A história da estátua de José de Alencar no Rio

Inauguração do monumento em 1897 foi marcada pela fala emocionada de Machado de Assis.

Roteiros Literarios
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4 min readMay 13, 2020

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por Leonardo de Lucas

Em 12 de dezembro de 1891, numa praça do bairro do Flamengo, na então capital do país, foi lançada a pedra fundamental de uma obra que seria a primeira a homenagear um escritor brasileiro. Até então, tal honraria era dedicada somente aos grandes líderes políticos e aos comandantes militares. José de Alencar (1829–1877), romancista cearense, muito conhecido pelos livros Iracema e O Guarani, debutaria nesse mundo das estátuas e seria imortalizado num imponente monumento no centro do largo.

O discurso emocionado, parte dos festejos, foi feito pelo colega de letras Machado de Assis. No texto, o autor de Dom Casmurro recorda a sensação extraordinária que teve quando se encontrou pessoalmente com o mais célebre escritor da época. Não conseguiu lhe dizer nada, ficando apenas a fitá-lo com os olhos assombrados do menino Heine ao ver passar Napoleão.

Machado destacou também a importância do romancista em sua adolescência e no início de seus anseios literários. Apesar de Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo terem influído em seu ânimo juvenil, a ação crescente de Alencar dominava as outras. E o fascínio em torno de sua figura como artista não diminuiu com o tempo, por isso o Bruxo do Cosme Velho deu ênfase no impacto de seu falecimento: “Creio que jamais o espetáculo da morte me fez tão singular impressão”.

“Hoje, senhores, assistimos ao início de outro monumento, este agora de vida, destinado a dar à cidade, à pátria e ao mundo a imagem daquele que um dia acompanhamos ao cemitério. Volveram anos; volveram coisas; mas a consciência humana diz-nos que, no meio das obras e dos tempos fugidios, subsiste a flor da poesia, ao passo que a consciência nacional nos mostra na pessoa do grande escritor o robusto e vivaz representante da literatura brasileira.”

Machado falou um pouco sobre a carreira do escritor, sobre a fecundidade de sua escrita, sobre o seu talento na crônica, no teatro, na crítica e no romance, sua especialidade. Chamou a atenção sobre como nesse último gênero Alencar conseguiu expressar muitos traços do nosso país: “O espírito de Alencar percorreu as diversas partes de nossa terra, o norte e o sul, a cidade e o sertão, a mata e o pampa, fixando-as em suas páginas, compondo assim com as diferenças da vida, das zonas e dos tempos a unidade nacional da sua obra”. E acrescentou:

“Nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira. E não é só porque houvesse tratado assuntos nossos. Há um modo de ver e de sentir, que dá a nota íntima da nacionalidade, independente da face externa das coisas. O mais francês dos trágicos franceses é Racine, que só fez falar a antigos. Schiller é sempre alemão, quando recompõe Filipe II e Joana d’Arc. O nosso Alencar juntava a esse dom a natureza dos assuntos, tirados da vida ambiente e da história local. Outros o fizeram também, mas a expressão do seu gênio era mais vigorosa e mais íntima. A imaginação que sobrepujava nele o espírito de análise dava a tudo o calor dos trópicos e as galas viçosas de nossa terra. O talento descritivo, a riqueza, o mimo e a originalidade do estilo completavam a sua fisionomia literária”.

Houve ainda alguma menção à trajetória política de Alencar, que o autor de Quincas Borba via como incompatível com ele. Se submeter a partidos aos homens e às necessidades e interesses comuns, isso não podia ser aceito por alguém que em outra esfera dispunha da soberania e da liberdade.

Machado ainda o descreveu como uma espécie de outsider, de sujeito que não conseguia entender como certas regras funcionavam exatamente por ser um artista, um ser autônomo.

“Não lembro aqui as letras políticas, os dias de governo e de tribuna. Toda essa parte de Alencar fica para a biografia.” Assim o Bruxo conduz o fim de sua fala, ressaltando sempre o lado escritor e artista do homenageado, como se essa fosse a face que ele queria ver preservada e perpetuada sobre as outras. Suas últimas linhas relembram uma passagem melancólica de Iracema que retrata transitoriedade da vida: “Tudo passa sobre a terra”. Ao que Machado, resgatando a imortalidade do autor em forma de monumento, respondeu: “Nem tudo passa sobre a terra”.

SOBRE O MONUMENTO

Inaugurado em 1897, no Rio de Janeiro, a obra tem no seu topo uma estátua de José de Alencar em bronze com os trajes da época. Sentado numa pose elegante, um lápis e uma folha repousam entre suas mãos, dando à representação um contorno intelectual.

Sua base circular de mármore é sustentada por uma estrutura octogonal que contém quatro baixo-relevos retangulares intercalados por medalhões, todos esculpidos em bronze.

Feita pelo escultor Rodolfo Bernardelli, artista que foi o responsável pelo túmulo da família, os quatro baixo-relevos simbolizam passagens dos livros famosos de Alencar, como O Guarani (1857), Iracema (1865), O Gaúcho (1870) e O Sertanejo (1875), ao passo que os medalhões expressam alguns dos personagens dos romances, como Peri, Iracema e Ceci.

Na ocasião, o evento teve a pompa que a situação exigia, com a presença até do presidente da república, Prudente de Morais. Estiveram presentes também e discursaram os escritores Coelho Neto e Olavo Bilac.

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