Capa dos três principais jornais diários do Brasil, no dia seguinte ao "impeachment" da ex-presidenta Dilma Roussef. | 01. set.2016

O Dia Seguinte ou Um Dia para Lembrar

Crônica escrita para a coletânea de crônicas "A Luta Continua", por ocasião do impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef.

Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto
4 min readDec 21, 2016

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Dia de cantar pelo miseráveis, que vagam pelo mundo derrotados, por estas sementes mal plantadas, que já nascem com cara de abortadas. Pelas pessoas de alma bem pequena, remoendo pequenos problemas, querendo sempre aquilo que não tem. Dia de lembrar que tudo, no Brasil, acaba em pizza e que pizza é coisa que se vende fatiada. Dia de lembrar que o gigante, Renan Calheiros, acordou. De lembrar que Eduardo Cunha dizia no Roda Viva, um ano antes, que se houvesse impeachment o Brasil seria transformado numa Republiqueta. Dia de lembrar que quem nasceu para Cigano Igor, jamais chegará a Alexandre Nero. Dia de lembrar que se é presidente ou presidenta já não faz mais sentido. “Presidente”, está concluído, é entre aspas que se escreve, mesmo sendo masculino. A dúvida, agora, é se é golpista ou se é golpisto. Primeiro vice, depois interino, e agora entre aspas. Pra sempre decorativo.

Dia de lembrar que, após nove meses de gestação, o governo nasce natimorto, como seus donos. Lembrar que ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais — ou nosso país: Dom Pedro I, Dom Pedro II; Renan, Renan Filho; Sarney, Sarney Filho; Michel, Michelzinho; Tancredo, “Tancredinho”. Dia de lembrar que o Senado não tem moral para julgar, mas não se absteve de ser juiz. Lembrar que Dilma caiu condenada por um hospício. Lembrar de Magno Malta tripudiando Caetano com sua plaquinha de FORA TEMER, dizendo que quem mandava no Congresso era ele. Lembrar de outros milhões de brasileiros explicitando a imposição de sua vontade: “se votarem errado, tiraremos de novo”. Lembrar de Caetano cantando que, no Brasil, “o certo é saber que o certo é certo”.

Dia de lembrar que “o mundo”, no Brasil, “é dos espertos”, e de não esquecer que isso é nojento. Dia de lembrar que brasileiro que está por cima não apenas mente como deve mentir, senão não seria superior: faz parte da dominação aristocrática. Dia de lembrar que os pais — ou o país — institucionalizam a dúvida e a mentira como sagacidade: quem não mente de cara limpa e não defende o indefensável é um otário. Lembrar que no Brasil nunca ganha quem arruma o meio de campo, mas apenas quem faz o gol. Dia de lembrar que o impeachment de Fernando nasceu no seio da família Collor, e o impeachment de Dilma no berço da oposição. Que a advogada de defesa, de quem o nome deve ser esquecido, declarou que Temer tem uma dívida com ela: deve a ela a obrigação de ser o melhor “presidente”. Lembrar que o impeachment foi meia dúzia de espertos mobilizando milhares de patos. Lembrar que Joaquim Barbosa o chamou de Tabajara. Lembrar que em 1993 escolhemos o presidencialismo pela segunda vez em plebiscito. Lembrar que só no parlamentarismo o conjunto da obra e a insatisfação popular derrubam um presidente. Que mentir em campanha não é legal, mas que tirar um direito é ilegal. Dia de lembrar para sempre o que pediu o “presidente”: que golpista é quem derruba a Constituição. Que meus inimigos, estão no poder. Dia de lembrar que haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer. Lembrar que Cazuza morreu, mas que o tempo não para. Que a sua piscina está cheia de ratos, que suas ideias não correspondem aos fatos e que fatos são diferentes de boatos. Lembrar de não falar em crise, mas trabalhar, lembrando da inscrição nos campos de concentração.

Dia de lembrar que para um Ali Babá que chegou ao governo sem voto, é normal confundir milhares de pessoas com 40 ladrões. Que quando se é governado por jumentos, depois da queda, há o coice, mas quem caiu não foi a Dilma, foram os patos. Dia de lembrar que o “presidente” ganhou a eleição e foi à China, onde caiu do salto, porque bela, recatada e do lar, é a mulher. Dia de lembrar que a Dilma foi impichada, o Temer assumiu e o “presidente” continuou sendo interino. Dia de lembrar que no grupo dos deputados Democratas, se comemorou a presença de um presidente pefedelista entre eles: “Nem no melhor dos sonhos imaginaríamos ter a presidência agora”. Lembrar que, no dia seguinte, o avião de Temer fez uma parada em Praga, enquanto Dilma preparava sua mudança para o bairro Tristeza, na República dos Pampas, onde “O Sul é Meu País”.

Não esquecer também que, no dia seguinte, a página 43 d’O Globo trazia promessas contra o Alzheimer. Mas lembrar também que não se pode esquecer o que não se conhece, assim como não se pode lembrar o que não se sabe. Por enquanto, desde ontem, lembrar apenas que o Brasil é o mesmo.

🎶 Parabéns Coronéis, vocês venceram outra vez, o Congresso continua a serviço de vocês. 🎶

Crônica originalmente publicada no livro A Luta Continua Crônicas da Resistência 2016.

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Rômulo Zanotto
Blog do Rômulo Zanotto

Escritor e jornalista literário. Autor do romance "Quero ser Fernanda Young". Curitiba.