Um lugar para ler devagar em Lisboa

Com mais de 20 anos, a livraria Ler Devagar é um respiro no meio na badalada LX Factory.

Roteiros Literarios
roteirosliterarios
6 min readJun 10, 2021

--

por Andréia Martins

A Ler Devagar, na Lx Factory

A LX Factory é um dos locais mais cools de Lisboa com seus restaurantes, cafés e lojas descolados. Point de turistas e muito agito, o complexo está em um antigo ambiente industrial em Alcântara, onde você caminha olhando para todos os lados, entre novos prédios e ruínas charmosas, a passos cuidadosos pela rua de paralelepípedos. Ali, há também um lugar que respira literatura. É a Ler Devagar, livraria que é quase uma instituição lisboeta com mais de 20 anos de história.

É bem verdade que apesar de ter mais de duas décadas de existência, foi a mudança para a LX que deu mais notoriedade à livraria — que entrou na lista das 10 livrarias mais bonitas do mundo e virou até assunto do New York Times. Mas vamos ao começo. A Ler Devagar foi fundada em 1999 no Bairro Alto, em Lisboa, onde ocupou as antigas instalações da Litografia de Portugal. Ela trouxe um conceito novo de livrarias como locais de encontro e de debate de ideias, de leitura, de manifestações artísticas e de venda de livros. Chegou à LX Factory dez anos depois, em 2009, e foi considerada.

O interior da Ler Devagar, em Lisboa (Andréia Martins/Roteiros Literários)
Livraria vista do segundo andar; na foto ao lado, trecho do Livro de Fernando Pessoa em uma instalação na LX Factory (Andréia Martins/Roteiros Literários)

Mas o que há nela de tão especial? Bem, livros. Muitos livros. E um ambiente mágico, de certa forma.

A Ler Devagar ocupa um espaço com cerca de 600m2 de área, em quatro pisos (e um pé direito de 14 metros), com um acervo de mais de 40 mil títulos de livros novos e de cerca de 10 mil livros usados. É curioso que ao entrar na livraria, me surpreendi com o tamanho e seus livros espalhados em prateleiras penduras até o alto. Livros, livros e livros para todos os lados.

Na decoração, antigas máquinas de impressão e esculturas — como a bicicleta voadora — ocupam os espaços e teto do local. Pinturas e fotografias também estão preenchendo as paredes em eventuais exposições que o local abriga.

A livraria também tem um bar/café e mesinhas espalhadas por entre os livros. Ainda assim, os frequentadores mantêm um silêncio respeitoso — pelo menos na hora em que estive lá, foi o que presenciei. Afinal, há que vá ali para ler apenas, para olhar e procurar livros que você nem sabe que procura. No entanto, em dias de eventos, o silêncio deve ser uma regra a ser quebrada.

Uma dica: não vá com tempo cronometrado. A graça da Ler Devagar é ir descobrindo pelo caminho. Lá você encontrará clássicos da literatura portuguesa e internacional. Mas também livros artesanais, literatura infantil, livros de autores independentes, postais, zines, esses itens criativos que a gente adora trazer na bagagem.

Há muito para procurar enquanto você escala os andares da livraria até chegar ao penúltimo andar, onde parte responsável pelo ar mágico do local está.

As invenções de Pietro Proserpio

Pietro Proserpio

A livraria tem uma exposição permanente desde o primeiro ano na LX: são os brinquedos com movimento do artista cinemático Pietro Proserpio estão ali, como ele próprio. Das 15h às 20h você o encontra no último piso da livraria, trabalhando em suas criações e esperando visitantes para contar a sua história e de suas peças (em cinco idiomas diferentes) a cada novo ouvinte.

Ele chegou à livraria em 2009, a convite de Michel, expositor residente da Ler Devagar. Ficou conhecido como Gepeto, nome do pai do Pinóquio, e não gosta que suas criações sejam chamadas de “engenhocas”. Sobre uma da marcas da livraria, a bicicleta voadora no centro da loja, ele contou como ela surgiu em entrevista à (Re)Vista:

Eu a criei em 2011. Onde estamos agora, antes tinha aqui uma exposição que foi feita para chocar, era sobre o lixo, toda está parte em que minhas obras estão agora expostas, estava cheia de lixo, era uma autêntica lixeira. Quando tiraram tudo esqueceram-se de tirar uma bicicleta que estava pendurada no andar de cima. Eu olhava para ela todos os dias, estava toda enferrujada, e pensei que tinha que fazer qualquer coisa. Puxei-a para baixo, pendurei-a, pintei de branco e arranjei umas asas para ela, depois chamei o José Pinho, o dono da Ler Devagar e perguntei se ele gostava e ele disse que sim, então perguntei se poderia colocá-la suspensa na frente da livraria. Mas a bicicleta ainda não tinha a menina. Continuei a olhar para ela e senti que faltava qualquer coisa. Fui ter com a minha esposa, que é escultora, porque de desenho, eu não desenho nada, e perguntei se ela poderia criar uma boneca para por em cima da bicicleta e mostrei o movimento que eu queria. E ela fez-me a boneca e ficou muito giro. Depois de um tempo, as pessoas começaram a perguntar por que a bicicleta não ia para frente e para trás e eu dizia que as pessoas estavam malucas, aonde já se viu uma bicicleta andar para frente e para trás. Tive então a ideia de criar algo que pudesse fazer este movimento e logo pensei no monociclo. Surgiu então o Sonhador, também com boneco feito pela minha esposa.

Antes de chegar à LX…

A história da Ler Devagar tem outros capítulos, como a criação de dois outros espaços criados na cidade: , o Instituto Francês de Lisboa, a “Nouvelle Librairie Francaise, com a Marie Pierre Delsol, a Ler Devagar-Artes, na Culturgest.

Em 2005, no entanto, a livraria teve que encerrar o espaço do Bairro Alto e instalou-se provisoriamente na Galeria ZDB e na Rua da Rosa (também no Bairro Alto), acolhendo a Eterno Retorno, a pequena livraria de filosofia em 2ª mão que estava situada perto de sua antiga sede e tinha fechado as portas.

Dois anos depois, em 2007, juntamente com a Eterno Retorno, a Ler Devagar construiu a Fábrica Braço de Prata (FBP), ocupando o edifício-sede de uma antiga fábrica de armamento e de material de guerra onde se instalaram 12 salas de livraria, de galerias, de salas de concerto, de bares. E esplanadas e jardins. Em 2008, a Ler Devagar foi convidada a instalar-se no então chamado “pólo de indústrias culturais de Alcântara — Lx Factory”, abrindo as suas portas no ano seguinte para um novo capítulo de sua história.

Para ver os dias e horários de funcionamento, consulte o site ou o perfil da livraria no Instagram :)

Entrada da LX Factory (Andréia Martins/Roteiros Literários)
Movimento nas ruas LX Factory, em Lisboa (Andréia Martins/Roteiros Literários)

--

--