Luiz Maganhoto, Daniel Casagrande e os filhos, Antonella e Lorenzo | (Foto: Lex Kozlik)

Casa Nova, Casagrande, Maganhoto & Família

Conheça o arquiteto Luiz Maganhoto e o designer de interiores Daniel Casagrande de um jeito que você nunca viu.

Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto
9 min readOct 30, 2016

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Para começar, primeiro que os dois, agora, dobraram. São quatro. Luiz, Daniel, Antonella e Lorenzo, os filhos do casal. A multiplicação reflete a belíssima e saudável multiplicidade do próprio mundo. Casagrande, Maganhoto e família certamente também se veem diferente do que um dia que já se viram e certamente além daquilo que, um dia, sonhariam ser.

Embora com alguns termos restritivos, é inegável o adiantamento e as conquistas que se teve no âmbito dos direitos civis de “casais” homoafetivos. As aspas, em casais, enfatizam exatamente uma dessas restrições, que tem origem na língua e se estende ao Direito. Casal é um conjunto composto de macho e fêmea. Par, é um conjunto composto de iguais. Dessa forma, o correto seria, portanto, falar em pares homoafetivos.

Há pouco mais de dez anos, quando Casagrande e Maganhoto passaram a viver juntos, o próprio ato de se unir em um par homoafetivo parecia ser, ao mesmo tempo, um ato tão transgressor quanto a conquista máxima que se poderia almejar. Não havia porque querer ir mais longe. Viver juntos, entre pares iguais, fora uma conquista tão emblemática, já representava uma ruptura e uma liberdade tão grandes em relação a um passado contínuo e recente, que era como se não precisássemos ir além. Mas ainda não havia direito civil nenhum conquistado. Só a liberdade social.

Logo, descobrimos que podíamos, a sociedade, ir além. Os direitos sociais podiam se transformar em direitos civis. Mais que poder, essas vivências precisavam ser transformadas em direitos para que se cumprisse o que diz a Constituição: “todos são iguais”.

Foi assim que, a passos largos, a sociedade e o Direito se adequaram para receber a homossexualidade, e que, em um intervalo pouco maior do que uma década, Luiz e Daniel estivessem comemorando conquistas ainda mais significativas do que aquela de morarem juntos, sem — quase — olhares atravessados. Conquistas como uma família, por exemplo. Legítima, adquirida e de direito. Uma naturalidade conquistada.

Casal é um conjunto composto de macho e fêmea. Par, é um conjunto composto de iguais. Dessa forma, o correto seria, portanto, falar em pares homoafetivos.

À Casa

A começar pela casa nova, muita coisa mudou na vida do casal. Sim, vamos expandir o termo e chamá-los assim, sem aspas. “Se o relacionamento passa pela barreira de criar filhos”, fala Daniel, “ele dura para sempre. São quatro pessoas se relacionando, com pontos de vista diferentes, inclusive entre os pais. Você tem as dificuldades do dia a dia, do trabalho, da família extensiva”.

Além do quê, isso, de pais gays, é um universo novo para muita gente. Com filhos, você muda até o seu ciclo de amizades, contam eles. “Na escola tem nós e um outro par de mães. Estamos inseridos num ciclo novo, com mais quinze famílias que nos tratam muito bem”, conta Luiz.

Emocionados, os dois nos receberam em sua casa, construída especialmente para as crianças. “Não fossem elas, não teríamos construído isso aqui”, afirma Luiz. Localizada no bairro de Santo Inácio, numa bucólica rua sem saída a poucos metros do escritório do casal, a casa chama atenção pelas cores vivas, pela fachada alta e vertical de vidro, pela integração dos ambientes — não há paredes nem divisórias nas áreas comuns da casa. Mas, principalmente, pelo bom gosto e pelo conforto, livres da ostentação e do pastiche afetados. A casa reverbera, de fato, um estilo de vida. O estilo de um par que viu, ao longo de sua trajetória, suas vidas se modificarem, multiplicar-se e se transformar em uma família.

