"Painel do Jack", ao lado do Teatro Guaíra, medindo aprox. 25X35m | Obra do Projeto "Motion Layers", idealizado por Celestino Dimas e executado por Leandro Lesak (Cínico) e Eduardo Melo (Artstenciva), autor do painel do Jack | Curitiba/PR | (Foto: Lex Kozlik)

Motion Layers: tatuando a cidade

A frase “só trabalho, sem diversão, faz do Jack um bobão”, imortalizada no filme "O Iluminado", de Stanley Kubrick, certamente é conhecida em boa parte do mundo, por boa parte do mundo. Mas, em Curitiba, ela é mais nossa do que em qualquer outra parte do mundo.

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“O estêncil é a arte pioneira da reprodução gráfica. É primitivo, pré-histórico, da época das cavernas. O molde vazado deu origem a todas as outras formas de gravura, serigrafia e reproduções pictóricas”, contextualiza Celestino Dimas, o artista plástico idealizador e curador do projeto , que deu a Curitiba o painel do Jack e o painel do Ray, nas imediações do Guaíra e da Marechal, respectivamente. E em breve nos dará um terceiro.

“Já o cinema”, continua ele, “é a mais nova das artes. É capaz de conter em si todas as outras expressões artísticas. Uma linguagem globalizada, capaz de criar ícones universais, facilmente identificáveis e contextualizáveis.” Assim também é a tendência mundial do muralismo.

Camadas em movimento

O projeto aliou o interesse de Dimas pela sétima arte ao desafio de propor um diálogo de intervenção artística com a cidade a partir de pinturas urbanas em escala monumental. “A ideia é tatuar a cidade”, explica ele, “dialogar com a escala dela, com a verticalização, revitalizar a paisagem, diminuir o aspecto cinza, o concreto opressor das paredes se fechando acima da gente.”

“A ideia é tatuar a cidade, dialogar com a escala dela, com a verticalização, revitalizar a paisagem, diminuir o aspecto cinza, o concreto opressor das paredes se fechando acima da gente.” (Celestino Dimas)

A expressão layers vem do estêncil, a linguagem escolhida por Dimas para dar a cara aos murais. E motion, vem do cinema, das imagens em movimento. “Gosto de cruzar linguagens e temas. A transversalidade é muito fértil na arte contemporânea, conceitua e costura o trabalho de muitos artistas”, relata Dimas, explicando o nome e o conceito da união entre muralismo e cinema no projeto.

“Além disso, os painéis são inspiradores para o cotidiano”, conceitua. “A frase do Jack é contundente na medida certa. Tem humor, mas trata de algo sério e urgente.”

"Painel do Ray", na Marechal Deodoro, de autoria de Leandro Lesak, o Cínico, executado pelo projeto "Motion Layers" | Medida aprox.: 17X17m | Curitiba/PR | (Foto: Lex Kozlik)

O Trabalho

O painel do Jack foi criado por Eduardo Melo — conhecido por Artstenciva — e o painel do Ray por Leandro Lesak, o Cínico. E ambos foram executados pelos três: Eduardo, Leandro e Dimas. Dimas, por sua vez, assinará a autoria do terceiro painel, localizado na Biblioteca Pública do Paraná.

Cada um deles consumiu cerca de um mês de trabalho, 150 litros de tinta acrílica, 1 quilômetro de cabo de aço, 5 prédios (além dos três prédios tatuados, outros dois precisaram ser envolvidos), andaimes, balancins, rapéis e, além disso, retroprojetores servindo como estênceis. Afinal, era preciso que a técnica — o estêncil — fosse coerente com o tema — cinema — , não!?

“Por relacionar o estêncil ao cinema, utilizamos um projetor para refletir a imagem na grande tela”, explica Dimas, referindo-se à parede. “Além de uma referência direta ao cinema, era uma maneira adequada de se obter um molde naquela escala. Foi uma escolha técnica e poética ao mesmo tempo.”

“Por relacionar o estêncil ao cinema, utilizamos um projetor para refletir a imagem na grande tela. Além de uma referência direta ao cinema, era uma maneira de se obter um molde naquela escala. Foi uma escolha técnica e poética.” (Celestino Dimas)

Viabilizado por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e patrocinado pelo Shopping Mueller, a locação dos equipamentos necessários ao trabalho acabou supra-onerando o orçamento do projeto e, desta forma, o terceiro painel, aquele que efetivamente levará a assinatura de Dimas, acabou ficando no meio do caminho.

Seja como for, ao refazer, o artista quer apagar e começar do zero. Movimentar os traços inacabados, parados há tanto tempo, naquele lugar.

O idealizador do projeto, Celestino Dimas, à frente do terceiro painel, em andamento, localizado em uma das paredes da Biblioteca Pública do Paraná: "A ideia é apagar e começar do zero, movimentar os traços inacabados parados há tanto tempo naquele lugar." | Curitiba/PR | (Foto: Lex Kozlik)

A Diversão

Dimas teve e a ainda tem, por conta do terceiro painel em andamento, muita dor de cabeça com a realização do projeto. “Só na fase de pré-produção foi consumido um ano inteiro de articulações”, relata o visionário. “Mas a repercussão, em contrapartida, é muito gratificante. Você percebe que interfere diretamente e de forma bastante positiva no cotidiano de milhares de pessoas.”

Sobre a ausência de assinaturas identificando a autoria dos criadores, Dimas diz que os três têm muito mais para oferecer à cidade do que apenas os seus nomes. “Se incluíssemos nossas assinaturas, precisaríamos incluir também a logomarca dos patrocinadores, e queríamos que fosse apenas um presente para a cidade. Afinal, o projeto não só foi desenvolvido para as pessoas como foi executado com o dinheiro delas”, finaliza.

"É muito gratificante. Você interfere diretamente e de forma bastante positiva no cotidiano de milhares de pessoas.” (Celestino Dimas)

Como se vê, por trás de todo gesto verdadeiramente artístico, sempre existe um ato verdadeiramente político, no melhor sentido.

O senso de apropriação e de pertencimento à cidade gerados pelo projeto aos seus criadores, é o que parece ser o grande ganho dos artistas. “Eu me sinto cidadão no sentido pleno, de interferir na história da minha cidade, participar dela”, orgulha-se Dimas. “A arte urbana tem muito isso, de fazer por si mesmo. Deliberar, assumir as consequências, os riscos, deixar sua mensagem. É um exercício de cidadania. Um compromisso com a cidade. Uma maneira de retribuir o que ela te oferece.”

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Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto

Escritor e jornalista literário. Autor do romance "Quero ser Fernanda Young". Curitiba.