A magia de Óbidos: vila medieval e cidade literária

Pertinho de Lisboa, a vila dentro da muralha conta com 11 espaços literários e muita história a ser explorada

Roteiros Literarios
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6 min readAug 12, 2021

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por Maria Fernanda Moraes

É difícil explicar a sensação de estar de Óbidos. Cheguei na vila no meu quarto dia de viagem à Portugal (em 2018), e já havia passado pelo Porto e por Coimbra, me encantando com muita história, me espantado com os mais de 500 anos da Biblioteca Joanina e, mesmo assim, Óbidos foi um baque.

A cidade fica a cerca de 1h de Lisboa. É uma vila medieval cercada por uma muralha de pedra e preserva as casas caiadas de branco do lado de dentro da fortificação, junto aos pórticos manuelinos (uma variação portuguesa do gótico), janelas floridas e pequenos largos.

Passar a noite do lado de dentro de uma muralha medieval é uma experiência que para nós, brasileiros, com pouco mais de 500 anos de história, beira o fantástico.

Pra contextualizar a narrativa em termos históricos, aqui vai uma breve cronologia:

308 a.C — A vila é fundada pelos Celtas.
Século I — Óbidos é conquistada pelos Romanos.
Séc. V-VI — Aos Romanos, sucederam-se os Visigodos.
Séc VIII — Os Mouros ocupam a vila.
11 de janeiro de 1148- D. Afonso Henriques toma Óbidos dos Mouros (feriado municipal).

Alguns dias antes da minha viagem, pude acompanhar pelo Instagram a residência literária que a Lívia, do blog Eu Sou à Toa, fez em Óbidos por 40 dias. As fotos foram aguçando cada vez mais a vontade de conhecer aquele lugar. Infelizmente, não consegui participar um evento que aconteceu na Vila no final de abril (do qual a Lívia esteve presente), o Festival Latitudes — Literatura e Viajantes.

A vila tem uma ligação forte com a literatura. Em 2015, a Unesco considerou Óbidos como cidade literária, incluindo-a num programa chamado Rede de Cidades Criativas junto a outras cidades como Barcelona e Dublin.

Com a ajuda de incentivos da câmara municipal e da iniciativa privada, muitas construções da cidade foram restauradas e viraram livrarias. São 11 espaços literários, desde livrarias a museus, galerias, hotéis e restaurantes.

Um dos mais impressionantes é uma filial da Livraria Ler Devagar (rede conhecida em Portugal) que se instalou no interior da Igreja de Santiago. Isso mesmo! Os móveis, bancos e as imagens da igreja foram retirados e deram lugar a prateleiras cheias de livro, inclusive no altar.

Cheguei a ficar ressabiada com a ideia da ocupação da igreja, temendo a associação da ideia de colocar a literatura num altar. Mas o sentimento lá dentro é outro: saem a pompa e circunstância de um ambiente dogmático e entram livros e conhecimentos dos mais variados temas e nacionalidades. O efeito é o contrário: a dessacralização da literatura.

Na Rua Direita, a principal da vila, você também perde um bom par de horas no Mercado Biológico, um estabelecimento com cara daquelas vendas antigas que comercializa produtos orgânicos (biológicos, como se diz em português de Portugal), temperos e… livros!

São prateleiras feitas de caixote de feira que vão do chão ao teto e exibem uma diversidade de títulos em vários idiomas. Você passeia entre os livros e já sente o cheirinho de manjericão fresco junto com outras ervas que se acomodam na porta.

A Casa Saramago, cuja matriz fica em Lisboa, também apostou no potencial de Óbidos. Abriu uma filial na cidade, com o propósito de sediar sessões especiais de lançamentos e exposições temporárias. Em 2021, foi inaugurada a Biblioteca Municipal ali.

Mas, além de todas essas atrações, a magia da vila se revela quando o sol começa a cair e o movimento dentro da muralha diminui. Isso porque Óbidos geralmente entra no roteiro de um dia de visita da maioria dos turistas. Há excursões diárias no esquema bate e volta que saem de Lisboa e de Fátima. Por isso, quando se aproxima das 17h da tarde, a vila começa a silenciar.

Um ponto importante e que também colabora com esse clima, é que os carros ficam estacionados do lado de fora da muralha e você só entra na cidade a pé, passando por uma grande porta de pedra. Quando cheguei, fui trolada pelo Google Maps, que dava um caminho de carro até a pousada que eu ficaria. Mas somente alguns carros autorizados podem entrar na muralha.

Entrada da vila (foto: Maria Fernanda Moraes)

Do lado de dentro, a vida flui normalmente, com as casas brancas preservadas, as ruas estreitas e as senhorinhas vendendo ginja (uma bebida que lembra um licor de cereja) em copo de chocolate. É uma tradição da vila que você compra por 1 euro. Como Óbidos fica no alto de uma colina, ver o pôr-do-sol além da muralha é uma imagem que se guarda para o resto da vida.

O pôr-do-sol visto do alto da muralha. Ao fundo, as oliveiras. (foto: Maria Fernanda Moraes)

No dia que cheguei na cidade, passava pouco das 16 horas. Acomodei as malas na pousada e o recepcionista deu a dica de subir até um mirante da muralha e ver o sol se despedir entre as montanhas e plantações de oliva.

Se o silêncio do final da tarde é um presente para quem escolhe passar a noite em Óbidos, a calmaria da noite traz a certeza da boa escolha. As luzes amarelas iluminam as ruas de pedra na medida certa — nem mais, nem menos — e você realmente se sente num cenário medieval, com pequenos restaurantes de porta para a rua servindo frutos do mar e vinho da casa, como pequenas tabernas de antigamente.

Festivais Literários Anuais

Para os fãs de literatura, vale se atentar aos festivais temáticos que acontecem na vila: o FOLIO — Festival Literário Internacional de Óbidos, costuma ser realizado em outubro (a edição de 2018 contou com vários escritores brasileiros na programação). E o Festival Latitudes — Literatura e Viagem, é realizado anualmente em abril.

Informações sobres os festivais e as outras atividades literárias da cidade você acompanha no site Óbidos Vila Literária.

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