À Família

Antonella tem quatro anos e está na família Casagrande Maganhoto há dois anos e meio. Lorenzo tem um ano e meio e foi trazido pela “cegonha” há um ano e três meses. “Eles sabem que não vieram de uma águia ou de uma cegonha. Eles vieram da barriga de uma mãe que os gerou e os amou, mas não pôde ficar com eles.”

Família Casagrande Maganhoto | (Foto: Lex Kozlik)

Os dois pais descrevem a espera pela adoção e a chegada das crianças da mesma forma que uma mãe e um pai descrevem a gravidez biológica e um parto. Em dezembro de 2013, já habilitados à paternidade, Luiz escreveu um e-mail para os juízes das comarcas do Paraná e algumas regiões de Santa Catarina explicitando o desejo de ser pai e informando que, se houvesse uma criança cujo perfil de natalidade não se encaixasse entre o perfil dos pais disponíveis para a comarca na adoção — a preferência é sempre pela comarca de nascimento, e aí os círculos vão se ampliando até chegar à adoção internacional — , eles teriam interesse em conhecê-la.

“Assim como uma criança escreve uma carta pedindo um presente ao Papai Noel, por que é que eu não podia escrever uma carta ao juiz pedindo um filho, como um presente de Deus?”, pergunta, emocionado, Luiz.

A “carta” deu certo. Papai Noel também existia, só que veio no carnaval. Em fevereiro, com uma viagem internacional marcada, o casal recebe um telefonema dizendo que “a bolsa rompeu”a essa altura, do texto e da vida, os pares homoafetivos e as aspas já não precisam mais de contextualização, certo? Havia uma criança no mundo, na cidade de Cascavel, que podia ser a deles.

“Eles sabem que não vieram de uma águia ou de uma cegonha. Eles vieram da barriga de uma mãe que os gerou e os amou, mas não pôde ficar com eles.” (Luiz Maganhoto)

À Antonella

Antonella tinha vindo ao mundo cerca de um ano antes, pesando 600 gramas e prematura de seis meses. Como sempre pode acontecer com todo parto, este também reservara surpresas. Antonella tinha “apenas” cranioestenose, uma doença relativamente rara que consiste no fechamento precoce das suturas (os tecidos moles ou fibrosos da cabeça, como a moleira), impedindo o crescimento correto do cérebro. Uma cirurgia de alto risco seria necessária para que as aspas na saúde de Antonella não acarretassem sequelas mais graves, como má-formação craniana ou problemas psicomotores.

Antonella tinha cranioestenose, doença que consiste no fechamento precoce da moleira | (Foto: Lex Kozlik)

A cranioestenose era uma condição que dificultaria a adoção da Antonella em solo brasileiro. Não fosse os desígnios de Deus — “a quem somos fervorosos”, afirma Daniel — e o e-mail ao juiz, Antonella seria filha de estrangeiros agora.

“Se eu quisesse uma criança perfeita, eu comprava uma Barbie por dezenove e noventa”, brinca Luiz, falando sério. “Além da cranioestenose, Antonella não tinha nada. Nós poderíamos fazer a diferença na vida dela.”

Fizeram, fazem, estão fazendo e vão fazer. Antonella fez a cirurgia corretiva em abril de 2014. Ufa! Estava bem. Pronta! Fisicamente pronta e preparada para o mundo. Restava “apenas” o mais complexo: prepará-la também para os baques da vida.

Ao Lorenzo

Pouco mais de um ano após a recuperação da primogênita, em junho do ano passado, “a bolsa” de Luiz e Daniel rompeu novamente. “Nós havíamos pedido duas crianças”. Nascia, para a vida de Luiz, Daniel e Antonella, o menino Lorenzo, que havia chegado ao mundo um ano antes. Lorenzo também veio com aspas na saúde. Mas aspas bem mais simples, pulmonares.

Luiz, Lorenzo, Antonella e Daniel: com a chegada do menino, a família estava completa | (Foto: Lex Kozlik)

Retiradas as aspas, com Lorenzo em casa, a família estava completa. O Estado não devia mais nada para eles: eram uma família. A mudança para a casa nova, na qual Casagrande e Maganhoto nos receberam, celebra e marca a ocasião. “Fizemos a casa por causa das crianças”, revela Luiz. “Não teríamos feito se não fossem elas.”

