Sebastião da Gama, o poeta da Arrábida

Região do Azeitão conhecida pelos ótimos vinhos e queijos, é terra natal do poeta português e ganhou uma casa-museu sobre ele.

Roteiros Literarios
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6 min readMay 10, 2021

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Escultura em homenagem a Sebastião da Gama em praça no Azeitão (Andréia Martins/Roteiros Literários)

por Andréia Martins

A região do Azeitão, em Portugal, é mais conhecida pelos queijos e vinhos — algumas das mais importantes empresas estão lá, como a Bacalhôa e a José Maria da Fonseca. No entanto, a freguesia do conselho de Setúbal é terra natal de um poeta que colocou o Azeitão na rota da literatura portuguesa. Conhecido pelas palavras simples, sua literatura combina com a simplicidade da Vila Nogueira de Azeitão, a vida pacata entre ruas estreitas e onde, provavelmente, todos se conhecem.

Nascido a 10 de abril de 1924, Sebastião Artur Cardoso da Gama (1924–1952) foi poeta e professor. Ele começou a fazer poesia ainda estudante. Licenciou-se em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1947 e fez o estágio para professor de português na escola Comercial Veiga Beirão, experiência que seria narrada no livro “Diário”, publicado postumamente em 1958 — hoje com mais de 13 edições.

O livro é uma de suas principais obras. É um testemunho da sua experiência como docente e uma valiosa reflexão sobre o ensino. No livro, Gama defendia uma relação de proximidade entre aluno e professor, dizia que “ensinar é amar”.

Um trecho do livro acompanha a escultura do escritor na praça central de Vila Nogueira de Azeitão (foto acima), inaugurada em 2007. Uma entre tantas homenagens que a cidade guarda ao poeta.

“Para ser professor, também é preciso ter as mãos purificadas. A toda a hora temos de tocar em flores. A toda a hora a poesia nos visita”.

(Sebastião da Gama, Diário)

Entre as principais publicações do autor somam-se “Serra-Mãe” (1945) seu livro de estreia, “Campo Aberto” (1950), “Cabo da Boa Esperança” (1951), “Pelo Sonho é que Vamos” (1953), entre outros.

A trajetória de Gama poderia ter sido mais longa. Mas, devido a um diagnóstico médico precoce de problemas respiratórios, sua jornada foi encerrada aos 27 anos, quando morreu devido a uma tuberculose.

A condição o fez optar pela vida perto do ar puro da Serra da Arrábida. A proximidade com a natureza o transformou também em ativista ambiental. A defesa do seu “paraíso” que começava a ser destruído pelo asfalto das estradas, inspirou a fundação da Liga para a Proteção da Natureza, em 1948, a primeira associação ambientalista portuguesa.

Um museu para Gama

Inauguração da Casa Memória, em abril de 2021 (Divulgação)

Em 10 de abril de 2021, data em que Gama completaria 97 anos se estivesse vivo, Vila Nogueira de Azeitão ganhou um novo museu: a Casa Memória Joana Luísa e Sebastião Gama (rua José Augusto Coelho, 105), um centro de memória do autor no local onde morou a viúva do poeta, Joana Luísa da Gama.

Falecida em 2014, ela doou o imóvel, em testamento, à Associação Cultural Sebastião da Gama.

O museu tem uma linha cronológica com datas e informações importantes sobre Sebastião e Joana, além de muitas fotografias. Há ainda uma exposição com diversos artigos, como objetos pessoais do poeta — entre eles, uma pasta em cabedal, caneta e lapiseira, além das fitas acadêmicas da conclusão da licenciatura em Filologia Românica, com dedicatórias e assinaturas de diversos colegas.

O casarão azul que abriga a Casa Memória, em Vila Nogueira do Azeitão, no dia da inauguração (Divulgação)

A gravata mais utilizada por Gama, uma agenda e lista de contatos de bolso, e diplomas honoríficos entregues pela Câmara Municipal de Setúbal ao poeta e a Joana Luísa também estão em exibição.

No Centro de Documentação, no primeiro piso, há diversas obras literárias, entre elas a primeira versão, inédita, do poema “Pelo sonho é que vamos”.

Pelo sonho é que vamos.
… … …
Chegamos? Não chegamos?
Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama

SERVIÇO:

No horário de inverno: de 16 de setembro a 31 de maio, de terça a sexta-feira, das 09h30 às 12h30 e das 14h00 às 18h00 e, aos sábados e domingos, das 14h00 às 18h00. No horário de verão, entre 1 de junho e 15 de setembro, o horário altera-se apenas aos sábados e domingos, passando a ser das 15h00 às 19h00.

Para informações, os canais de contato são: +351 969 754 510 (telefone), casamemoriasgama@mun-setubal.pt e acsgama@sapo.pt.

Um teaser do que você encontrará por lá:

Casa onde o escritor nasceu

A casa onde ele nasceu ali, também está marcada com uma plaquinha registrando o feito para os que ali passam, desinformados sobre o poeta. Fica na rua da praça, a mesma do museu e a algumas quadras antes do museu da José Maria da Fonseca.

Casa na Rua José Augusto Coelho, onde Sebastião da Gama nasceu (Roteiros Literários)

Em Lisboa, no Rossio, há um monumento em homenagem a Gama, que dividiu seu tempo entre as duas cidades.

Registros no diário

Em 11 de Janeiro de 1949, aos 24 anos, Sebastião da Gama iniciava o seu estágio de professor na Escola Veiga Beirão, em Lisboa. É desse dia a data marcada na primeira página do seu diário, que depois viraria livro.

11 DE JANEIRO DE 1949 — Para começar, o metodólogo falou connosco durante uma hora. De acordo com o que disse, vão ser as aulas de Português o que eu gosto que elas sejam: um pretexto para estar a conviver com os rapazes, alegremente e sinceramente. E dentro dessa convivência, como quem brinca ou como quem se lembra de uma coisa que sabe e que vem a propósito, ir ensinando. Depois, esta nota importantíssima: lembrar-se a gente de que deve aceitar os rapazes como rapazes: deixá-los ser: ‘porque até o barulho é uma coisa agradável, quando é feito de boa-fé.’ Houve nesta conversa uma palavra para guardar tanto como as outras, mais que todas as outras: ‘O que eu quero principalmente é que vivam felizes’” — Sebastião da Gama, Diário

O diário começou a ser redigido em 11 de janeiro de 1949 e foi concluído em março de 1950, data a partir da qual Gama ficou na espera da colocação para o ano letivo seguinte, o que não ocorreu em Setúbal como ele queria, mas na Escola Industrial e Comercial de Estremoz. A ideia de transformar os escritos em livros foi do professor citado no trecho acima.

Quando cheguei a Setúbal quis acabar com o que fica bem chamado “o terror da chamada”; é esse terror que leva a criança a faltar à aula, a inventar uma desculpa, a tremer perante o professor. Em Setúbal, de princípio perguntavam: “É para nota?” (E havia medo na voz.) “Não. É para aprender” Pois sim senhor, para aprender é que é: para eu aprender, para o aluno aprender; para estarmos mais perto um do outro: para partirmos a aula ao meio: pataca a mim, pataca a ti.” — Sebastião da Gama, Diário

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