Rafael Greca, prefeito eleito de Curitiba | Chácara São Rafael das Laranjeiras | Piraquara-PR | Foto: Xavier Fernandez

Meu encontro com Rafael Greca, prefeito de Curitiba

Da minha visita à chácara de São Rafael das Laranjeiras

Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto
5 min readOct 31, 2016

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A majestade, os pinheirais

De chefes de Estado a descendentes da monarquia nacional, de representantes da mais alta elite nobiliárquica artística a destacados políticos brasileiros, já passaram pela chácara de São Rafael das Laranjeiras — do prefeito de Curitiba, Rafael Greca — nomes como o dos príncipes de Orleans e Bragança, Dilma, Lula, Ruth e FHC, Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Paulo Leminski, Potty Lazarotto, Darcy Ribeiro, Paul McCartney, José Carreras e Leonel Brizola.

A lista é longa e não pararia aqui. Segundo Rafael Greca, anfitrião da propriedade, até hoje só Roberto Carlos recusou um convite. Não é difícil entender porquê: ali, naquele lugar, qualquer rei perde a majestade. Reinam, imponentes, as gralhas e os pinheirais.

Vou-me embora pra Pasárgada

Nunca quis ir-me embora para Pasárgada. Sempre preferi ser amigo do bobo da corte a ser amigo do rei. O primeiro é tão inteligente e sagas quanto o segundo, mas não tem, como ele, a obrigação de se levar a sério. Conhece os meandros do poder, mas não se envolve com ele. É mais engraçado, mais sútil, mais subjetivo, mais vivo, mais humano. É aquele que poderia ser rei, mas não quis, deixou para lá.

Neste sentido, pareço ter encontrado o lugar ideal para viver: São Rafael das Laranjeiras. É fascinante estar ao lado de Rafael Greca. Espécie de Willy Wonka dos pinheiras, aficionado por pinhões no lugar dos chocolates, Greca é uma figura simpática e carismática, capaz de inventar um mundo para se salvar do mundo ao seu redor. Humanista e erudito, carrega as coisas de significado o tempo todo. Dá peso e sentido à existência.

Para Rafael, que transforma a vida numa paisagem feliz, escreve alguém em dedicatória num de seus livros. Assim é Rafael: um inventor de mundos e reinos. “Gosto de deixar a vida das pessoas menos triste”, diz.

Casa polonese do Século XIX, em São Rafael das Laranjeiras | Foto: Xavier Fernandez

Minha terra tem pinheiros, onde canta a Gralha Azul

A chácara, comprada pelo avô no início do século passado, está na família há três gerações. Trata-se de uma antiga pedreira, localizada na nascente do rio Iguaçu, numa reserva de mata nativa, em Piraquara. A propriedade serve de encontro para os almoços familiares de domingo desde a década de 1940.

Nos anos 1980, transportou-se para a chácara duas casas polonesas feitas de troncos de araucária. As casas, datadas ainda do Império, pertenciam à primeira colônia portuguesa de Curitiba. Foram deslocadas inteiras, como parte de um programa de resgate de casas polacas construídas em áreas passíveis de inundação, por causa da construção da represa do Passaúna.

“Uma das casas transformou-se em biblioteca e conta com uma coleção pessoal especializada na história do Brasil e do Paraná, além de filosofia e poesia universal”, conta Rafael, detalhando a transformação das casas. “A outra, é uma sala de estar.” Desde então, a esposa e ele passaram a receber os amigos ali. Lili Marinho a definiu como “a casa mais elegante do Brasil”.

Arte e cultura por todo lado | Foto: Xavier Fernandez

As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá

Definida por Greca como "a síntese da cultura curitibana à sombra das araucárias”, tanto a casa de alvenaria quanto as casas polacas foram incrustradas entre as araucárias e pinheirais, para mostrar como é possível viver com qualidade e conforto sem destruição. “Moderno é ser eterno. E o eterno pede preservação”, conclui.

Resumo de todos os lugares por onde andou, repleta de pertences da família, a propriedade é composta ainda por uma casa de alvenaria usada para jantares, serviços e acolhimento dos hóspedes. “Nada foi comprado em lojas. Não têm decorador. É oposto da Casa Cor, o massacre dos cleans”, diverte-se Greca.

Ao redor, vive livre a fauna silvestre dos pinheirais: gralhas azuis, gralhas picaças, esquilos, ouriços, jacus, curucacas, socós, sabiás, manadas de canarinhos da terra, pavões e cotias.

“Às vezes, você entra na sala e tem uma cotia”, conta o anfitrião. “Mas elas não são amigas não. Elas roubam seu pinhão”, diverte-se e me diverte Rafael Wonka. Com licença do IBAMA, araras também vivem soltas, sendo recolhidas no inverno.

Arara, um dos animais que vieram como visitas e foram ficando | Foto: Xavier Fernandez

“A qualidade da consciência é nosso maior bem”, defende Greca. “Em São Rafael das Laranjeiras, busco ciência e consciência. Pela leitura, pela música, pelo culto à beleza e à natureza.”

De fato, ali, naquele almoço, arte e natureza parecem combinar para oferecer o melhor quadro para se viver. Música clássica, harpa e flauta ecoam o tempo inteiro, em todos os ambientes, dentro e fora. As paredes da casa de alvenaria são repletas de obras de arte e outros objetos. Tal qual uma enciclopédia acessada por verbetes, Greca conta a história de cada um. Para cada objeto, uma história, para cada história, um objeto. Tudo compartilhado com muita alegria e entusiasmo.

“Tenho satisfação em compartilhar nossa ciência de mundo”, conclui. “O que não se compartilha se perde. A chácara é um resumo do mundo e de tudo de bom e refinado que podemos compartilhar com outras pessoas.”

Em outras ocasiões, Greca definiu Curitiba como “uma rua que passa por muitos países”. Pois São Rafael, o sítio, fica sendo um país que passa por muitas ruas.

O jardim faz parte da decoração. A casa de alvenaria ao fundo. | Foto: Xavier Fernandez

Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá

Pergunto a Rafael qual obra da “nossa Curitiba” ele gostaria de ter no quintal de sua chácara. “O homem que foi prefeito dos 300 anos de Curitiba, com a intensidade que eu fui, não precisa ter quintal, nem casa. Curitiba é minha casa”, define, poético, o prefeito reeleito em 2016.

A tarde cai, e eu me preparo para deixar o idílio. Já nem sei mais se de fato é realmente tão fascinante o reino que vejo, ou se a chácara nem é reino e as histórias do dono é que a fazem tão deslumbrante. Só sei que, naquele dia, São Rafael transformou minha vida numa paisagem feliz. Ali, Roberto Carlos e qualquer um seria rei. A majestade fui eu.

Assinado, o Rei.

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Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto

Escritor e jornalista literário. Autor do romance "Quero ser Fernanda Young". Curitiba.