Quem fez minhas roupas?

Mari Pelli
Roupa Livre
Published in
3 min readApr 27, 2015

Na infância, algumas das minhas eram feitas pela Teresinha, costureira amiga da minha avó. As visitas pra escolher modelo, medir e provar são lembranças boas dos meus primeiros contatos com o mundo da costura.

Corta pra 2015. Abro meu armário e não consigo dizer o nome de quem fez o que está ali dentro. Pior do que isso, não sei nada sobre a condição de vida dessas pessoas. Nós sabíamos tudo sobre a vida da Teresinha e sua família. (Essa era a parte menos divertida da visita, é verdade, quando ela e minha avó começavam a colocar o papo em dia e eu só queria brincar.)

Nostalgia à parte, resta a dúvida: o será que nos levou ao extremo oposto das relações de proximidade com as pessoas que fazem as nossas roupas? E mais, que efeito esse afastamento está causando?

Fast Fashion: nome e sobrenome do problema.

Em nome de uma velocidade de produção que não condiz com a velocidade das nossas necessidades, um mercado gigante se criou. Que segue aumentando e defendendo que o crescimento deste modelo é a nossa única alternativa.

Segundo o CEO da H&M, uma das pioneiras no segmento de Fast Fashion mundial, se diminuirmos o volume do que consumimos, o resultado será uma catástrofe. Gerando pobreza e perda de empregos ao redor do mundo.

Com certeza uma mudança de comportamento neste nível vai gerar suas consequências, que precisam ser consideradas e cuidadas. Mas eu arrisco dizer que com mais autonomia, de costureiras à estilistas teriam a chance de entregar seu valor direto para as pessoas. Talvez ao perder seus empregos ganhariam em liberdade de escolha, espaço e livre acesso aos consumidores dos seus produtos. Sem ninguém ganhando milhões em cima de peças feitas por centavos, as pessoas que fazem tem a chance de ganhar mais e melhor. Esse é o meu palpite otimista, de quem vê muitas vantagens na redução de intermediários.

O que não podemos negar é que os efeitos que o crescimento desenfreado do consumo está produzindo nós já estão ai e são muito negativos. Incontáveis são as catástrofes que já aconteceram e seguem acontecendo em nome dele.

Uma dessas catástrofes, o desabamento de um prédio em Bangladesh que matou cerca de 1.133 pessoas que trabalhavam para a indústria têxtil e deixou mais 2.500 feridas, foi o impulso para nascer o movimento chamado Fashion Revolution. Incentivadas por ele, pessoas do mundo todo manifestam no dia 24 de abril, data de “aniversário” do desastre, seus questionamentos e insatisfações com o mercado da moda tradicional.

Aqui em SP, estou como uma das articuladoras do movimento este ano e você pode fazer parte dele de diversas formas. Conheça aqui um pouco mais sobre o que estamos preparando e junte-se a nós. O símbolo da campanha é usar sua roupa do avesso, valorizando as costuras e quem as fez. Buscando na etiqueta mais informações sobre quem são pessoas por trás. Você também pode aumentar o coro para fazer bombar a mensagem da campanha se cadastrando aqui.

Tudo para nos fazermos a seguinte pergunta e buscarmos suas respostas:

Como diz Sarah Ditty, em carta aberta ao CEO da H&M, ele considera que nós só servirmos para consumir. Não podemos fazer nada além de comprar mais. Mas se encararmos uma compra como um voto, como uma escolha com propósito, o que ele nos pede é para continuar escolhendo um modelo que está nos levando à falência como espécie humana.

O mercado defende que precisamos continuar espremendo pessoas em salas minúsculas, prédios péssimos, com cada vez menos tempo de execução e pagando salários menores. E que é preciso que as pessoas arrisquem suas vidas em nome de um vestidinho novo pra gente usar uma vez e esquecer que existe. Então nós precisamos responder que não concordamos com isso.

— post escrito com carinho por Mari Pelli.

Originally published at www.roupalivre.com.br.

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