O castelo assombrado de Zelda Fitzgerald

Os dias da autora enquanto tratava de uma depressão em uma clínica nos EUA

Roteiros Literarios
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5 min readFeb 4, 2015

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Por Andréia Martins

A história da literatura também passa por lugares misteriosos e assombrados. A escritora e ícone dos anos 1920 e da Era do Jazz, Zelda Fitzgerald (1900–1948), passou por alguns desses locais enquanto se tratava de problemas mentais e depressão na década de 1930. Antes de ser transferida para um hospital em Asheville, na Carolina do Norte (EUA), onde viveria até morrer, Zelda primeiro se tratou em uma clínica de psiquiatria próxima a Beacon, no Estado de Nova York.

A FACHADA DO INSTITUTO CRAIG HOUSE, EM BEACON (NY)

A mansão de estilo gótico e vitoriano foi construída em 1859 para servir à guerra. A casa ganhou o nome de Tioranda, e abrigou o Instituto Craig House após ser comprada, em 1915, pelos médicos Robert Lamb e Clarence Slocum. Eles a transformaram num sanatório, o primeiro hospital de psiquiatria privado licenciado nos Estados Unidos. Hoje, é apenas mais um casarão abandonado, cercado de memórias assombrosas e mistérios.

Zelda começou a apresentar os primeiros sintomas de esquizofrenia no anos 1920. Ficou durante alguns meses na Clínica Phipps, parte da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Nessa época, seu marido, o escritor F. Scott Fitzgerald (1896–1940), estava editando o livro Suave é a Noite. As cartas enviadas por Zelda o ajudaram a criar a personalidade da personagem Nicole. O livro narra a história de Dick Diver, um jovem e brilhante psiquiatra cuja carreira é interrompida ao casar-se com a rica Nicole Warren, uma de suas pacientes.

No entanto, ao ler o primeiro rascunho do romance, Zelda ficou perturbada. Scott tinha medo de que ela pudesse tirar a própria vida e achou melhor que ela fosse vigiada 24 horas por dia. Em 1932, decidiu levá-la para Craig House, onde ela ficou até 1934.

O CASAL F. SCOTT E ZELDA FITZGERALD

Na época, Scott estava muito preocupado com a possível irreversibilidade do estado de Zelda. “Isto parece meio filosófico, mas a minha maior preocupação é que o tempo está escorregando, a vida está escorregando, e nós não temos vida. Se ela fosse uma pessoa antissocial, que não quisesse enfrentar a vida e carregar seu próprio peso seria uma história, mas a sua paixão pela vida e a sua incapacidade absoluta em viver parece tão trágico que, por vezes, não é passível de ser suportado”, escreveu ele em carta ao doutor Slocum. As correspondências trocadas pelo médico e o escritor, bem como entre ele e Zelda, ela e a mãe, estão nos arquivos da Biblioteca da Universidade de Princeton .

Na clínica, Zelda passava o tempo jogando golfe, pintando e nas sessões com Slocumb. Sobre o lugar, ela escreveu a Scott: “Tem tudo o que há disponível na Terra e eu tenho um pequeno quarto para pintar, com uma janela maior do que a minha cabeça, do jeito que gosto que as janelas sejam”.

Como Zelda não apresentava sinais de melhora, nem mesmo entre os bonitos gramados verdes da clínica, na época, e a mensalidade pesava no bolso do escritor (US$ 750), Scott transferiu a mulher para Asheville, em 1934.

Mas, a última carta que ele receberia de Zelda foi escrita ainda na Craig House (nº672 da Wolcott Avenue). Nela, Zelda dizia que estava pronta para “fazer a mudança”. “Estou terrivelmente doente, apesar das belezas deste lugar”.

Sobre a cidade de Beacon

Beacon fica a 105km da cidade de Nova York. Você chega lá de trem (mais barato e cômodo, saindo da estação Grand Central, em Nova York), ônibus ou de carro num trajeto de aproximadamente 1h30. A cidade tem alguns eventos bem conhecidos, como o Festival do Morango, que acontece em junho no Riverfront Park; o museu de videogames antigos (Arcade Museum) e ainda o Sloop Woody Guthrie, um barco criado pelo cantor de folk Peter Seeger (1919–2014) para navegar pelo rio Hudson levando educação e cultura. Em 2015, no entanto, o barco não sairá pelo mar porque precisa passar por reparos. Mas vai sediar leituras e outros eventos, ali, atracado mesmo.

Depois da mudança, a vida do casal de ouro da Era do Jazz desandou. Scott e Zelda viram-se pela última vez em 1938. Ele se mudou para Hollywood para trabalhar como escritor, mas o alcoolismo o levou à morte em 1940. Zelda morreu em 1948, no incêndio do hospital em que ela estava, em Asheville. Naquele dia, ela estava trancado em seu quarto à espera da terapia de eletrochoque. Não conseguiu escapar.

Em fotos recentes, publicadas pelo AtlasObscura, é possível ver como o local está hoje — fechado há décadas, ainda está intacto por dentro. Mas, há quem diga que é preciso ter coragem para passar por lá, pois o lugar estaria assombrado.

PARA LER

  • Esta valsa é minha (Companhia das Letras), de Zelda Fitzgerald: Escrito em um hospital psiquiátrico em apenas seis semanas, Esta valsa é minha é, ao mesmo tempo, um texto autobiográfico, um relato de época e um irrecusável convite para penetrar um universo feminino, alegre e sensível, mas também carregado de desilusões.
  • (Companhia das Letras), de Querido Scott, querida ZeldaZelda Fitzgerald e F. Scott Fitzgerald: é uma coletânea da correspondência trocada pelo escritor e sua mulher. São mais de trezentas cartas e telegramas, que abrangem todo o período que passaram juntos. As primeiras cartas datam de 1918, o ano em que o casal se conheceu, e as últimas de 1940, quando Fitzgerald morreu em Hollywood, de um ataque cardíaco.
  • Suave é a noite (Ed. Best Bolso), de F. Scott Fitzgerald: Ambientado na Riviera Francesa em fins da década de 1920, este livro narra a história de Dick Diver, um psiquiatra que se casa com a paciente Nicole Warren. A vida do casal não é mais do que uma farsa — dominados pelo tédio, incapazes de dialogar, entre incessantes coquetéis e recepções e dinheiro, vivem numa atmosfera de falsa euforia.

Originally published at http://novo.roteirosliterarios.com.br on February 4, 2015.

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