Sobre os dados vazados do Ashley Madison

Roteiro de Cinema
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5 min readAug 21, 2015

A primeira figura pública brasileira a ser apontado como cliente do site de indiscrições conjugais Ashley Madison — que prometia sigilo absoluto e teve os dados da empresa e de seus clientes vazados por hackers —foi o colunista da Veja Rodrigo Constantino. Então fui ver o que os arquivos vazados tinham a nos dizer sobre ele, ou o que os arquivos sobre ele tem a nos dizer sobre os dados vazados.

Há dois cadastros diferentes em nome de um (ou dois) Rodrigo Constantino:

O id 32410480 — que usa um e-mail público do colunista Rodrigo Constantino rodrigo.constantino@gmail.com— acessou o site do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, segundo o dado de geolocalização, na data 2015–02–07. Se descreve como solteiro e nascido em 1978.

Segundo o Independent o site não fazia verificação de e-mail para cadastro, então a informação de um e-mail cadastrado, por si só, não é garantia que foi o dono do e-mail que o cadastrou. Em caso de e-mails públicos e de figuras públicas, a chance de ser alguém saciando sua curiosidade usando e-mail alheio são ainda maiores.

UPDATE: O dado imediatamente seguinte ao e-mail é de um campo chamado isvalid, que informa se o e-mail foi validado ou não pelo site. O do cadastro do e-mail de Constantino é positivo. E-mails de figuras públicas usados por terceiros, como jo@globo.com por exemplo, normalmente são marcados com o isvalid valor zero. O hacker Adrian Lamo sustenta que apesar dos relatos de que Ashley Madison não requisitava uma verificação de e-mail, dados diferenciam entre e-mails verificados e não-verificados, e se o e-mail é marcado como verificado - como é o caso do e-mail público do colunista da Veja — há uma chance decente de que foi o próprio dono do e-mail que cadastrou. Porém, ainda não há um consenso sobre o que o dado do isvalid significa. Para outros analistas, representa apenas uma checagem automática de e-mail, que se não volta automáticamente (bounce) é considerado válido. Essa última tese é desprovada pelo exemplo do jo@globo.com, que é um e-mail válido e funcional, mas está marcado com isvalid valor zero nos dados vazados. Então, sem conhecer o código fonte do site é difícil saber o que o campo isvalid realmente quer dizer, mas como o código fonte do site também foi vazado, é possível que teremos uma resposta em breve.

O outro cadastro de um Rodrigo Constantino, o id 30040971 — que usa o e-mail constantino_rodrigo@yahoo.com.br — acessou o site do bairro de Pinheiros, São Paulo e em 2014–11–12 fez uma compra no valor de 40 dólares, pagando com um cartão de crédito Visa final 8114. O endereço de cobrança informado é na rua Eugênio de Medeiros, Pinheiro, mesmo local informado pelo dado de geolocalização e pelo IP que ainda diz que usou a NET como provedor. Diz que nasceu em 1983 e o perfil preenche diversos campos.

Diferente do outro cadastro, o id 30040971 realizou uma compra no site e deixou dados muito mais incriminadores. Então os indícios que Rodrigo Constantino seja mesmo cliente do site Ashley Madison são bem sólidos. Que é o mesmo Rodrigo Constantino que escreve colunas pra Veja já é outra história.

Não há como ter certeza apenas com os dados do Ashley Madison que o colunista é responsável pelos dois cadastros, ou sequer seja responsável por algum. Para saber isso com certeza só quem o conhece melhor . Somando as informações: bandeira e últimos números do cartão, endereço de cobrança, e-mail, geolocalização, provedor, estampas de data e hora — uma esposa ou marido não teria dificuldade em reconhecer ou não os dados como sendo do parceiro. E afinal a identificação ou não de alguém na lista de usuários do site só interessa mesmo ao parceiro da pessoa.

Porém, cruzando os dados com outras fontes podemos chegar mais perto da identificação positiva ou negativa de alguém. No caso em questão o e-mail constantino_rodrigo@yahoo.com.br só aparece publicamente uma vez, como contato de um registro de um domínio morto: officiodaarte.com

Em São José dos Campos - cidade informada pelo constantino_rodrigo quando comprou um domínio — encontramos um profissional da aviação chamado Rodrigo Constantino.

Então aparentemente o Rodrigo Constantino que gastou 40 dólares com a Ashley Madison não é a figura pública, o colunista da Veja, e sim um homônimo que deve estar se lamentando por ter esse nome e que precisa ter uma conversa séria com sua parceira antes que ela entre na internet. Mas mesmo com todos esses indícios, não dá pra afirmar nada com certeza.

Eu extraí dos dados brutos apenas as transações de cartão de crédito — que são evidências sólidas de uso do site — relativa a contas do Brasil. São mais de 192 mil transações. Me chamou a atenção o grande número de policiais usando e-mail oficial da polícia, funcionários públicos usando seus e-mails .gov.br. Um servidor chegou a fazer vários pagamentos usando seu e-mail oficial do Palácio do Planalto como contato.

Folheando a massa de dados encontrei diversos nomes conhecidos — figuras públicas ou amigos. Quase sempre quando eu cruzava os dados, eram homônimos. Alguns não tinha como determinar, outros pareciam bem verossímeis. O cadastro de uma famosa atriz parece muito ser real. A vantagem de nós artistas é que podemos sempre alegar que era um laboratório prum papel.

A única certeza é que ainda vai dar muita confusão.

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Fernando Marés de Souza: Roteiro audiovisual, crítica de mídia e insurreição global. E-mail: fernandomares@riseup.net.