Voltando à casa

Projetar uma casa para si mesmo tem um nível de exigência muito maior, explica Luiz. “Para os outros, é mais fácil fazer escolhas e tomar decisões.” Priorizando a tendência contemporânea de integração dos espaços, nas áreas de convivência social, no primeiro piso da casa, o casal dispensou a divisão por cômodos. Se você vai trazer pessoas na sua casa, são pessoas que você tem intimidade. “Não queria ninguém preso em cubículos”, conceitua Luiz. “Eu quero que as crianças estejam assistindo à TV, mas estejamos vendo o que eles estão fazendo.”

No andar superior, onde ficam os quartos do casal e das crianças, o que ficou compartilhado foi o banheiro deles. O dos filhos. O dos pais, adultos que são, já com a noção de convivência e a lição de compartilhamento aprendidas, são exclusivos. Os pais têm um banheiro para cada um e o que se compartilha é o quarto. “Nós somos os imperadores desta casa”, ri Luiz. “Eles vão precisar conquistar o espaço deles, na casa e no mundo”, diverte-se sabiamente.

O arquiteto Luiz Maganhoto — Pai Lu— em primeiro plano, com Daniel e as crianças ao fundo: Pai Dani | (Foto: Lex Kozlik)

Daniel completa explicando que, para os filhos, não queriam uma suíte para cada um. “Alguns de nossos clientes fazem isso e ainda colocam frigobar no quarto. O filho chega da balada no sábado e os pais só vão vê-lo novamente na segunda-feira de manhã”, finaliza. “Aqui não. Aqui, eles têm que aprender a cuidar do banheiro para o irmão. Não podem deixar o tapete molhado, a toalha largada, a banheira fora do lugar. Noções de civilidade e convivência começam dentro de casa”, encerra ele, finalizando assim os detalhes do projeto arquitetônico, de incumbência do Pai Lu.

O designer de interiores Daniel Casagrande, o Pai Dani, responsável pelo projeto decorativo da casa | (Foto: Lex Kozlik)

Quanto ao projeto decorativo, sob a alçada e a tutela do Pai Dani, não queriam nenhum “elefante branco”, nada de lustres de cristal ou “objetos para juntar pó”. “Somos extremamente contemporâneos”, retoma Daniel. “Queríamos algo prático para fechar a casa e sair com as crianças. Seja para uma praça ou para uma viagem curta.”

“Um par homoafetivo tem as mesmas dúvidas de um casal heteroafetivo”, equipara os pares, Luiz. “São um turbilhão de coisas que, um dia após o outro, se resolvem.”

Voltando aos filhos

Com relação à educação dos filhos, Daniel se declara mais linha dura, e Luiz, mais permissivo. Pelo menos até um limite. Mas qual seria? “Um par homoafetivo tem as mesmas dúvidas de um casal heteroafetivo”, equipara os pares, Luiz. “São um turbilhão de coisas que, um dia após o outro, se resolvem.” O arquiteto está falando dos problemas cotidianos da família, como assaduras. Mas serve também como metáfora para as assaduras da vida.

“A gente procura mostrar para eles a igualdade”, continua Pai Lu, “sobretudo porque já fomos vítimas de preconceito e sabemos como é ser tratado diferente. Então a gente procura não taxar: a bruxa é feia e a princesa é bonita. Procuramos transformar situações corriqueiras como esta em aprendizado. Explico para ela que a bruxa só é feia porque não tem um dente, e só não tem um dente porque não escova”, se alonga Luiz.

De acordo com o casal — ou com o par, vá lá, tanto faz; no fim, par ou casal, os dois continuam sendo pais mesmo — a grande satisfação é perceber, sendo pai, o quanto você pode ser importante para alguém, além de você mesmo. “Se não fossem eles, para quem é que nós deixaríamos o que aprendemos de bom?”, pergunta Luiz. “É uma evolução extraordinária.”

"É uma evolução extraordinária", enfatizo, repito, finalizo, e a vida continua.

"É uma evolução extraordinária." (Luiz Maganhoto) | (Foto: Lex Kozlik)

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Rômulo Zanotto
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Escritor e jornalista literário. Autor do romance "Quero ser Fernanda Young". Curitiba.