Livros dos viajantes #2: Largou As Botas e Mergulhou no Céu

Na coluna, viajantes compartilham os livros que levam na bagagem.

Roteiros Literarios
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4 min readJan 14, 2020

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por Maria Fernanda de Moraes

A coluna Livros dos Viajantes número #2 chega como um sopro quente das bandas do nordeste. Quem compartilha com a gente a sua bagagem literária é o Paulo Silva Jr., jornalista que, junto com outros três amigos, colocou o pé na estrada para filmar o documentário Largou As Botas e Mergulhou no Céu.

Trata-se, na verdade, de um documentário hiper realista de ficção, que tentará mostrar na prática os contrastes, inquietações e particularidades da população brasileira filmados durante mais de dois meses de viagem da equipe.

Bruno Graziano, Paulo Silva Jr., Raoni Gruber e Cauê Gruber partiram de São Paulo, de carro, em dezembro do ano passado e finalizam as filmagens no carnaval de 2015. O longa-metragem tem previsão de lançamento no segundo semestre de 2015.

Os quatro integrantes da equipe durante as filmagens

Paulo topou compartilhar os livros que ele levou na mochila, já adiantando que o tamanho fez diferença na hora de escolher os títulos. Tinha pensado, num primeiro momento, em Graça Infinita, do David Foster Wallace, mas a mochila enxuta não combinava com o catatau de mais de mil páginas. No final das contas, Karl Knausgård e Mario Filho estão lhe fazendo companhia e dividindo o suor.

Quando conversou com o Roteiros (em janeiro de 2015), Paulo estava no Crato, região do Cariri, Ceará. Ainda no final de janeiro a equipe subiria pra Fortaleza; e, depois, em fevereiro, Salvador e Recife.

Ele contou que A morte do pai, do escritor norueguês Karl Ove Knausgård, ficou abaixo da expectativa.

“Reconheci que é fodão, mas não fiquei preso pelo livro. Tanto que sempre preciso de um não-ficção pra misturar. Eu reconheço que é incrível fazer da própria vida uma obra de 3 mil páginas de problemas triviais, simplificando uma confissão pessoal, expondo pessoas. Só não me pegou a ponto de querer devorá-lo, mas é muito bom, acima da média”, disse Paulo.

Neste primeiro romance da série autobiográfica Minha Luta, Knausgård se concentra em narrar os anos de sua juventude. Ao embarcar numa investigação proustiana e incansável do próprio passado, o narrador busca reconstruir, sobretudo, a trajetória do pai, figura distante e insondável que entra em declínio e leva o núcleo familiar à ruína. Honesto e sensível, o autor investiga também o próprio presente: aos 39 anos, pai de três filhos, ele deve se ajustar à rotina em família, trocar fraldas e apartar brigas, tudo isso enquanto tenta escrever seu novo romance, numa luta diária.

Outro livro que divide lugar na mochila é O negro no futebol brasileiro (Ed. Mauad), do Mario Filho.

“Ele faz o balanço da não-ficção, pra não perder o ritmo de estudar futebol durante a viagem e por temer de não engrenar no Knausgård. no fim gosto disso, duma ficção longa intercalando com um livro mais estudo”.

Perguntei pra ele qual outro fator, além do tamanho dos livros, influenciou na escolha e se os livros tinham, de certa forma, alguma coisa a ver com a viagem.

Editado pela primeira vez em 1947, o livro traz histórias contadas por Mario Filho, em formato de grande reportagem, que, juntas, vão delineando a genealogia do futebol. Ele explica a forma como negros e mulatos ingressaram no futebol carioca do início do século 20. Revela que, num país mulato, somente brancos ricos tinham o direito de correr atrás de uma bola. Mais: o que definia a formação dos times era a cor da pele e a composição da “assistência”, enquanto os cariocas se questionavam sobre a necessidade de incluir pretos num escrete.

“Não sei dizer se tem algo direto com a viagem pra associar, mas acho que tem mais com o período de dois meses longe de casa, meio distante das notícias e quase que ilhado num projeto. Então, escolhi uma ficção de fôlego, longa (e de certa forma foi uma boa escolha pra viajar, já que provoca sobre os limites do tornar pública a própria vida) e uma não-ficção relacionada à história do futebol, que é o tema que eu mais estudo em épocas de tempo livre e sei que me faria falta”, contou.

Como é uma viagem de trabalho, os horários e locais de leitura são bem variados. “Depende muito do que tiver rolando no momento. Tenho lido mais no carro — vamos rodar um total de 12 mil km — e nos pequenos intervalos do meio do dia, como depois do almoço, até porque aqui faz um calor absurdo”.

E a pergunta clássica da coluna não poderia faltar: o que significa por o pé na estrada, pra você? “O que mais me impressiona no colocar o pé na estrada é a força em repensar a rotina pra voltar pra casa menos idiota”.

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