretação de Papéis de A Bandeira, temos majestosos apêndices, como um texto sobre como usar A Bandeira em sala de aula escrito por Rafael Jaques, que leciona no IFRS, além de ser um entusiasta de jogos eletrônicos e de mesa, que pesquisou, no mestrado e no doutorado, acerca da utilização pedagógica do RPG.

Também temos a bibliografia, com obras para que quiser ter mais ideias para aventuras no Brasil Colônia, um cronologia de 1500 até 1650 com os acontecimentos mais importantes relacionados ao Brasil e no mundo, a ficha de personagem, que é simples e elegante, exatamente como o sistema, e oito personagens prontos, para agilizar suas aventuras.

Por fim, temos a referência rápida para todas as tabelinhas de medidas, pesos e valores, habilidades e suas progressões, povos indígenas e africanos e seus inimigos e aliados, para facilitar a vida do mediador.

Ou seja…

A Bandeira do Elefante e da Arara: Livro de Interpretação de Papéis é um livro de RPG com sistema e cenário completos. Christopher usa uma abordagem simples, mas profunda, deixando a história do Brasil muito gostosa de se aprender.

O sistema simples ajuda a deixar o foco na interpretação e no cenário, o que facilita o uso dessa livro maravilhoso com crianças e adolescentes, dentro das salas de aula ou não. A mitologia ainda levanta a cultura dos povos que foram responsáveis por colonizar nosso país.

A Bandeira do Elefante e da Arara: Livro de Interpretação de Papéis deve ser lançado em novembro pela editora Devir, com 200 páginas, capa dura e 50 ilustrações inéditas e lindíssimas, terá o preço sugerido de R$ 28,00, o que é MUITO barato para um livro com tal qualidade. Eu, com certeza, vou garantir o meu assim que sair.

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André “Oneiros” Sitowski
Rolando Dados

Criador e autor do finado site Rolando Dados, André é apaixonado por literatura fantástica, principalmente a tolkiana, e adora filmes, games e música.