Os Borges em Portugal

Em Lisboa há um jardim em homenagem ao escritor argentino Jorge Luís Borges, cujo bisavô tinha origem portuguesa.

Roteiros Literarios
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5 min readAug 3, 2021

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por Andréia Martins

Entrada do jardim, no bairro Saldanha, em Lisboa (Foto: Andréia Martins)

Foi dessas coisas que só o caminhar pela cidade nos proporciona. Numa tarde de domingo, cansada das paredes que me fazem companhia há meses em Lisboa, decidi dar uma volta, aproveitando que costuma ser um dia mais tranquilo na cidade, com lojas fechadas, menos movimento e risco de aglomerações no bairro.

Borges em 1952 (Foto: Grete Stern)

Caminhando por Saldanha, avistamos uma praça e entramos para conhecer. Qual foi minha surpresa ao perceber que o Jardim do Arco do Cego era também chamado de Jardim Jorge Luis Borges, em homenagem ao escritor argentino de mesmo nome.

Desconhecia qualquer ligação de Borges com a capital portuguesa. Dentro do jardim, havia mais uma surpresa: um memorial construído em homenagem a ele. Descobri depois que o monumento foi doado à cidade de Lisboa pela Casa da América Latina.

O monumento foi inaugurado em 2008 com presença da viúva Maria Kodama, de José Saramago e do presidente da autarquia, António Costa (hoje, primeiro-ministro português). A escultura, feita pelo argentino Federico Brook, amigo de Borges, tem cerca de 2 metros de altura e pesa duas toneladas.

O memorial é composto por uma nuvem de mármore, que simboliza a imaginação do escritor; uma mão de bronze, feita a partir de um molde que o escultor fez da mão de Borges em vida, e por uma base em granito onde está escrito um trecho do texto Os Borges, no qual o escritor faz referência às suas origens portuguesas.

Abaixo, o trecho do poema inscrito no monumento:

Curioso que, se dum lado a entrada do parque o apresenta como Jardim Jorge Luis Borges, da outra esquina, que por lá entra encontra um muro onde se lê Jardim do Arco do Cego. O jardim construído em homenagem ao cônsul português na França, Aristides de Sousa Mendes.

Vista geral do jardim (Foto: Andréia Martins)
A área na entrada do parque e a vista geral do jardim. (Foto: Andréia Martins)

Moncorvo: a terra do bisavô de Borges

O passeio despertou alguma curiosidade sobre as raízes do escritor. A origem portuguesa foi citada pelo próprio Borges, mas muitos questionavam a veracidade da história. Pesquisadores, entre eles o historiador e arqueólogo português Nelson Rebanda, continuaram investigando e chegaram ao rasto do bisavô, aos Borges de Moncorvo. Nós tentamos contato com Rebanda, mas sem sucesso.

Em 2014, a Câmara de Torre de Moncorvo (onde o bisavô de Borges teria nascido) e a Embaixada da Argentina em Portugal deram início a um processo para estudar e lançar em um documentário a história sobre as raízes transmontanas do escritor argentino. O trabalho seria feito em parceria com a Universidade Nacional San Martin, na Argentina. Na ocasião, afirmaram não ter dúvidas de que Francisco Borges era bisavó de Borges, mas que as circunstâncias do nascimento e vida do então militar precisavam ser esclarecidas.

Moncoro e a torre, uma ds principais atrações da vila portuguesa

Embora seja difícil encontrar estudos oficiais sobre a origem portuguesa de Borges — esse mesmo estudo de 2014, aparentemente não rendeu documentos oficiais, ou eles não foram divulgada —, o que se conta é que Francisco Borges (o bisavô) teria nascido em Moncorvo, no norte de Portugal, entre 1770 e1782. No ano de 1850, ele deixou Torre de Moncorvo, integrado numa expedição militar portuguesa que atracou na região argentina do Rio de la Plata. Ele nunca mais regressou a Portugal.

Segundo a memória da família, o bisavô casou com a argentina Cármen Lafinur e emigrou para o país da companheira. O casal teve um filho, Francisco Borges Lafinur que casou com uma inglesa e também foi militar.

O próprio Borges terá tentado identificar a linhagem durante uma visita a Portugal, em 1921. Anos mais tarde, contaria numa entrevista as dificuldades da investigação.

Quando consultámos a lista telefónica, havia tantos Borges que era como se não existisse nenhum. Tinha cinco páginas de parentes. O infinito e o zero assemelham-se. Não podia telefonar a cinco páginas de pessoas e perguntar: ‘Diga-me uma coisa: na sua família houve um capitão chamado Borges, que embarcou para o Brasil em fins do século XVIII ou princípios do XIX?’”….

Apesar da origem já dada como certa, há pouco guardando a memória da família na cidade. A mais emblemática a avenida que leva o nome de José Luís Borges. Em breve, outra homenagem surgirá: em março de 2021, o escultor Hélder de Carvalho apresentou um projeto de escultura que será implementado no Parque Verde Engenheiro Aires Ferreira.

As esculturas dos escritores, ainda em projeto

Trata-se das esculturas de três grandes escritores: Miguel Torga, José Saramago e Jorge Luís Borges. Ainda não há previsão para a inauguração das esculturas.

Terminamos aqui com uma outra alusão do escritor argentino à sua descendência. Borges dedicou um poema ao bisavô, Alusão à morte do coronel Francisco Borges. Não conseguimos precisar a data. Leia abaixo, na tradução de Paulo Coelho:

Fundação Paulo Coelho

Jardim do Arco do Cego
Endereço: Av. João Crisóstomo; Rua de Dona Filipa de Vilhena; Av. Duque d’Ávila; Av. dos Defensores de Chaves

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