O cotidiano de Dublin, por Ray Bradbury

A cidade inspirou o escritor durante sua estadia para escrever o roteiro do filme baseado no livro Moby Dick.

Roteiros Literarios
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3 min readMay 20, 2014

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Por Andréia Martins

Ray Radbury, autor de Fahrenheit 451, não era apenas mestre na ficção científica, mas também em relatar as pequenas cenas do cotidiano (Reprodução)

Ray Bradbury (1920–2012) é tido como mestre da ficção-científica, principalmente pelos livros Crônicas Marcianas (1950) e Fahrenheit 451 (1953). Mas o escritor norte-americano também se arriscou nos relatos do cotidiano inspirado pelas cenas que viu nas ruas de Dublin, na Irlanda, quando estava escrevendo o roteiro do filme baseado no livro Moby Dick, de Jonh Houston.

O escritor chegou a Dublin em 1953 e se hospedou no hotel Royal Hibernian (que foi demolido em 1983 e hoje abriga um pequeno shopping). Ali, como o próprio escreveu em uma carta ao amigo Dolph Sharp (veja a carta, em inglês, no site da filha de Dolph), se sentia em casa:

“Eles são um povo educado e simpático; viver neste hotel é como viver em uma grande família; todos conhecem as meninas [suas filhas] e nos sentimos maravilhosamente em casa. Nas noites de sábado, muito tarde, você ouve dezenas de pessoas andando pelas ruas cantando baladas irlandesas, um som fino, alguns deles bêbados, outros não, e há milhares de cavalos passando a toda hora, grandes animais com ossos pesados ​​e costas grossas, gigantes regulares”

Quando deixou a cidade, ele não só saiu com o roteiro pronto como reuniu material para contos, peças e livros, inspirado pelo dia a dia da capital irlandesa. Em mais um trecho da carta, ele compartilha suas impressões:

“Dublin é fascinante. Em muitos aspectos é como voltar aos anos 1920. Você adoraria isso, eu acho. TV ainda não pegou aqui. Eles ainda são famintos por filmes e rádio. Filas se formam, por quarteirões, para os filmes. Duas noites seguidas nós tentamos ver O Fio da Navalha e foi impossível. Todos os teatros estão cheios o tempo todo até o teto. Isso faria bem ao coração de Darryl Zanuck [produtor norte-americano], ver as filas que se formam esperando por horas, alguns sabendo que é inútil, mas esperam de qualquer maneira, enquanto os tocadores de acordeão e banjo passam pra cima e pra baixo entretendo as pessoas”.

A Ponte O’Connell, cenário de uma das histórias de Bradbury (WikiCommons)

Um dos locais que inspirou Bradbury foi a Ponte O’Connell, cenário da história The Beggar on O’Connell Bridge (leia aqui), publicada em 1961 com outro nome The Beggar on the Dublin Bridge. A ponte é uma das atrações da cidade e a presença de mendigos não é algo raro.

Na maioria das vezes em que o escritor saia do hotel para uma caminhada, ele era abordado por um deles. Mas o problema era mais grave, e também era assunto na carta endereçada a Dolph.

“(…) a situação do emprego aqui é muito parecida com os anos 1930 nos Estados Unidos. Aqui, há algumas poucas crianças e homens e mulheres implorando nas ruas, e isso é uma coisa terrível. Não importa o quanto você dá, não é o suficiente. O país inteiro da Irlanda precisa de dez mil dólares no próximo ano para cuidar de seus casos de paralisia cerebral, apenas dez mil dólares, lembre-se, e eles estão encontrando dificuldade para levantar”, comentou o escritor.

Na história de Bradbury, o protagonista é um escritor que está trabalhando em um roteiro e que toda a vez que sai do hotel é seguido por um grupo de pedintes muito animados. Um em particular lhe chama atenção com a cantoria e o acordeão. O protagonista desenvolve uma pequena obsessão pelo desconhecido.

Outro local muito visitado por Bradbury era o Parque St. Stephen’s Green (na Rua Stephen’s Green, Dublin 2), onde ele costumava levar suas filhas para passear. O local aparece no livro semiautobiográfico Green Shadows, White Whale, de 1992, sobre a produção do roteiro de Moby Dick.

PARA LER (E ASSISTIR)

  • Conto The Beggar on the Dublin Bridge (leia aqui)
  • Green Shadows, White Whale (Perennial Books)
  • Moby Dick (1956), John Houston, com roteiro de Bradbury e Houston

Originally published at roteirosliterarios.com.br on May 20, 2014.

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